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Clonar gente, pode ?

Renato M.E. Sabbatini

Antes de tudo, gostaria de declarar que sou a favor da clonagem de seres humanos. Esse escândalo que está sendo feito na imprensa, pelos governos e pela religião organizada vai contra o progresso da medicina e contém muitos absurdos e exageros que colocam a genética e as modernas técnicas reprodutivas sob uma ótica desfavorável e sensacionalista que elas absolutamente não merecem. A maioria dos argumentos não é de natureza científica, muito menos ética, mas sim religiosa, o que se deve respeitar como decisão individual, mas não se impor como norma em uma sociedade secularista, arreligiosa, como é a maioria das democracias ocidentais.

A clonagem humana nunca será realizada em massa, como mostram as capas de revistas como a "Isto É" desta semana. Os repórteres e catastrofistas que criam essas quimeras parecem esquecer que para cada embrião clonado é ainda necessária uma mãe para abrigá-lo no útero e levar uma gestação a termo. Nem na ditadura mais delirante poderíamos imaginar um exército forçado de mães escravas, gestando um exército de fetos iguaizinhos. Simplesmente não faz sentido.

Em segundo lugar, como qualquer casal que teve filhos gêmeos sabe, os nossos genes não são tudo. O efeito do desenvolvimento pós-natal, do aprendizado, do ambiente, e até de eventos aleatórios em nossas vidas, são fundamentais para formar uma parte considerável de nossa personalidade e maneira de ser. E essa parte da vida não pode ser clonada ! Portanto, é outro mito e absurdo que vamos poder criar populações inteiras de "super-homens" ou "super-mulheres"... A vida é muito mais complexa do que esses exercícios puerís de ficção científica. Depois de alguns anos, esses seres clonados seriam bastante difererentes uns dos outros, acabando com o plano de seus pretensos criadores.

A clonagem humana (se é que se tornará praticável algum dia, sem riscos, e ser autorizada pelas autoridades da saúde), se feita com critério e controle adequados, pode trazer vários benefícios médicos. Imaginemos, por exemplo, a seguinte situação: um casal tem dois filhos, um normal e saudável, e outro com gravissima doença genética, causada por genes recessivos, que o casal não sabia ser portador. A chance de terem um novo filho com a mesma doença é de 25 %. Nessa situação, apenas duas pessoas totalmente irresponsáveis teriam outro filho, certo ? Pois bem, com esta nova técnica eles poderiam clonar o filho saudável !

Errado ? Anti-ético ? Imoral ? Não acho. Afinal, a natureza realiza milhares de "experimentos" semelhante à clonagem todos os anos, e ninguém acha nada demais. São os gemeos u tornar velho de forma acelerada, contraindo doenças degenerativas ou morrendo aos 20, 30 anos de idade. É possível imaginar alguém querer ter um filho assim, condenado à morte precoce ?

Existem fortes argumentos contra do clonagem humana com os quais eu concordo, evidentemente. Deve ser uma técnica estritamente controlada por parâmetros éticos. Ela já existe, portanto será utilizada. Essa é uma realidade da tecnologia médica. Não há volta possível, pois não existe, na história da medicina, um procedimento potencialmente útil e benéfico que tenha sido suprimido voluntáriamente por muito tempo. Portanto, as possibilidades de abuso devem ser identificadas e regulamentadas, como já ocorre na área de transplantes, de tratamento de doenças por técnicas de engenharia genética e de de reprodução por fertilização "in vitro".

Veja a continuação deste artigo: E clonar bicho, pode?





Publicado em: Jornal Correio Popular, Campinas,.7/3/97

Autor: Email: renato@sabbatini.com

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