Indice de Artigos

Quando a verdade não conta

Renato Sabbatini

Bons cientistas e bons políticos sabem que ciência e política não podem ser misturadas. A busca da verdade científica precisa ser totalmente livre de pressões econômicas, sociais e religiosas. Quando isso não acontece, a verdade sai prejudicada, bem como tudo que dela decorre.

Um bom exemplo das colisões e infortúnios que ocorrem quando esses princípios são desrespeitados pela sociedade é o famoso caso dos implantes mamários de silicone, e que recentemente foi objeto de um excelente documentário de TV. Tudo começou no final dos anos 80s, quando uma americana escreveu um artigo em uma revista de grande circulação, denunciando que estaria passando por sérios problemas de saúde, segundo ela decorrentes dos implantes de silicone que tinha feito com um cirurgião plástico de sua cidade. Ela tinha tido câncer de mama e sido submetida à remoção cirúrgica de ambos os seios. Segundo a paciente, depois da cirurgia passou a ter dores no corpo, fadiga crônica e queda da resistência imunológica. Chamado a depor, um clínico que tratava de muitas pacientes que tinham recebido os implantes afirmou, sem qualquer evidência científica mais séria, que esses problemas de saúde realmente estavam ocorrendo com a maioria delas.

O que se seguiu nos EUA (e depois em todo o mundo) foi um verdadeiro massacre contra a verdade científica, ditada pelo sensacionalismo da imprensa, pela busca de indenizações judiciais milionárias, e pela agenda política das feministas radicais.

Inicialmente, a reação de todos foi de descrédito. O silicone é uma substância totalmente inerte do ponto de vista orgânico (sendo, por isso, utilizado nos implantes), e nunca tinha sido reunida qualquer evidência de que ele causasse doenças. No entanto, os relatos de casos semelhantes, estimulados pelo artigo começaram a se avolumar. O clima de histeria aumentou exponencialmente quando a imprensa e a TV começaram a entrevistar essas mulheres, recolhendo relatos episódicos, e a divulgar a opinião de auto-intitulados especialistas, que afirmavam categoricamente toda sorte de hipóteses sobre a causa das supostas doenças. Alguns grupos feministas e de esquerda, sempre prontos a adotar causas politicamente corretas, não demoraram em denunciar a  exploração feroz da imagem das mulheres, que estariam sendo obrigadas a se mutilar e fazer cirurgias desnecessárias, tudo em nome da pressão machista por seios grandes, e da ânsia incontrolável de ganhos dos cirurgiões plá elevaram á cifra de 3 bilhões de dólares, a Dow-Corning foi à falência.

Pior ainda: atemorizadas pelos supostos efeitos deletérios dos implantes, muitissimas mulheres correram aos cirurgiões para que os implantes de seio fossem retirados, causando uma verdadeira tragédia estética, médica e psicológica em muitas delas.

Tudo isso, notem bem, ocorreu antes que qualquer evidência científica fosse obtida de forma sistemática sobre a verdadeira influência do silicone sobre a saúde feminina. Quando isso começou a ocorrer, os resultados foram devastadores. Praticamente todos os estudos sérios falharam em demonstrar qualquer efeito deletério do silicone, tanto em animais quanto em seres humanos. Não havia correlação estatística, por exemplo, entre a presença de sintomas e ter ou não ter feito um implante mamário de silicone. Um picareta, que inventou um teste de sangue para detectar a presença de doença, e que com isso ficou milionário, foi desmentido pelos fatos: o teste deu positivo na grande maioria das mulheres que não tinham feito implantes.

Surpreendemente, o único efeito significativo demonstrado pelas pesquisas foi de que o implante mamário diminuia a incidência de câncer no seio. Ainda não se sabe como isso ocorre, mas parece ter relação com a pressão positiva exercida pelo implante, inflado dentro do seio, sobre a corrente sanguínea. O menor fluxo sanguíneo restringiria o crescimento de tumores.

O efeito placebo, a sugestionabilidade das pessoas, e a associação aleatória e inexistente entre problemas de saúde decorrentes de outras causas e os implantes mamários, podem explicar quase todos, senão todos, os casos que foram indenizados.

De nada adiantou os cientistas protestarem e mostrarem o que a ciência realmente sabia sobre o assunto. Venceu o lobby dos advogados, das feministas e do medo.
 


Publicado em: Jornal Correio Popular, Campinas, 2/6/2000.

Autor: Email: renato@sabbatini.com

WWW: http://www.sabbatini.com/renato
Jornal:http://www.cosmo.com.br


Copyright © 2000 Correio Popular, Campinas, Brazil