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Quando os Medicamentos Matam

Renato Sabbatini

Em 1984, uma moça de 18 anos morreu em um hospital de Nova Iorque, ao ser medicada no pronto-socorro com uma droga chamada meperidina. O que os médicos não sabiam (pois esqueceram de perguntar), é que ela também tomava fenelzina, um medicamento antidepressivo. Através de um efeito conhecido como "interação medicamentosa", um medicamento potencializou violentamente a ação do outro, levando à morte da paciente em poucas horas.

A ocorrência causou uma grande comoção na mídia e levou a um extenso estudo da incidência e da gravidade desse tipo de fenômeno, geralmente causado por negligência de médicos e enfermeiros, ou por desconhecimento. Apesar de muitas medidas terem sido tomadas desde então, os números continuam assustadores. Nos EUA, os efeitos adversos de drogas (também chamado de efeitos colaterais, e que incluem as interações medicamentosas), causam 140 mil mortes por ano, ou 360 mortes por dia. No Brasil, estima-se que seriam cerca de 40 mil mortes por ano. Elas ocorrem em cerca de 7 % das internações hospitalares, e quase 30% das mesmas são evitáveis através de medidas simples, como checar a dosagem, nome e indicação corretos, e se existem interações com medicamentos que o paciente já está tomando. Do total de efeitos adversos evitáveis reportados, cerca de 30% são devidos às interações medicamentosas, mas elas geram quase 50% dos custos.

Estes custos, por sinal, são altissimos. Nos EUA, as doenças e mortes causadas pelos efeitos adversos alcançam os 136 bilhões de dólares por ano, ou quase 12% dos gastos nacionais com saúde, e são mais altos do que o que se gasta com diabetes ou doenças cardiovasculares!

Os efeitos colaterais são definidos como sendo aqueles que não são terapêuticos, ou que causam reações indesejadas ou deletérias, mesmo quando a droga foi receitada adequadamente. Alguns medicamentos têm efeitos adversos bem conhecidos, que fazem parte do risco normal de tomá-los. Por exemplo: todo mundo sabe que os agentes quimioterapêuticos do câncer podem causar efeitos adversos severos, como queda de cabelo, náuseas e vômito, diminuição da resistência às infecções e alterações nas células sangüíneas e plaquetas; mas eles não deixam de ser usados por causa disso, pois a a alternativa a não usar pode ser simplesmente a morte. Como diz o velho ditado, "dos males o menor". Outros medicamentos manifestam efeitos adversos devido à dosagem exagerada ou a reações orgânicas individuais (alergias, por exemplo).

Existem vários tipos de interação entre medicamentos. A interação chamada de antagonística pode causar uma insuficiência no tratamento, quando uma droga diminui o efeito da outra, exarcebando a doença ou impedindo que ela seja curada. Ou então, a ação combinada torna uma droga mais tóxica, e, ás vezes, até letal (efeito agonístico). Existem também interações indesejadas entre certos tipos de medicamentos e alguns alimentos, o que torna o controle ainda mais difícil. A tendência funesta dos brasileiros de se auto-medicarem, e de ignorarem as interações com a nicotina, o álcool e outras drogas de consumo, piora muito a situação em nosso País. Os idosos, pacientes com doenças crônicas e pessoas que têm múltiplos problemas de saúde são os que correm maior risco. Estima-se que existam interações negativas em mais de 20% das receitas com vários medicamentos.

De quem é a responsabilidade pela prevenção dos efeitos adversos causados pela interação medicamentosa? Que medidas podem ser tomadas para previnir a receita de medicamentos com interações potencialmente danosas? Qual é o papel das farmácias, dos médicos e dos pacientes?

No entanto, uma evolução bem interessante é que os próprios pacientes podem começar a se responsabilizar mais pela vigilância em relação a potenciais interações medicamentosas. Atualmente, CD-ROMs e a Internet dispõe de recursos poderosos, que qualquer pessoa pode usar, para checar se existe algo entre os medicamentos que está tomando e os que foram receitadosonsultou. Um dos melhores sites (infelizmente apenas em inglês) é o DrugChecker (www.drugchecker.com). O seu funcionamento é muito simples: digita-se o nome comercial ou genérico dos vários medicamentos receitados, separados por vírgulas, e o programa faz uma listagem, das interações existentes entre eles, classificados em severas, médias e pequenas. Fiz um pequeno experimento com o receituário que um paciente me enviou. Idoso e cardíaco, ele toma 10 medicamentos para controlar seus problemas. Usei o site e levei um susto: o programa relatou três interações severas, 10 interações médias, e 2 interações com alimentos. No entanto, todos os medicamentos prescritos são essenciais para a manutenção de sua saúde. O que fazer? Uma das soluções seria usar o próprio programa para procurar medicamentos substitutivos, com menor risco de interação. Ou então, seguir as recomendações cientificas para monitorar cuidadosamente as substâncias no sangue dos pacientes.

Minha opinião é que se cada consultório médico e farmácia tivesse um programa de computador de interações medicamentosas, diminuiria muitissimo a incidência de mortes e problemas de saúde causadas por elas. Existem livros e tabelas publicadas, pois seria absurdo imaginar que um médico conhecesse de cor as centenas de milhares de interações já descobertas. Mas pouca gente usa os livros, a informática é muito cômoda e rápida.



Publicado em: Jornal Correio Popular, Campinas, 20/7/2001.
Autor: Email: renato@sabbatini.com

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