Indice de Artigos


 

Planet Hemp e Abuso de Drogas

Renato Sabbatini

Causou grande polêmica a prisão dos músicos de um conjunto nacional chamado "Planet Hemp", por fazerem a apologia do consumo da maconha. Para quem não sabe, "hemp" é a palavra em inglês para cânhamo, uma fibra usada para fazer cordas, que é tirada da mesma planta que fornece as sementes para Cannabis, a maconha. A sigla HEMP também significa "Help End Marijuana Prohibition", ou "Ajude a Acabar com a Proibição da Maconha", e é uma das coisas que esse grupo defende.

Será que a prisão foi mesmo injusta ? Ou a sociedade tem o direito de combater todas as coisas que contribuam para o assustador quadro de consumo de drogas pela juventude, e o aumento da violência urbana que parece acompanhar o mesmo ?

Levantamentos nacionais e internacionais sobre o uso de drogas na adolescência mostram um quadro alarmante. O consumo de drogas entre jovens de 12 a 17 anos cresceu 78% nos Estados Unidos entre 1992 e 1995, segundo o Departamento de Saúde e Serviços Humanos. Quanto ao Brasil, uma enquete do Núcleo de Estudos e Pesquisas em Atenção ao Uso de Drogas constatou que, no Rio de Janeiro, cerca de 10% dos adolescentes de 27 escolas estaduais e municipais fumam maconha regularmente. Outra pesquisa, realizada pelo Centro Brasileiro de Informações sobre Drogas Psicotrópicas (CEBRID/UNIFESP) em dez capitais brasileiras demonstrou que o uso de drogas psicotrópicas atingiu 22,8% dos estudantes de 1º e 2º graus, sendo atualmente de mais de 27 % em São Paulo. O uso de maconha em 1987 entre os estudantes era de 2,8%, passando a 4,5% em 1993. A maconha aparece na 4ª posição entre as substâncias de abuso mais consumidas (o álcool e o tabaco são as campeãs de consumo entre estes estudantes, representando, segundo o CEBRID, 18,6% e 5,3%, respectivamente). Além disso, é cada vez menor a idade inicial de consumo de drogas, atingindo hoje crianças entre 10 a 12 anos, entre famílias de classe baixa e média, e até de idade muito menor, em crianças de rua (98 % consomem alguma droga de abuso, e há crianças de 5 ou 6 anos consumindo).

Acho que me parece extremamente irrefutável o fato de que crianças dessa idade não têm a menor condição de ouvir mensagens libertárias destinadas a jovens de maior idade, capazes de julgar o futuro e decidir autonomamente pelos seus próprios destinos. Na minha opinião, é inteiramente justificável qualquer ação dessa mesma sociedade no sentido de proteger as crianças contra o consumo de qualquer tipo de droga (fumo e álcool, inclusive) e de perseguir criminalmente os que, abusando de sua posição de influência junto a esse público, glorifiquem e tornem aceitável o uso de drogas, fazendo as criancinhas cantar em refrão os seus versinhos aparentemente encantadores.

Os partidários da maconha dizem que ela faz menos mal do que o cigarro. Pois bem, segundo o CEBRID, "os efeitos adversos da maconha continuam aumentando, especialmente em jovens do sexo masculino, conforme atestam números elevados de emergências, tratamento e de ações penais. O maior potencial de prejuízo é parcialmente devido às cêpas mais potentes produzidas por técnicas hidropônicas domésticas; e é também freqüentemente devido à combinação da maconha com outras drogas, tais como o crack ou PCP (fenciclidina), cocaína e alcool. Estas combinações podem estar contribuindo para o aumento dos efeitos adversos".

Mais de 80 % dos usuários de cocaína e de crack são ou foram usuários de outras drogas mais leves, como álcool (a maioria) e maconha, tendo, portanto, subido de patamar na escala do vício. As autoridades que combatem as drogas são unânimes em apontar a existência real desse "efeito dominó". Casos como o de Carlos Ricardo Lopes, um advogado de 39 anos que foi viciado, e que escreveu um livro para orientar os pais, intitulado "Cara a Cara com as Drogas - Guia Prático para Entender e Enfrentar a Complexidade da Dependência", são muito comuns. Ele experimentou maconha aos 12 anos, por influência de um amigo de escola. Aos 15 anos já estava viciado em cocaína. Aos 20 trocou-a pelo álcool, chegando a beber um litro de uísque por dia. Depois voltou à cocaína, e passou por duas overdoses seguidas de internações, quase morrendo, antes de iniciar um tratamento e conseguir se livrar das drogas. Outros não são tão felizes.

Estudos científicos recentemente publicados por pesquisadores sérios (Tanda e Fonseca, ambos em 1997) dão suporte à teoria de que o THC (tetrahidrocanabinol, o princípio ativo da maconha) é o que se chama em jargão médico de uma "gateway drug" (droga de entrada). Essa teoria, elaborada pelos neurocientistas americanos Kandel e Yamaguchi em 1984, postula que as drogas desse tipo (como o THC, o etanol e a nicotina) causam uma estimulação no cérebro, aumentando o nível de um neurotransmissor natural chamado dopamina, nos centros do prazer, numa região chamada sistema límbico. Uma vez que o cérebro do indivíduo esteja familiarizado com essa "inovação", ele passa a ser mais suscetível a usar drogas mais pesadas que estimulam os mesmos receptores de dopamina, como as anfetaminas, os opiáceos e a cocaína. Isso pode levar a um prejuízo sutil dos circuitos de prazer do cérebro, que fica modulado para prejuízos adicionais causados por outras drogas de abuso. Esta é a explicação científica para casos como o de Carlos Ricardo.

A mais assustadora herdeira da maconha é uma forma de cocaína chamada "crack", cujo uso está se disseminando por todas as cidades brasileiras. Ela é descrita pelos especialistas como "a droga mais perigosa conhecida pelo homem" e, junto com a cocaína, está por trás da maioria dos roubos, assaltos e latrocínios nas grandes cidades brasileiras. Agora é a heroína que também está começando a aparecer entre nós, assim como uma mistura chamada "pó da china", que é 6 mil vezes mais potente que a cocaína. O potencial destruidor dessas drogas para a sociedade brasileira é imenso.

Portanto é um absurdo inominável que os "liberais" da nossa sociedade sejam as mesmas pessoas que esbravejam contra o aumento da violência nas cidades, mas que defendem os coitadinhos do Planet Hemp de sua "prisão injusta". É um contrasenso total, pois não percebem que existe uma relação causal direta entre o consumo de drogas pelos jovens, altamente influenciáveis por bandinhas puerís de "rock" como esse tal de Planet Hemp, e os bandidos que assaltam e sequestram as pessoas (e muitas vezes matam) por 50 ou 100 reais, porque estão muito doidos para comprar a próxima dose de droga da qual dependem desesperadamente.

O que uma criança de 10 ou 12 anos pode aprender com os versinhos laudatórios à maconha do Planet Hemp ? Eu digo: pode aprender que é "legal", que não faz mal nenhum, que traz paz e bem estar, que não deveria ser ilegal. Vai perder os bloqueios (criados, ou mais frequentemente, não criados pelos pais e escola) contra o uso de qualquer tipo de droga e provavelmente querer experimentar. Alguns vão iniciar a longa e cruel escalada do vício. Quantas milhares de jovens param de estudar, de se preocupar com o futuro, levam reprovação na escola, e se metem na companhia de marginais, entrando em contato com traficantes e a cultura isolada dos drogados, por causa de um versinho tolo e pretensamente inocente do Planet Hemp ? Quantos roubos, assassinatos, bens e vidas perdidas para sempre por causa da tolerância de uma sociedade irresponsável e hedonista para com os arautos da criminalidade ? Quantos morrerão de AIDS e também matarão outras pessoas (as vezes as mais queridas, como um filho) pela transmissão dessa doença terrível ?

Pensem nisso, caros leitores, antes de sentirem dó dos músicos do Planet Hemp e de outros grupos que têm acesso à cabecinha de nossos jovens. Que tal seria a sua reação se a Xuxa ou a Angélica passassem a defender a maconha em seus programas infantis ? É a mesma coisa. Prisão e censura neles.


 

Publicado em: Jornal Correio Popular, Campinas,.04/12/97

Autor: Email: renato@sabbatini.com
WWW: http://renato.sabbatini.com Jornal: http://www.cpopular.com.br


Copyright © 1997 Correio Popular, Campinas, Brazil