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Comunidades Virtuais

Renato Sabbatini

Segundo o dicionário, revolução é uma mudança drástica e abrangente em um regime ou estado de coisas. Significa também uma sublevação da ordem, uma convulsão, uma reviravolta. Pois bem, pouca gente duvida que a Internet seja uma revolução no sentido exato dessa definição, como poucas existiram na história da humanidade. Os motivos? Muitos, mas o principal é que, pela primeira vez na história, é possível o processo social a distância, de forma tão espontânea e com os mesmos formatos que na interação social tradicional. Além disso, a Internet trouxe novas formas de interação social, que surgiram em função da tecnologia.

A Internet é uma forma de conectar indivíduos, da mesma forma que o telefone. Ela favorece, então, o surgimento de comunidades virtuais, que são grupos de indivíduos que realizam atividades sociais e se intercomunicam assiduamente a distância, motivados por interesses comuns. Como qualquer mini-sociedade, uma comunidade virtual também evolui continuamente, de forma dinâmica, e adota espontaneamente estilos, normas e éticas próprias de interação social convencional.

As redes de computadores como a Internet permitem a formação de comunidades virtuais através de ferramentas de comunicação bidirecional síncronas e assíncronas, como email, listas de discussão, newsgroups, webforuns e "chats" de texto, áudio e vídeo. No passado existiram várias comunidades virtuais baseadas em tecnologias de rede. A primeira delas, como tive oportunidade de descrever em meu artigo "A grande máquina social", sobre a "Internet vitoriana", aqui no Cosmo, foi a dos telegrafistas, que surgiu no século XIX. Era uma comunidade em todos os sentidos: existiam redes virtuais de amigos, "panelas", fofocas, divulgação de notícias, encontros virtuais, e até casamentos entre operadores foram celebrados via telégrafo.

Na década dos 80s, quando surgiram as primeiras redes de computadores, como a ARPANet (precursora da Internet), e as redes de acesso discado, como The Well, surgiu uma novíssima comunidade, que começou pequena, mas logo começou a se espalhar com grande rapidez, graças aos microcomputadores e aos surgimento dos primeiros modems de baixo custo (em 1979, um modem para microcomputador, com 300 Kbps de velocidade, custava mais de 2 mil dólares! Esse preço baixou para 300 ou 400 dólares uns cinco anos depois). Foi a vez, então, do aparecimento dos famosos BBS (Bulletin Board Systems), que cresceram muito no início da década dos 90, antes da chegada da Internet comercial no Brasil. Eu mesmo fui dono de um BBS, voltado para a área médica.

Os BBS continuaram vivos até serem substituídos por novas tecnologias de redes, como a Bitnet (rede de email e listas de discussão), a Usenet (rede de notícias on-line), a Compuserve e a Prodigy (operadoras comerciais de redes discadas, e que foram as primeiras a atingir a marca dos milhões de usuários nos EUA), etc. A Internet, e especialmente a Web (WWW), acabaram por absorver todas essas iniciativas e incorporá-las na sua galáxia de acesso

Um excelente exemplo de como se forma um comunidade virtual ocorre na área da saúde. A Usenet, que utiliza uma hierarquia de grupos de discussão (newsgroups), tem uma que se chama alt.support. São grupos espontâneos, virtuais, formados geralmente por pacientes, parentes de pacientes e profissionais de saúde interessados em uma doença específica, e sobre a qual buscam apoio e informação na rede. Assim, existem grupos como alt.support.aids, alt.support.cancer, alt.support.depression, etc. Essas pessoas formam verdadeiras redes sociais de ajuda mútua através de murais eletrônicos, e que acabam muitas vezes em grande envolvimento pessoal e social.

Os "chats", outro impressionante fenômeno social da rede, é bem conhecido (basta visitar por algumas horas as dezenas de "salas virtuais" de bate-papo, abertas em portais como Cosmo On-Line (www.cosmo.com.br). A própria tecnologia facilita a formação de grupos sociais homogêneos, ao permitir a pré-classificação do usuário em grupos de idade (adolescentes, adultos, etc.) e de interesse (por exemplo, paquera, românticos, sexo, etc.). Portais verticais, como os da área da saúde, também criam "chats" altamente específicos, como o da Sociedade de Cardiologia do Estado de São Paulo (SOCESP), que opera em conjunto com a UNICAMP uma discussão virtual entre cardiologistas há quase dois anos, todas as primeiras segundas-feiras do mês.

A grande pergunta é se a interação social via Internet vai substituir em grande parte as formas convencionais. Um estudo na Califórnia (mas que logo foi considerado "furado" por cientistas sérios) mostrou que isso pode estar acontecendo. Eu não tenho dúvidas que vai.

Para Saber Mais




Renato M.E. Sabbatini é professor e diretor associado do Núcleo de Informática Biomédica da Universidade Estadual de Campinas, colunista de ciência do Correio Popular, e colunista de informática do Caderno Cosmo. Email: sabbatin@nib.unicamp.br

Veja também: Índice de todos os artigos anteriores de Informática do Dr. Sabbatini no Correio Popular.



Publicado em: Jornal Correio Popular, Campinas, 16/6/2000 e 23/6/2000 .
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