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A Classe Virtual

 

Renato Sabbatini

 


Existem coisas para as quais o mundo eletrônico não oferece substitutos à altura. Uma delas é o gostoso bate-papo com os colegas de faculdade, no intervalo ou na “happy-hour” depois das aulas. Uma aula prática, trabalhando em um laboratório, lado a lado com o professor, também nunca poderá ser realizada de forma virtual.

Mas praticamente todas as outras atividades instrucionais de uma universidade ou curso livre hoje já podem ser realizadas através da Internet. Entre elas:

Aulas teóricas são notoriamente ineficientes e chatas, como meio de transmissão de conhecimento. É muito melhor colocar todo o material de leitura para os estudantes em um servidor on-line, inclusive os slides (a nova versão do Microsoft PowerPoint permite gerar automaticamente todas as páginas em HTML, imagens e botões de navegação necessários para montar um show de slides na Internet). Caso necessário, arquivos de voz e de vídeo gravados, ou textos explicativos, podem acompanhar os livros multimídia, artigos e shows de slides disponíveis;

A interação com o professor, na forma de perguntas, tira-dúvidas, etc., podem ser resolvidas via correio eletrônico. A vantagem é que as perguntas e respostas podem ser publicadas num FAQ (“Frequently Asked Questions”) do curso, para todos os demais alunos consultarem, de forma cumulativa através dos anos;

Uma aula em classe, ou seminário de discussão, podem ser realizados através do famoso “chat” (um recurso de software que permite o diálogo on-line entre várias pessoas, ao mesmo tempo). Existem programas, como o mIRC (que utiliza o protocolo básico de chat da Internet, chamado Internet Relay Chat) ou bate-papos que funcionam embutidos em home-pages da WWW, como o conhecido Universo On-Line, ou do próprio CorreioNet, e são muito fáceis de usar. No “chat”, as pessoas são identificadas ao “entrarem” na sala virtual, e podem dirigir questões, fazer comentários, etc. O professor pode dar uma aula, mandar textos, software, imagens, e outros recursos instrucionais. O problema é que o chat comum não foi feito para isso, e dificulta para o professor o controle da classe, como acontece em uma situação real (“chamar” o aluno à louza, alunos pedirem permissão para falar, controle de “conversas paralelas”, etc.). Assim, recomendo a utilização de chats específicos para sala de aula, como o FirstClass, usado por muitas universidades que estão oferecendo cursos à distância, como a Open University, da Inglaterra (www.open.ac.uk).

À medida em que a capacidade e a velocidade da rede Internet vai crescendo, se tornarão cada vez mais comuns os “chats” de vídeo e de áudio (ou dos dois combinados), permitindo uma verdadeira videoconferência através da Internet. Para aplicações deste tipo, o software CUSeeMe, desenvolvido pela Universidade de Cornell, nos EUA, é um dos mais usados. É necessário colocar uma câmara de vídeo e um microfone em cada estação de trabalho, e o CUSeeMe transmite imagens dinâmicas e sons, permitindo que várias pessoas se vejam e se ouçam simultaneamente. Faculdades de Medicina, como a de Buenos Aires, já estão utilizando o CUSeeMe para fazer teleconferências médicas, discussão de casos clínicos, etc (aplicações em telemedicina). O leitor poderá encontrar vários programas gratuitos (sharewares) de chat de texto, áudio e vídeo na Internet, no site TUCOWS (www.tucows.com).

A transmissão de aulas ao vivo via Internet também será possível com a implementação de protocolos que facilitem o chamado “broadcasting” (emissão de uma fonte para muitas). O mais conhecido, chamado de “multicasting” (MBONE), está sendo considerado por vários grandes provedores de informação da Internet, para adoção no ano que vem.

 Existem muitas variantes de interação através da rede que podem ser usadas pelos professores e alunos para dar suporte ao ensino à distância. Aliás, o termo "classe virtual" tem sido aplicado a praticamente todas os tipos de aplicações da Internet, desde um simples correio eletrônico, até ao mais sofisticado sistema de videoconferência interativa e em tempo real.

 Mas o que faz a Internet ser revolucionária na educação não é propriamente a replicação ou imitação "eletrônica" de modelos consagrados há séculos como sendo de valor no processo educacional, como o livro didático, a sala de aulas, o professor, os exercícios, o dever de casa, as provas. É outra coisa: é o acesso praticamente instantâneo do professor e do aluno a um vastissimo repositório de informação, em nível planetário, que permite explorar novas formas de aprendizado autônomo, que nossas paupérrimas bibliotecas escolares jamais permitiriam. E tudo isso a um custo ridiculamente baixo.

 Vou dar um exemplo. Um dos sites de "escola virtual" mais interessantes pode ser encontrado em http://www.vschool.com. Em um dos projetos, são propostas questões para pesquisa e reflexão, para alunos de escolas secundárias de qualquer parte do mundo. As melhores respostas são colocadas numa "Galeria da Fama", e o professor do aluno que respondeu é contatado e comunicado sobre a resposta. A riqueza das perguntas e das respostas é fabulosa. Vejam, por exemplo, a seguinte:

 "Um grupo de pesquisadores britânicos anunciou recentemente ter conseguido clonar uma ovelha adulta, e isso traz à tona uma questão científica antiga. Só porque os cientistas podem fazer algo, isso significa que eles devem fazê-lo ? Nós gostariamos de saber a opinião de vocês, como jovens cientistas: nós deveríamos continuar a fazer pesquisas sobre clonagem ? Se continuarmos, onde devemos colocar os limites ? Será que os benefícios suplantam as conseqüências éticas ?"

 Notem que os alunos que participam deste projeto estão na sétima ou oitava série ! O site indica um artigo que saiu na CNN On-Line ((http://CNN.com/TECH/9702/24/cloned.sheep/index.html) em fevereiro de 1997, contendo um ótimo tratamento sobre esse assunto, inclusive entrevistas sonoras com o diretor do Instituto Rosslin, onde foi feita a clonagem, um professor americano de bioética e um empresário da área de tecnologia, e muitos links para outros pontos da Internet, como informações sobre o Instituto, seus pesquisadores e outros artigos e opiniões abalizados sobre ética, filosofia, religião, propriedades intelectuais sobre animais clonados, etc. Um verdadeiro e profundo curso sobre o assunto, que se pode ler todo em menos de uma hora.

 As respostas escolhidas são surpreendentes. Um menino do primeiro colegial, Jack Wheeler, de uma cidadezinha do interior dos EUA, escreveu um ensaio de enorme profundidade e sabedoria, explicando todas as implicações e conseqüências da clonagem. Seu artigo poderia figurar com honra no Correio Popular ! Através do correio eletrônico e outros meios, garotos e garotas de todo o mundo puderam participar de um debate que complementa de forma maravilhosa as atividades de classe.

 Outros problemas propostos não dão dicas, na forma de endereços já conhecidos na Internet. Ao contrário, o aluno terá que fazer uma pesquisa, usando o mecanismo de busca Lycos (http://www.lycos.com), e dar a resposta, assim como os endereços que consultou. É uma excelente maneira de tornar o aluno um aprendiz independente do professor.

 Agora imaginem só se os professores dessa meninada esperta não tiverem acesso à Internet nos próximos meses ou anos, e não conseguirem acompanhar a profundidade do conhecimento de seus alunos... O que acontecerá com a escola ? O leitor está convidado a me responder para o email sabbatin@nib.unicamp.br.

Os próximos anos prometem ser revolucionários para o ensino pela Internet,.


 

Publicado em: Jornal Correio Popular, Campinas, 16/9/97.

Autor: Email: sabbatin@nib.unicamp.br
WWW: http://home.nib.unicamp.br/~sabbatin Jornal: http://www.cpopular.com.br


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