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A hora da verdade

Renato M.E. Sabbatini

A hora da verdade está chegando para as companhias de tabaco. Nos Estados Unidos, onde ocorrem os grandes movimentos comunitários e jurídicos que vão influenciar todo o resto do mundo, a indústria de cigarros está acuada. Nada menos do que 22 estados americanos iniciaram processos bilionários contra o que eles chamam Big Tobacco, ou seja, as oito ou dez maiores empresas do mundo, juntamente com seus testas de ferro acadêmicos, que são o Tobacco Institute e o Tobacco Research Institute. Esses dois últimos são acusados de tentar enganar o público americano nos últimos 50 anos, forjando pesquisas mentirosas sobre a inocuidade do fumo, em total contradição aos estudos científicos realizados por centenas e centenas de pesquisadores e universidades.

Hoje em dia, ninguém mais duvida que o fumo seja danoso para a saúde. É o produto de consumo que mais destrói a saúde e as vidas de seus consumidores, bastando apenas que seja usado exatamente da maneira para o qual é produzido. Nos EUA, morrem mais de 400 mil pessoas por ano, diretamente como resultado do hábito de fumar. Uma pessoa que fume um maço de cigarros ou mais por mais de 20 anos tem uma probabilidade de 10 % de contrair um câncer das vias respiratórias, que é um dos mais letais matadores da história da humanidade (90 % dos cancerosos morrem dentro de dois anos, independente do tratamento médico que se faça), e de 45 % de contrair uma doença cardiovascular. Sem falar em enfisema, bronquite crônica, e inúmeros outros tipos de câncer associados ao tabagismo, como o de bexiga. O segundo maior matador, que é o álcool, só exerce sua sinistra função em pessoas que abusam da bebida, ou seja, que tomam quantidades excessivas. Basta ser um fumante moderado, entretanto, para que os riscos já sejam altos. Até mesmo os fumantes de aluguel, como filhos de pais que fumam, também apresentam riscos anormais de contrair diversos tipos de doenças.

Centenas de estudos sérios demonstraram que o cigarro é uma máquina eficientissima de matar, porque: 1) tem nicotina, que é reconhecida hoje como uma potente substância aditiva. É mais fácil largar maconha e cocaína do que a nicotina, e isso cria um hábito difícil de abandonar (cerca de 60 % dos fumantes que largam, voltam a fumar pouco tempo depois); 2) a indústria sabe que o conteúdo da nicotina é essencial para manter as vendas, tanto é que diversas acusações vieram a tona nos últimos anos, mostrando que as empresas aumentaram artificialmente esses níveis em seus produtos. Quase 90 % da nicotina inalada entram na circulação sanguínea em questão de segundos após alcançarem os pulmões; 3) ao inalar a fumaça, o fumante deposita diretamente em seus alvéolos centenas de substâncias carcinogênicas (causadoras de câncer), assim como resíduos de pesticidas, fibras de asbesto e resíduos de papel e fumo queimado (carbono), que nunca mais são removidos dos pulmões. A nicotina tem, ainda, diversos efeitos deletérios sobre as artérias coronárias e o coração, o que faz com que um fumante tenha riscos de 100 a 300 Koop, de ordenar a colocação de avisos nos maços de cigarros e na propaganda (o que foi imitado em muitos países, inclusive no Brasil), teve grande impacto inicial, mas logo se tornou tão comum que não funciona mais como deterrente.

Enquanto os processos juridicos contra as empresas de tabaco se limitavam a viúvas e filhos de pessoas que tinham morrido em virtude do tabagismo, a indústria ganhou todos (mais de 80 foram movidos nos últimos anos). Os grupos antifumo americanos aprenderam essa lição, e a novidade agora é a onda de processos movidos pelas secretarias de saúde dos estados americanos. Elas querem um reembolso das despesas médicas feitas pelos estados nos últimos 10 anos, com doentes tabagistas (calcula-se que o fumo e o álccol custam cerca de 250 bilhões de dólares por ano em tratamentos médicos e horas de trabalho perdidas !). A Califórnia pediu 10 bilhões de dólares de indenização, o Texas, 4 bilhões, e assim por diante. No total são mais de 100 bilhões de dólares, que, se forem concedidos, quebrarão a indústria do fumo, sem necessidade de legislação mais restritiva e ineficaz, como simplesmente proibir a produção de cigarros. Um grupo de advogados de alto nível, baseados no Wilmington Institute, em Dallas, assessora os processos jurídicos, e mantém uma central de estudos e informações (tem até endereço na Internet: http://www.tobacco-litigation.com).

O nome do jogo, evidentemente, são os altissimos honorários que eles vão faturar com esses processos. Mas isso não é importante. O importante é que nós, brasileiros, também precisamos iniciar um movimento desses. O Brasil é um dos poucos países onde as campanhas antitabagistas têm tido pouco efeito, e onde o consumo entre os jovens está em plena ascenção. É um verdadeiro massacre, que precisa terminar, com uma ação punitiva drástica da sociedade contra os fabricantes da morte.


Publicado em: Jornal Correio Popular, Campinas, 12/12/96

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