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Crianças e computadores

 

Renato Sabbatini

O filho de um colega tem pouco mais de dois anos de idade. Fala pouca coisa ainda, mas já sabe que "boy" é menino, e "girl" é menina. Sabe usar o teclado e reconhece as principais letras e números. Liga sozinho o computador, escolhe e coloca o CD-ROM no drive, e aciona o game que gosta de usar. Sabe o que é Internet e pede sempre para o pai ou a mãe mostrarem desenhos e animações interessantes na rede.
Precoce? De jeito nenhum. Crianças em idade pré-escolar que sabem usar computador como gente grande são cada vez mais comuns, e o resultado imediato da penetração dos computadores e da Internet no ambiente doméstico. Se papai ou mamãe gostam e usam bastante, é quase que automática a atratividade para a criança, com sua curiosidade natural. A natureza interativa do computador torna-o um brinquedo simplesmente irresistível para uma criança: até mesmo bebês de um ano de idade gostam de pressionar uma tecla e ver o resultado na tela, como resultado direto de suas ações.

A grande pergunta é se isso faz bem ou mal. Os especialistas estão divididos. O grande psicólogo suiço Jean Piaget descobriu em seus estudos que as crianças têm um desenvolvimento cognitivo bem ordenado e predizível. Poucas coisas podem ser feitas para acelerar esse desenvolvimento mais rapidamente do que permitem os limites biológicos do desenvolvimento cerebral infantil.

Piaget não chegou a pesquisar se ocorre algum dano se esses limites forem ultrapassados, mas muitos psicólogos acham que sim, recomendando cautela aos pais. Por outro lado, existem sempre os que se posicionam no campo oposto, afirmando que o desenvolvimento acelerado só pode fazer bem, recomendando um regime de aprendizado precoce da leitura, da música, das habilidades manuais, esportes, etc. Conseguiram demonstrar, como o fez Seymour Papert, o famoso inventor da linguagem LOGO, que alguns marcos piagetianos do desenvolvimento podem ser antecipados com o uso do computador.

Em outras palavras, o computador é uma ferramenta extraordinária para auxiliar esse desenvolvimento precoce. Nesse passo, como gosta de dizer Andrew Lippman, os adolescentes dominarão o mundo dos negócios da informática.

Ao meu ver, a polêmica se o computador traz ou não benefícios não tem sentido. O que precisamos é entender quais são as atividades baseadas em computador, e em que quantidade e tempo adequado, trazem benefícios, e quais devem ser evitadas. Achar que o computador tem algum poder, por si só, de trazer coisas boas ou más, é uma outra forma de endeusá-lo ou demonizá-lo. Se fosse assim, assistir TV, brincar com bonecas, ou fazer esportes também seriam danosos. O computador é apenas uma ferramenta genérica de acesso e manipulação de informação. Como tudo em educação infantil (e, aliás, em qualquer coisa na vida), excesso sempre faz mal. No começo, quando uma criança é exposta pela primeira vez a um computador e aprende a usá-lo, a fascinação, a curiosidade e a satisfação trazida pela possibilidade de controlá-lo, promovem uma certa obsessão e uso excessivo, que são naturais. Mas, como crianças pequenas conseguem manter a atenção em uma coisa só por um tempo muito mais curto do que crianças maiores, elas logo ficam entediadas e passam a fazer outras coisas.

Se os pais perceberem que a obsessão e a concentração estão anormalmente grandes, devem apenas tentar desviar gentilmente as atividades da criança para outras coisas. Em crianças maiores, as vezes isso tem que ser feito forçosamente, através da imposição de uma disciplina (como, por exemplo, a limitação do número de horas que elas se dedicam a jogar videogames).

Outra coisa que pode ser feita é tentar utilizar o potencial do computador para o aprendizado de habilidades sensoriais, motoras e cognitivas interessantes, como aprender a ler mais cedo, trabalhar com conceitos abstratos, melhorar a coordenação motora e estimular o interesse precoce e o amor pelo conhecimento. Para isso existem muitos softwares e sites na Internet com excelentes recursos, que aliam a diversão ao aprendizado. Todo pai consciente precisa conhecê-los e saber utilizá-los.



Renato M.E. Sabbatini é professor e diretor associado do Núcleo de Informática Biomédica da Universidade Estadual de Campinas, colunista de ciência do Correio Popular, e colunista de informática do Caderno Cosmo. Email: sabbatin@nib.unicamp.br

Veja também: Índice de todos os artigos anteriores de Informática do Dr. Sabbatini no Correio Popular.



Publicado em: Jornal Correio Popular, Campinas, 18/8/2000 e 25/8/2000 .
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