O filme de ficção científica Interestelar estreou com muito impacto neste final de 2014. Ele mostra como sendo possível no futuro um antigo sonho da Humanidade, que é o de viajar para outras estrelas e galáxias em busca de vida inteligente, já que no Sistema Solar ela não parece existir, a não ser na Terra… Mas este sonho é realmente possível? O roteiro deixa a entender que sim, mas o embasamento científico que é apresentado no filme está cheio de erros e impossibilidades técnicas, agora ou no futuro. Então receio que seja um sonho vão!

Eu sei, eu sei que um filme de ficção precisa incorrer em muitas liberdades que contradizem o conhecimento científico, para criar um drama maior e contar uma história com muitas emoções. No entanto, os produtores do filme fizeram questão de embasar o máximo possível o filme, do ponto de vista científico, e até contrataram um famoso fisico teórico, conhecido pelos seus artigos sobre a matemática dos “buracos de minhoca” estáveis.

Mas infelizmente, embora o filme seja belíssimo (e muito emocionante, diga-se de passagem, principalmente pelos dilemas humanos mostrados), fiquei bastante decepcionado com os sucessivos erros científicos, que comprometeram totalmente a credibilidade do filme Interestelar. Fiz uma listinha não exaustiva, vamos lá:

  • Uma viagem para Saturno demoraria em torno de 7 anos, e não 2, como no filme, mesmo usando Marte como acelerador orbital. Saturno fica a cerca de 1,5 bilhões de km da Terra
  • Para que procurar planetas em outra galáxia, se apenas em torno de 2000 anos-luz da Terra devemos ter algumas centenas de milhões de planetas?
  • O exame prévio dos potenciais candidatos, mesmo a essa distância relativamente curta demoraria décadas, se não séculos (em 10 anos, fomos capazes de examinar apenas 2.000, e nenhum deles totalmente viável para abrigar a vida terrestre).
  • Se “eles” colocaram um buraco de minhoca esférico e gigante para podermos viajar para outra galáxia, porque não o colocaram perto da Terra, ao invés de Saturno?
  • Uma vez ultrapassado o buraco da minhoca, e chegar na outra galáxia, a nave espacial demoraria ainda mais algumas centenas ou milhares de anos apenas para se deslocar entre os planetas de diferentes sistemas solares, a uma velocidade “normal”
  • Nenhum dos astronautas no filme teria sobrevivido a:
    • à radiação cósmica, à qual seriam submetidos por anos e meses, mesmo que encapsulados na nave. Pelo seu aspecto e tamanho, a blindagem da nave do filme seria insuficiente para deter essa radiação.
    • à proximidade de um buraco negro, devido à sua enorme força gravitacional. Os roteiristas se esqueceram que uma gravidade muito grande achataria seus corpos completamente e os impediria de ter respiração e circulação sanguinea.(o ser humano aguenta no máximo 10 a 20 vezes a aceleração da gravidade, e mesmo assim por curtissimos periodos de tempo, e com roupas especiais).
    • à radiação emitida próxima ao horizonte de eventos do buraco negro. Gases e outras matérias atraídas pelo vórtice do buraco negro são aquecidos a milhões de graus, e emitem gigantescas quantidades (equivalentes a de bilhões de sóis como o nosso) de todo tipo de radiação (gama, X, ultravioleta e raios cósmicos) que os matariam em milissegundos de exposição. Estima-se que esse campo de radiação tenha diâmetros maiores que 3.000 anos-luz, em torno de buracos negros grandes, como o Gargântua do filme e esterilizaria completamente qualquer planeta dentro desse raio
    • falta de combustível, comida e oxigênio. O tamanho da nave mostrada no filme era ridiculamente pequeno para armazenar suprimentos em quantidade suficiente para uma viagem até Marte, quanto mais até Saturno e os planetas extragalácticos. Estima-se que para acelerar e desacelerar a nave até Saturno e depois até os planetas, a uma velocidade um décimo da velocidade da luz exigiria toda a energia produzida nos EUA por 3 anos!
    • à entrada na atmosfera dos planetas, devido à alta temperatura atingida pelo atrito e velocidade (que, aliás, o filme não mostra, e é absolutamente irreal).
  • Absolutamente nada, nem ninguém, sobreviveria a uma queda dentro de um buraco negro. Também não sai de dentro dele nenhum raio de luz, de radiofrequência ou qualquer outra forma de energia, o que impediria o envio de mensagens pelo computador que jogaram lá dentro.
  • O mesmo vale para um buraco de minhoca (“wormhole”), que não se sabe se existe (é uma hipótese matemática, pois nem teoria merece ser), decorrente da aplicação de fórmulas da teoria da relatividade. E se existe, deve ter um diâmetro menor que um elétron, e precisaria da energia total de algumas galáxias, para transportar um micrograma de matéria entre dois planos do continuo espaço-tempo. Além disso, um wormhole é totalmente instável, aparecendo e fechando em um tempo medido em milionésimos de bilionésimos de segundo.
  • Portanto, também não teria sido possível os astronautas receberem mensagens periódicas de vídeo enviadas da Terra, pois elas teriam que passar pelo buraco de minhoca. Aliás, como fazer isso, sem ter transmissores em suas duas aberturas?
  • É impossível lançar um foguete com o porte para colocar uma nave de qualquer tamanho, com 3 astronautas, em órbita terrestre, de dentro de um ex-silo da NORAD (Comando de Defesa do Norte, que abrigava foguetes médios, tipo Minuteman).
    Se os EUA já tinham virado uma economia de subsistência agrária, como seria possível manter um projeto da NASA (e secreto ainda por cima), que custaria 200 a 500 bilhões de dólares (um décimo do PIB americano de hoje) para colocar astronautas em Saturno?
    Nenhum recipiente com óvulos e esperma congelados sobreviveria à radiação cósmica depois de alguns anos, mesmo blindados.
  • Quando o astronauta Dr. Mann morre na explosão no espaço, tentando se acoplar à nave-mãe, milhares de fragmentos se espalham em todas as direções. Mesmo assim, a nave com Cooper e a Dra. Brand se acoplam com sucesso, escapando ilesos, assim como a nave-mãe. Ambos teriam sido destroçados instantaneamente.
  • O planeta do Dr. Mann tem nuvens de gelo sólido. Isso não é possível, devido à sua massa, em um planeta com 80% de gravidade da Terra.
  • A volta em outra instância de tempo e espaço, como acontece com o astronauta Cooper, para se comunicar com sua filha, não é possível fisicamente, devido à existência da entropia (que determina a unidirecionalidade da flecha de tempo). Matematicamente, somente seria possível se existisse matéria exótica, com massa negativa, e velocidades maiores do que a luz. Portanto, é puro esoterismo do roteiro do filme, e não ciência. O público adora essas coisas?
    Aliás, como bem observou o físico Neil deGrasse, não teria sido mais simples o Cooper escrever uma notinha em um Post It pra ela?
    Nenhuma teoria conhecida sobre o multiverso permitiria a observação simultânea de uma tesselatura formada por imagens de diferentes universos, como acontece no final do filme.

Finalmente, a maior bobagem de todas, cometidas até por cientistas inteligentíssimos, como Stephen Hawking, é achar que os recursos terrestres vão acabar, e que seremos capazes de viver em ambientes absolutamente hostis e impróprios a manter qualquer população maior que algumas centenas de pessoas, fora da Terra. A solução está aqui mesmo, e não em outro planeta. As leis da física impedem as viagens interestelares, ponto final. E no nosso sistema solar, é impossível, agora ou no futuro.

Se tribos primitivas, como os beduinos, sem nenhum recurso tecnológico além de camelos e roupas longas, conseguiram sobreviver por séculos no deserto do Saara, imaginem os seres humanos dotados de altos recursos tecnológicos! Ou capazes de alterar o clima e trazer mais recursos de fora do planeta, como a mineração de asteróides quando acabar o metal da Terra.

Em suma, não vou perder meu tempo lendo o livro escrito sobre a fundamentação científica do filme, pelo Professor Kip Thorne, um físico teórico respeitadíssimo, e que foi assessor científico, co-roteirista e produtor executivo do filme. Ele certamente vai ganhar muito dinheiro e ficar milionário com sua participação no rendimento do filme. Mas, por mais que ele se esforce, não dá para explicar todas essas bobagens!

Infelizmente estamos perdendo a guerra da competitividade internacional. O Brasil, apesar de todo seu crescimento e vigor, navega rumo a um desastre, um afundamento amplamente anunciado. Se ficar do jeito que está, seremos cada vez mais um mero fornecedor de matéria prima e comida para o resto do mundo: café, carne, suco de laranja, soja, minério de ferro, e pouca coisa mais (não conseguimos exportar nem álcool e petróleo, frutos das nossas inovações mais respeitadas e avançadas….). Qual é a razão disso? Como podemos mudar?Será que ficaremos iguais à Argentina, em que há algumas décadas atrás o governo militar decidiu “brilhantemente” matar toda sua indústria, por achar preferível importar do que desenvolver? O resultado é conhecido: estamos vendo sua economia agonizar, cada vez mais arruinada e inviável. E isso em um país em que na década dos 60 tinha uma educação, ciência e tecnologia muito mais avançadas que no Brasil (basta dizer que eles têm quatro nobelistas em ciências, contra zero do Brasil).

Nossas exportações tecnológicas são majoritariamente feitas por multinacionais, que aqui se instalaram e se refastelam com o envio de gigantescos lucros para suas matrizes, deixando nada ou quase nada de pesquisa e geração de conhecimento por aqui.

Na arena internacional, tirando a Embraer, que mostra qual seria o caminho a seguir, somos zero à esquerda. Não sabemos mais fabricar nenhum componente vital de computadores (a não ser fontes de alimentação, cabos, tomadas e cascos…), principalmente os chips, os tablets e os celulares. Como os hermanos argentinos, achamos mais barato comprar e montar. Nossas indústrias de outsourcing, desenvolvimento de software, prestação de serviços internacionais, etc., é pateticamente pequena perto do tamanho do pais, população, território e economia. É um pragmatismo fatal, infelizmente defendido por muitos brasileiros imediatistas (o próprio governo, aliás).

É o caso de perguntarmos, talvez ingenuamente: e porque os outros países do BRIC, os tigres asiáticos, não fizeram a mesma escolha “pragmática” que nós? A resposta vale trilhões de dólares, literalmente!

Agora o derradeiro golpe é a indústria farmacêutica, principalmente a biotecnologia, que é o futuro da humanidade. A Coréia do Sul, Índia e Taiwan se transformaram em usinas gigantescas de pesquisa e desenvolvimento de imunobiológicos, fármacos recombinantes, baseados em biologia molecular, e química fina de baixo custo, fornecendo insumos para todo o mundo (inclusive para o Brasil).

Fiquei muito abalado quando soube disso (minha área é saúde e medicina), mas não surpreso. Conheço várias indústrias farmacêuticas estabelecidas no Brasil (não vou citar seus nomes), que fecharam fábricas inteiras de medicamentos, demitiram todos os operários, e hoje se dedicam apenas a comprar os medicamentos já envelopados no exterior, e acrescentar uma caixinha escrita em português (algumas já compram com a caixinha escrita em português…).

Trata-se do quarto ou quinto maior mercado de medicamentos do mundo, e somos incapazes de produzir para nós mesmos, que dirá exportar…

Eu sempre me pergunto: por que perdemos tantas oportunidades de destaque internacional em novos mercados? Depois que as barreiras de entrada aumentam, fica bem mais difícil. Vamos ficando cada vez mais para trás, e paisecos do tamanho de Alagoas passam na nossa frente.

Somos um povo inteligente, criativo, inovador, com perfil totalmente ocidental, com facilidade de aprender línguas, empreendedor. Mas somos dolorosamente inoperantes, e estamos cavando um buraco fundo para enterrar o futuro do Brasil, se continuarmos assim.

Os jovens não querem mais estudar coisas difíceis. A China, a Rússia e a Índia formam juntas 30 vezes mais engenheiros e cientistas por ano do que nós. Vejam meu artigo “Engenheiros de Menos” sobre isso aqui no Noosfera. Segundo a UNESCO, a situação de evasão das universidades é também um dado preocupante: em média, cerca de 40%, mas que nas engenharias essa proporção pode chegar a 80%. No curso de física da Universidade Federal do Rio de Janeiro, dos 120 matriculados, 90% não o concluíram. No entanto, temos 650.000 estudantes de direito, e formamos 45.000 advogados novos todos os anos… Com todo o respeito à nobre classe dos advogados, alguém já disse “coitado do país que tem mais advogados do que engenheiros!”

A educação brasileira é uma das piores do mundo, uma enganação do começo ao fim, com raríssimas exceções de qualidade, suficientes apenas para impedir que o pais entre em colapso em tecnologia e ciência.

Todos os governos brasileiros, sem exceção, adotam o discurso de que a educação, a tecnologia e a ciência são áreas prioritárias de investimento social, para aumentar nossa competitividade externa e interna. Vejam o que a nossa presidente disse recentemente:

“Precisamos criar, inventar e inovar. O Brasil só vai usufruir verdadeiramente dos frutos da era de prosperidade que podemos, devemos e estamos construindo se investir metódica e sistematicamente em educação, em pesquisa, em tecnologia e se for capaz de traduzir tal investimento em conhecimento e inovação. Não falta vontade política no nosso governo de investir em inovação.”

Vontade política não basta, infelizmente. Depois de discursos como esses, passam-se os anos, e nada melhora significativamente na educação brasileira. O nosso futuro é sombrio.

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