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O caso dos embriões congelados

Renato M.E. Sabbatini

A semana passada, as manchetes dos jornais de todo mundo abriram com um fato imensamente sensacionalista, criado pelo avanço da ciência da reprodução humana: o propósito, anunciado pelas autoridades de saúde britânicas, de destruir mais de 6 mil embriões humanos congelados. Criou-se, ao mesmo tempo, um dilema (impossivel de se resolver satisfatoriamente) e um paradoxo (ou ironia, como queiram).

Explicando melhor: com o desenvolvimento das técnicas de fertilização “in vitro” (os famosos “bebês de proveta”), gera-se um número maior do que se necessita de embriões humanos, cada um deles com apenas um dia de idade. Nessa fase do desenvolvimento embrionário, eles são pouco mais do que um aglomerado disforme de células, não se classificando como sendo “seres humanos” na acepção mais estrita da palavra. O médico que realiza a fertilização pára o crescimento embrionário colocando-o em nitrogênio líquido, podendo o embrião ser mantido nessa condição por vários anos. Havendo a necessidade de implantá-lo no útero da receptora que o gestará (não sendo ela necessariamente a mãe genética), o embrião pode ser descongelado. Quanto mais tempo passa entre o congelamento e o descongelamento, maior é o perigo que se produza um aborto ou um feto malformado, por isso a lei inglesa (como a da maioria dos países que já legislaram a respeito) determina que não se utilizem embriões com mais de três anos de congelamento. Deduz-se, portanto, que eles devem ser destruídos, mesmo contra a vontade dos pais, e aqui criou-se toda a confusão.

Do ponto de vista dos religiosos cristãos (anglicanos e católicos, a maioria), a morte desses embriões eqüivale a um genocídio de 6 mil alminhas em potencial, pois consideram que a vida humana é sagrada desde o instante exato da concepção (fertilização do óvulo pelo espermatozóide). Para os médicos, o sacrifício será necessário para evitar problemas futuros, muito sérios, que os podem expor a processos jurídicos e a toda sorte de confusões. Para os juristas, é a lei, e ela deve ser cumprida, sob pena severa. Uma boa saída seria os pais doarem boa parte desses embriões para serem usados por casais inférteis. Aliás, não faltam candidatos. No entanto, a maioria dos pais desses embriões se recusa a fazer essa doação, por motivos facilmente compreensíveis: não querem seus filhos biológicos vivendo e crescendo no ventre de mães desconhecidas. Egoísmo ? É uma questão complexa, sem respostas fáceis, do ponto de vista moral, ético e jurídico.

Tudo isso nos faz refletir sobre como o avanço vertiginoso das ciências biomédicas, principalmente no campo da genética e da reprodução, está levando a situações totalmente novas, que criam enormes conflitos, e que as cortes jurídicas não sabem como resolver. No caso dos embriões, quem tem razão ? A sociedade como um todo, que procura se proteger do caos e da dor causado por milhares de embriões com problemas sérios de malformação ou abortos ? Os pais biológicos, que procuram proteger sua “propriedade” genética e psicológica ? As futuras mães adotivas, que chegam ao extremo de preferir a gestação de um filho que não é seu, a adotar crianças recém nascidas ?

Dilemas...


Publicado em: Jornal Correio Popular, Campinas, 1/8/96
Autor: Email: renato@sabbatini.com

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