Educação a Distância no Ensino Superior
Uma Revisão Crítica

Renato M.E. Sabbatini, PhD

Janeiro de 2001


Resumo

Este artigo procura discutir de forma crítica uma forma antiga de educação, mas que ressurgiu com enorme força recentemente, graças ao crescimento da Internet e da WWW. Ele abrange os seguintes tópicos:


O Que É Educação a Distância?

Gerson quer aprender contabilidade para melhorar de vida. Só tem o ginásio incompleto, e estará numa cadeia em São Paulo pelos próximos dois anos, condenado por estelionato. Paulo é um médico que trabalha em Recife, e que ambiciona voltar para Catolé do Rocha, cidadezinha do alto sertão paraibano, onde nasceu, para fazer clínica rural. Mas teria que interromper o mestrado que está fazendo na universidade da capital. O sonho dourado de Viviane, uma garota pobre do interior do Acre, é fazer um curso de ecologia na UNICAMP. Evidentemente não tem dinheiro para isso. Albino, ao contrário, tem bastante dinheiro: é um super-executivo de um banco carioca, mas trabalha 12 horas por dia e não encontra tempo para fazer o MBA de que tanto precisa para progredir na carreira.
 
Todos esses são exemplos reais de gente que pode ser ajudada pela educação a distância, ou EAD, a nova sigla "quente" de um conceito antigo, mas que está explodindo em crescimento no mundo todo, empurrada pelos ventos das novas tecnologias. A EAD representa uma oportunidade preciosa para todos os Gersons, Paulos, Vivianes e Albinos da vida, que desejam progredir através do estudo, mas que encontram barreiras intransponíveis no ensino convencional, seja pela impossibilidade de se deslocar, seja pela distância geográfica, pelas limitações de tempo ou dinheiro.
 
O que é educação a distância? É uma forma de aprender e ensinar muito antiga: os famosos cursos por correspondência existem desde o século passado. O correio, o telefone, o telégrafo, o rádio e a TV, ou seja, os meios de comunicação a distância entre pessoas foram sempre muito usados para eliminar a necessidade de proximidade física entre alunos e professores.

Existem muitos colégios e universidades que operam inteiramente a distância. Uma das mais fortes é a Open University (universidade aberta), que foi fundada na Inglaterra em 1971, e que tem 160.000 alunos nas mais variadas áreas do ensino,e que utiliza basicamente o papel impresso e o correio como formas de contato com seus alunos. No entanto, recentemente as tecnologias de comunicação eletrônica, como telefone, rádio, televisão, fax, computadores, a Internet e a videoconferência, têm dado um impulso poderoso e uma maior disseminação para os cursos a distância da OU.  Uma parte das atividades é presencial, como é o caso de algumas provas e exames, que precisam ser feitos em pessoa (por motivos óbvios). Por isso, a OU montou uma rede de filiais e representantes em 9 paises, e tem feito muitos convênios com universidades de outros paises (as Universidades Federais do Ceará e do Pará recentemente tiveram cursos de graduação a distância em matemática, aprovados pelo MEC, que utilizam o material e a tecnologia de excelente qualidade desenvolvidos pela OU).Um dos projetos mais interessantes da Open University é o Estúdio Virtual, uma página da Web que apresenta a imagem de um quarto de estudos em três dimensões, que tem objetos de uso diário do estudante, tais como uma estante de livros, um caderno, um computador, um quadro-negro, um quadro de avisos, uma cadeira e uma escrivaninha. Clicando o mouse em um desses objetos, o estudante pode, de sua casa, acessar numerosos recursos de informação para ajudar o estudo, tais como livros e revistas multimídia, filmes, gravações de áudio, programas educacionais de computador, etc. Ao iniciar um diálogo com um professor ou tutor através da rede, a imagem do mesmo aparece sentada na cadeira !

É cada vez maior o número de universidades on-line, que oferecem cursos completos em nível de graduação ou pós-graduação. A University On Line, por exemplo (endereço: http://www.uol.com), fundada em 1992 nos EUA; ou a Virtual University On Line (http://www.athena.com), oferecem centenas de cursos nas mais variadas áreas do saber (concentrando-se, entretanto, naqueles cursos que podem ser ministrados sem aulas ou laboratórios, tais como economia, direito, marketing, ciências sociais, línguas, etc.), sendo um equivalente computadorizado das famosas escolas por correspondência. A diferença é que elas são multimídia e interativas. Os alunos podem entrar na WWW, escolher o curso que querem, e ler o material ali disponível. Podem entrar em contato por correio eletrônico com o professor do curso ou com o seu professor-tutor. Podem responder à questões para testar sua proficiência no aprendizado e ler materiais mais aprofundados, seguindo a orientação do computador ou do tutor. Os professores e tutores recebem relatórios detalhados sobre o que o aluno viu, estudou e respondeu. Coleções de “links” nas páginas do curso e mecanismos de busca permitem que o estudante navegue pela Internet global e ache mais materiais didáticos de estudo sobre um tema determinado.

Uma base crescente de materiais didáticos on-line está sendo disponibilizada para os estudantes através da Web, sendo que algumas dessas iniciativas abrangem consórcios de universidades (como um recurso produzido pelas universidades inglesas de Leicester, Loughborough, De Montfort e a Open University, de Londres), ou o Globewide Network Academy (http://www.uu-gna.mit.edu).

Tudo isso é um grande negócio, também. Todas essas universidades são pagas, evidentemente. Ainda não existem universidades públicas na Net, pois é grande o custo de produção dos materiais, e o conceito ainda é muito revolucionário. Mas nada impede que elas venham a existir. Algumas universidades, como a WebUniversity (http://www.web- u.com/) e a Spectrum Virtual University (http://horizons.org) estão ganhando muito dinheiro, e prometem diplomas válidos para o seu currículo.
 

EAD no Brasil

No âmbito da educação universitária formal, a EAD ocorre há mais de 30 anos em diversos países como Inglaterra, Espanha, Israel e Japão, e mais recentemente, na América Latina particularmente México e Colômbia, e nestes últimos anos, Brasil. A Espanha e Israel, por exemplo, já tem há vários anos suas Universidades Nacionais a Distância. Aliás, não entendo porque o Brasil não tem até hoje uma universidade do porte e da qualidade da OU. O saudoso Darci Ribeiro, que foi ministro da Educação e criador da Universidade de Brasília (UNB), chegou a fazer acordos com a OU e a Editora da UNB traduziu muito material didático, mas a coisa não foi adiante.

Agora parece que o Brasil está deslanchando em EAD, basicamente por dois motivos: primeiro, a nova Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDBE), que é a regulamentação maior do setor educacional público e privado no País, deu um espaço importante para a EAD, colocando-a em pé de igualdade com o ensino presencial, em termos de certificação. Segundo, o desenvolvimento recorde da Internet colocou uma massa grande de usuários no mercado de EAD, que cada vez mais se baseia em tecnologias de rede, como email, Web, etc., para a implementação de cursos à distância com alta interatividade e riqueza de informações. Para isso, as universidades públicas e privadas tem se equipado aceleradamente, treinando professores, comprando computadores e redes, e se conectando à Internet.

Como estamos muito no início dessa revolução, no entanto, há ainda poucas iniciativas sólidas e concretas, baseadas em estratégias integradas das instituições. Algumas universidades, como a Universidade Federal de Santa Catarina, a Universidade Nacional de Brasília, a PUC do Rio de Janeiro e a Universidade Morumbi/Anhembi foram pioneiras e tem programas muito fortes. A UFSC é uma das mais bem posicionadas: tendo iniciado o seu programa de EAD em 1995, hoje tem muitos cursos de extensão e 17 cursos de mestrado, com mais de 500 alunos. Estes geralmente são fechados, muito próximos a cursos convencionais, e oferecidos via videoconferência através de convênios com outras universidades. Mais de 150.000 alunos já participaram dessas atividades e espera-se concluir 150 teses de mestrado por esse sistema até o final do ano, com baixa taxa de evasão. A PUC de Campinas já tem cursos de mestrado a distância ou parcialmente presencial. Existem já há bastante tempo uma Associação Brasileira de Tecnologia Educacional (que tem uma parte forte em EAD) e a Associação Brasileira de Educação à Distância (ABED), que realiza congressos anuais de grande sucesso.

As universidades públicas paulistas estão relativamente atrasadas no processo de implantação da EAD. A USP e a UNICAMP estão fazendo projetos estratégicos importantes nessa área. A USP, através da Fundação C.A Vanzolini, ligada ao Departamento de Engenharia de Produção da Escola Politécnica, há vários anos tem oferecido dezenas de cursos a distância, utilizando videoconferência, e agora, Internet, em várias áreas, especialmente em Gestão de Qualidade (em conjunto com a Universidade da Califórnia em San Diego), educação continuada em engenharia (em várias áreas, no projeto Engenheiro 2001), e ensino de inglês. A USP conta também com um núcleo especializado no desenvolvimento de novas tecnologias em educação, a Escola do Futuro, criada e dirigida pelo Prof. Fredric Litto, que tem tido importante atuação na área. A Universidade Federal de São Paulo, através da Escola Paulista de Medicina tem uma Universidade Virtual que ministra já há dois anos cursos inteiramente a distância em diversas áreas da saúde (nutrição, dermatologia, oncologia, etc.).

Quanto a UNICAMP, deu-se um grande passo a diante, quando constituiu em 1999 um grupo de trabalho em EAD, que levantou a situação na Universidade e elaborou um relatório com várias propostas estratégicas e táticas com a finalidade de implementar um programa ambicioso e abrangente, que transforme a UNICAMP em uma universidade de alcance nacional, inicialmente, e depois internacional, com base nas tecnologias da EAD. Para se ter uma idéia do grande interesse manifestado pela comunidade universitária, um levantamento entre os docentes identificou mais de 100 projetos em andamentos, e cerca de 400 docentes (dos 2.000 existentes na instituição) em atuar na área da EAD. Entre as maiores necessidades dos docentes, como de resto em todas as outras universidades brasileiras, está a formação específica nessa área. Por isso, tem sido intensa a oferta de cursos de especialização e mestrado para formação de educadores a distância. Entre estes está um curso da UNB, que teve centenas de inscritos, e outros na PUC/SP, na UNICAMP e em uma empresa chamada CIANET. Mestrados sobre EAD (muito apropriadamente, dados a distância!) também estão disponíveis em várias universidades do exterior, inclusive a Open University.

O fato de que a nova Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDBE), de 1996, deu amplo reconhecimento governamental à EAD como uma forma legítima, em pé de igualdade com a educação presencial, foi também muito importante. As universidades, principalmente do setor privado da educação, não demoraram em reconhecer o valor grande do mercado que seria gerado pela LDBE, e começaram a se organizar. No começo deste ano, surgiram no Brasil dois grandes consórcios universitários de EAD, a Universidade Virtual Pública Brasileira (UniRede), formada por 61 universidades públicas municipais, estaduais e federais, e a Universidade Virtual Brasileira (UVB), formada por 15 universidades particulares. Diversos estados brasileiros também estão começando a montar seus consórcios universitários, como é o caso da Universidade Eletrônica do Paraná.

Para onde vai a EAD?

Muitas instituições de ensino estão vendo isso como um futuro grandemente promissor, inclusive quanto à geração de recursos financeiros. Embora alguns cursos de EAD eventualmente possam ser oferecidos gratuitamente, principalmente no setor social, a experiência mostra que os custos de implantação são altos, e que alguém precisa pagar por eles. Geralmente é o aluno. As Escolas de Extensão, atualmente onipresentes nas universidades, é a "parte paga" de muitas universidades públicas, e tem como alvo principal para seus cursos as empresas e outras instituições de ensino privadas. Elas são, cada vez mais, importantes fontes de recursos, atualmente, e deverão se transformar em canais naturais para os cursos de EAD. Nos EUA, muitas universidades que ficam em regiões afastadas e pouco populadas, como em Nevada e Arizona, estão se transformando radicalmente o seu perfil, enfatizando a educação a distância, por motivos óbvios.

Nos paises capitalistas em que deu certo, a EAD é encarada como uma unidade relativamente autônoma dentro da Universidade, com geração de recursos próprios, auto-sustentada, e voltada ao mercado externo (embora possa e deva ser usada para o alunado interno). É um empreendimento caro, com uso de muita tecnologia, demanda por pessoal especializado difícil de achar, e que encontra resistências na estrutura tradicional do ensino, que é voltado muito à classe e às atividades presenciais. Uma das propostas da UNICAMP é justamente constituir um fundo de recursos específico para a EAD dentro da Universidade, ao estilo de outro fundo já existente, o FAEP; assim como um Centro de apoio para facilitar o uso das tecnologias existentes por professores de todas as disciplinas.

Outro obstáculo importante à maior penetração da EAD é o preconceito contra os cursos a distância. Realmente, desde os famigerados cursinhos por correspondência do IUB e do Instituto Monitor, cursos a distância são considerados de baixa qualidade ou simples enganação. Tanto assim que vários Conselhos Regionais, como o de Contabilidade, rejeitam a certificação profissional de pessoas formadas por cursos a distância. Mas essa situação vai mudar, certamente, com a entrada de universidades respeitadas na área.
 

O problema é que "ensino por correspondência" ficou com um mau nome no Brasil, devido às inúmeras arapucas que surgiram no passado, como cursinhos de curta duração, com material totalmente deficiente, oferecidos em massa a um baixo custo, e que não oferecem nada a não ser um diploma, muitas vezes falso. Recentemente, o Conselho Estadual de Educação de SP cassou a autorização de funcionamento de muitas escolas secundárias que ofereciam cursos supletivos a distância, alegando baixa qualidade e desrespeito às normas fixadas para essa modalidade de ensino. O presidiário Gerson, que citei no começo do artigo, vai ficar sem poder fazer um curso formal de contabilidade, por enquanto, pois o Conselho Regional de Contabilistas posicionou-se contra o ensino a distância nessa área.
 
As novas tecnologias, como a Internet, dão um charme novo à EAD, mas os riscos de fraude são os mesmos. Recentemente circulou uma mensagem de correio eletrônico anunciando uma universidade americana a distância, que oferece dezenas de cursos de graduação, mestrado e doutorado, com diploma e tudo, pela módica quantia de 150 reais por mês. Muitas pessoas crédulas e ansiosas por estudar cairão nessa esparrela, que, evidentemente, não faz sentido, pois o MEC não reconhece esses cursos e os diplomas não valem absolutamente nada. Sem falar na apregoada qualidade de ensino, que deve ser bastante baixa, a julgar pelos custos. EAD séria custa caro e é muito trabalhosa, tanto para os professores quanto para os alunos. Por isso a atividade de acreditação e controle dos novos cursos de EAD é essencial.

Transformações na Educação

A universidade é uma das instituições mais estáveis, monolíticas e resistentes à mudança que se conhece. Um levantamento recente feito na Europa, mostrou que apenas duas instituições resistiram intactas e de forma contínua aos últimos 700 ou 800 anos: a Igreja Católica e as universidades !

Realmente, se observarmos bem, a maneira quase feudal com que a universidade funciona não é muito diferente da do tempo de Galileu. Tirando um computador aqui e outro acolá, as aulas continuam sendo dadas da mesma maneira, a estrutura do poder acadêmico pouco mudou, bem como a relação professor-aluno e a destes com o conhecimento.

A grande pergunta é a seguinte: até que ponto esta estrutura e filosofia continuam sendo adequadas ? Devemos realmente mudá-la de forma radical ?

Existe algo no horizonte que mostra que os paradigmas em que a universidade se baseia estão prestes a mudar. Este algo chama-se tecnologia, Internet, educação à distância, e outras coisas que mal conseguimos imaginar, espreitando no futuro. No Brasil, se chama ainda "universidade particular" e a mudança do arcabouço institucional montado pelo MEC para credenciar e avaliar o produto dessa universidade, os profissionais por ela formados.

Que o ensino vai mudar dramaticamente nas próximas décadas com o auxílio da tecnologia, poucos duvidam. Grandes universidades americanas estão se preparando para ministrar uma parcela considerável dos seus cursos através da Internet. O processo de instrução, que até agora é centrado na figura do professor como "válvula e guardião" do conhecimento que é repassado para os seus alunos, está mudando, tocado pelo impacto da tecnologia, para uma maior independência e autonomia do aprendiz (e não mais aluno), centrado na construção do conhecimento por ele próprio. O professor, de tiranete de classe, vai passar a ser o que Lauro de Oliveira Lima, um dos mais preclaros filósofos brasileiros da educação disse muito bem: "o professor não ensina, o professor ajuda o aluno a aprender".

Bonito ! Mas as conseqüências políticas, sociais, econômicas e educacionais de uma mudança radical no modelo da universidade estão sendo encaradas seriamente por poucos, ainda, e essa falha de posicionamento pode atemorizar ainda mais os professores e alunos, que costumam ficar sempre na defensiva em matéria de mudanças reais. Fala-se muito da Internet, infra-estrutura de informática, etc., mas ainda precisamos colocar o "dedo na ferida".

 
A profunda transformação que a nova "sociedade da informação" está trazendo para o ambiente educacional, será baseada, portanto, no uso crescente das tecnologias de telecomunicação e informática aplicadas à educação à distância. Realmente, quando se pensa no que implica a quebra total das barreiras da distância e do tempo para o processo educacional, as possibilidades são impressionantes.
Uma das conseqüências mais revolucionárias disso tudo é que as escolas e as universidades tradicionais perderão o monopólio do ensino. Cada vez mais, os cursos mais interessantes, por serem os mais atuais e afinados com as necessidades imediatas exigidas pelo mercado de trabalho, serão ministrados por entidades fora da universidade. O critério de quem terá sucesso em conseguir "clientes" para seus cursos de educação continuada não será mais o da autoridade educacional, ou de quem os certifica, como hoje. As associações profissionais, em virtude de congregar especialistas respeitados de muitas instituições de ensino e pesquisa, e as empresas, que detêm excelência em alguma área, serão as universidades do futuro na educação profissional.
Um exemplo é suficiente para entender o que está acontecendo. Na área médica, uma das melhores e mais respeitadas escolas de treinamento no uso dos aparelhos de ultra-som para diagnóstico é uma clínica particular, a Sonimage, que foi fundada por uma médica empreendedora e extremamente dinâmica, a Dra. Lucy Kerr. Ela montou o Instituto Kerr de Ensino e Pesquisa, que oferece cerca de três a quatro cursos de ótima qualidade por mês, a maioria custando entre R$ 1.500 a R$ 2.000. Parece ser já uma fonte de renda tão importante que a própria atividade clinica da doutora, tal é o prestígio alcançado por esses cursos!
Outro exemplo: a Sociedade Brasileira de Cardiologia oferece hoje mais cursos (estão programado 64, para o ano que vem) do que a maioria das faculdades de medicina. Um dado importante: esses cursos são válidos para a revalidação do diploma de especialista de cardiologia, que começa a ser obrigatória para todos os cardiologistas brasileiros, a partir do ano que vem. Ao longo de cinco anos, o médico vai ter que acumular 100 pontos referentes aos cursos e atividades profissionais de educação continuada que realizou, para ter direito a renovar o diploma. É uma iniciativa importantíssima, que modifica profundamente as características do mercado de trabalho médico, e que vai dar uma grande chance a todas as empresas, como a da Dra. Lucy, que querem se dedicar ao ensino.
As universidades corporativas são outro bom exemplo. As grandes empresas estão descobrindo que custa muito menos, é muito mais eficiente, e muito mais alinhado com as suas atividades de negócio transformar o treinamento corporativo em uma escola mais formal, que está sendo chamado de "universidade corporativa". Nos EUA, 56% das 500 maiores empresas já fundaram universidades corporativas, e gastam quase 2 bilhões de dólares. No Brasil, empresas como o grupo Algar, um complexo de 21 empresas e 6 mil funcionários, o Bank of Boston, a Xerox, e a Amil, uma das maiores empresas de medicina de grupo, investem pesado em suas universidades. Elas oferecem para seus funcionários uma ampla gama de oportunidades de aprendizado, desde cursos básicos, como liderança e aperfeiçoamento das secretárias, até programas completos de mestrado (MBA). A maioria dos cursos é dada atualmente por convênios com universidades e empresas especializadas, mas cada vez mais os próprios executivos e técnicos da empresa se envolvem como professores, com vantagens óbvias. E a educação à distância surge aqui com uma fortissima ferramenta, ao diminuir os custos e exigir menos horas durante o expediente para dedicação do funcionário, com evidente impacto sobre a produtividade. Dependendo do curso, ele pode ser ministrado 100% à distância, mas é cada vez mais comum uma mescla de ensino presencial e ensino a distância, usada para maximizar os benefícios e diminuir os custos. Na EAD, está provado que pode-se aprender mais, em menor tempo, e mais eficientemente.

Dois conceitos ouvidos recentemente em congressos de educação profissional me impressionaram profundamente. O primeiro deles é que até 2005, as empresas que quiserem continuar competitivas terão que reservar um dia inteiro por semana para o treinamento ou recapacitação de seus empregados. E que até 2010 terão que conceder dois dias inteiros para essa atividade. O outro conceito é que a função principal do gerente será a de um professor, pois, aliando-se a alta mobilidade horizontal e vertical dos funcionários, à necessidade de aperfeiçoamento e aprendizados contínuos, recairá sobre o gerente de nível intermediário a tarefa de educar e re-educar os funcionários do seu setor, principalmente em empresas de base tecnológica.

Continuar a estudar por toda a vida será a marca essencial do profissional do século XXI. E a EAD será sua principal ferramenta. São conceitos provocadores, mas verdadeiros, que nos fazem refletir.

Qual será o impacto dessas estatísticas sobre a educação em geral, e sobre o progresso científico e tecnológico do país ? O crescimento tem sido muito rápido e recente (nos últimos três anos tem ocorrido um crescimento anual de 100 % no número de escolas conectadas à Internet nos EUA), por isso existem poucos dados a respeito. Mas não é difícil imaginar. Escolas que sequer têm bibliotecas, passarão a ter acesso ao inacreditável universo de informação disponível na Internet. Alunos de todos os níveis adquirirão as habilidades e o conhecimento que serão cada vez mais necessários em uma economia moderna e globalizada. A internacionalização do saber e das relações humanas "virtuais" terão um impacto significativo sobre a visão do mundo dessas crianças e jovens, e sobre as nossas metas de progresso e nossos referenciais de qualidade.

O mais importante, no entanto, é que a Internet na escola provocará uma profunda e duradoura revolução nas relações entre o professor e o aluno, pois o dominio dos professores baseado no acesso ao conhecimento será desafiado pela estrutura aberta e interativa da grande rede. Se os professores não entenderem isso, vamos passar por crises no mínimo interessantes dentro da escola…

A preparação para o novo milênio, no que diz respeito à educação, passa obrigatoriamente pela familiaridade de nossos jovens com a informática e a Internet. O único problema é que muitas escolas e professores ainda não perceberam isso. Ou, se perceberam, estão fazendo muito pouca coisa a respeito. Não basta colocar alguns micros na escola, com um acesso precário à Internet. É preciso fazer com que todos os alunos tenham oportunidade de usar o computador quando for necessário, tanto para fins didáticos, quanto para permitir o "aprendizado pela exploração livre", que é a forma que os jovens mais gostam e a que tem melhores resultados. Para democratizar o acesso é preciso ter uma infraestrutura material e humana muito boa, no entanto, e isso custa caro. É preciso treinar também muito bem os professores, que é caro e difícil, principalmente por problemas culturais.

Eternos Estudantes

A velocidade de acumulação do conhecimento neste final do século, acelerada dramaticamente pela Internet, está provocando uma salutar crise em todas as profissões. É só compararmos a situação atual com o que era exigido para ser um bom profissional, no passado. Os sistemas de aprendizado profissional tiveram origem na Idade Média, com os “guilds”. Um construtor de casas, por exemplo, aprendia seu ofício através de um relacionamento direto com o seu professor, outro construtor de casas. Depois que ele aprendia as técnicas fundamentais, praticamente não as mudava, conservando e aplicando esse conhecimento por toda a vida. Raramente existia alguém que tentava mudar ou aperfeiçoar as coisas que tinha aprendido, transmitindo-as assim, de forma estática e quase imutável, por gerações e gerações.

Atualmente, a situação é bem diferente. Um engenheiro ou médico, por exemplo, precisa estudar constantemente, pois o conhecimento em seus campos evolui, cresce e se transforma continuamente, a um ritmo cada vez mais frenético. Conhecimento gera mais conhecimento, em uma acumulação exponencial, e os novos meios de comunicação aumentam enormemente a velocidade de disseminação e de acesso ao mesmo. Para se ter uma idéia, basta examinar as estatísticas de crescimento da Internet: o número de computadores conectado já é de mais de 150 milhões, e dobra a cada ano, assim como o número de usuários. Atualmente, entram na Internet cerca de 1,6 milhões de computadores por mês ! Outra estatística alucinante é a referente ao número de documentos disponíveis publicamente na Internet, seja na forma de “sites” ou de publicações: os últimos dados indicam que o volume de informação está duplicando a cada quatro meses. Atualmente, são mais de 1 bilhão de documentos.

Na medicina, particularmente, a pressão pelo aprendizado contínuo é avassaladora e constante. Nos EUA, o médico é obrigado a demonstrar que estudou e se aperfeiçou regularmente, para fazer jús à renovação de seu título de especialista, o qual não é eterno. Faz sentido, pois se até carteira de motorista a gente tem que renovar, porque o médico, os engenheiros, os advogados, etc., têm licança perpétua para aplicar seus conhecimentos até o fim da vida, sem serem checados uma vez sequer ? A certificação perpétua tinha sentido há 100 ou 200 atrás, quando a obsolescência do conhecimento adquirido na Faculdade era incomparavelmente menor.... Hoje em dia, é uma verdadeira sandice que a sociedade aceite a idéia que os profissionais que exercem funções cruciais, que envolvem vidas humanas, o tecido social e a segurança da população, continuem os mesmos desdes que se formaram.

Os recentes acontecimentos no campo da saúde, como a falsificação dos medicamentos, notícias constantes de erros médicos, a criação indiscriminada de faculdades de medicina, etc., e no campo da engenharia, como a queda de edifícios por erros de engenharia, trouxe à discussão pública o problema sério da competência profissional. A sociedade está pressionando para um rigor maior na concessão de credenciamento profissional, e está sendo necessário um posicionamento mais rigoroso das sociedades e conselhos profissionais, como a Associação Médica Brasileira, a Associação Brasileira de Odontologia, os Conselhos Federais e Regionais de Medicina, Odontologia, Engenharia,  etc.

A AMB já está estudando, através de um Conselho de Educação Médica, a instituição da obrigatoriedade da renovação do título de especialidade médica (ginecologia, pediatria, ortopedia, etc.) a cada cinco anos. Essa renovação se dará através de exames escritos e orais, bem como a comprovação curricular que o profissional se aperfeiçoou nesse período, ou seja, assistiu a cursos de reciclagem, congressos, publicou artigos, etc. Através de um sistema de créditos, proporcionais ao número de horas que dedicou ao auto-aperfeiçoamento (e que já existe há muitos anos nos EUA), o profissional vai poder ser avaliado também para contratação, promoção e recertificação profissional.

Acho essa iniciativa da AMB extremamente louvável. Se der certo, será uma revolução de qualidade na prática médica. Surgirão por todo o país iniciativas destinadas a suprir o mercado de educação médica continuada, que multiplicará de valor. Espero sinceramente que as outras profissões passem a exigir o mesmo de seus profissionais, e que o exemplo dado pelo “provão” seja ampliado pelo MEC para a Medicina e que, finalmente, se torne obrigatório, como é em todos os países europeus. Tirar um diploma em uma faculdade não será mais licença automática para clinicar, e muitas faculdades terão que melhorar a qualidade do ensino, ou poderão ser fechadas. Alguém pode argumentar que isso não aconteceu com as faculdades de direito, que não fecham apesar de terem altas reprovações no exame da OAB. Acontece que segundo estatísticas da AMB, 96,4 % dos médicos formados pelas faculdades brasileiras exercem atividade profissional na área. Portanto, há uma baixissima taxa de desistência do exercício profissional, o que não acontece com os cursos jurídicos.

Obviamente, o corporativismo de muitas dessas profissões será uma barreira séria à correção dos rumos educacionais no país. Mas não é intransponível. A gritaria de protesto corporativista que acompanhou a instituição do “provão” em um primeiro momento está sendo substituída agora pela preocupação dos alunos e das faculdades em aperfeiçoarem a infraestrutura do ensino e o grau de excelência e titulação dos docentes. O Brasil será um novo país, em pouco tempo, se tivermos coragem de levar adiante o processo de avaliação contínua !

Aprendizagem no Varejo

É fascinante observar como a Internet está mudando os paradigmas da educação. Muita gente acha que educação é sinônimo de escola, professor, provas, lista de presença, etc. Mas hoje em dia não é mais (só) isso. Com a Internet, apareceram várias modalidades novas de aprendizado, a maioria delas baseada na auto-instrução, outras no ensino clássico, liderado por um instrutor.
Uma das modalidades de aprendizado on-line que mais cresce é a do treinamento profissional. Nos EUA, estima-se que os gastos totais de treinamento e educação baseada na Web chegarão a um total de 6 bilhões de dólares no ano 2002. Existe atualmente uma quantidade e variedade exorbitantes de ofertas educacionais on-line neste setor. São sites especializados, como Learn2 (www.learn2.com), Blackboard (www.blackboard.com), SmartPlanet (www.smartplanet.com), Click2learn (www.click2learn.com), Headlight (www.headlight.com), TrainingNet (www.trainingnet.com), HungryMinds (www.hungryminds.com), e muitos outros.
 
Mas note bem: não se trata de universidades vrituais, ou seja, a reprodução fiel de uma universidade real no ciberespaço, com todos seus ritos e símbolos culturais. São sites de varejão, mesmo, alguns deles com milhares de cursos, sobre tudo que se possa imaginar. Na área profissional, são temas como computação e redes (os cursos mais procurados), produtividade e crescimento pessoal, habilidades e conhecimentos profissionais nas áreas de negócios, marketing e finanças, saúde e segurança no trabalho, etc. A maioria dos cursos custa muito pouco (5 a 20 dólares) e toma pouco mais de 2 ou 3 horas para completar. Por isso, são de temas muito focalizados e restritos (por exemplo: Como Interpretar o Balanço Anual de uma Empresa)
O mais curioso é que também tem surgido cursos não profissionais em uma infinidade de temas. Exemplo: como fazer um nó na gravata, escrever um currículo, limpar o computador, livrar-se de um ataque de pânico, regar o gramado, montar uma pipa, escolher um seguro para o automóvel. Alguns sites trazem "guias de sobrevivência", com um material mais extenso: dos viajantes, dos pais, da luta contra a dor crônica, da culinária doméstica, das finanças, etc. E mais curioso ainda: alguns dão certificados e até créditos educacionais para esses cursos!

Para participar, é só ter uma conexão à Internet e um computador com o programa de navegação. Realmente, o milênio que se inicia será o do aprendizado constante.

Referências

Endereços na Internet


Sobre o Autor

Renato M.E. Sabbatini [e professor e diretor associado do Núcleo de Informática Biomédica da Universidade Estadual de Campinas,  fundador e presidente do Instituto Edumed para Educação em Medicina e Saúde, e colunista de ciência do Correio Popular, e colunista de informática do Caderno Cosmo. Email: renato@sabbatini.com