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Inteligentes, (ainda) não

Renato M.E. Sabbatini

Quando os computadores começaram a ficar mais poderosos do que uma “máquina de calcular metida a besta” (como disse um importante matemático no começo dos anos 60s), começaram também as preocupações dos filósofos com respeito à possibilidade do surgimento de uma inteligência artificial, ou seja, de uma máquina capaz de ter um intelecto semelhante ou superior ao do ser humano....

O cientista inglês Alan Turing, um dos responsáveis pela invenção de um computador para quebrar o código secreto dos militares alemães durante a II Guerra Mundial, foi talvez o primeiro intelectual importante a se preocupar com esses problemas. O primeiro passo para atingir a inteligência artificial, ensinava ele, é sermos capazes de determinar com uma certeza razoável se uma máquina é tão inteligente quanto um ser humano. Isso, em si, já é uma tarefa bastante difícil, se não impossível, pois nós não sabemos exatamente o que é inteligência. Por exemplo, existem hoje computadores capazes de derrotar o campeão mundial de xadrez em uma partida. Isso os torna inteligentes ? Ou computadores capazes de solucionar corretamente um sistema de milhares de equações matemáticas, necessárias para enviar uma sonda ao planeta Júpiter. Isso os torna melhores do que o ser humano ?

Turing propôs um teste aparentemente simples para isso (e que acabou levando o seu nome): coloquem em duas salas separadas um ser humano inteligente e um computador, de tal forma que um possa dialogar com o outro em linguagem natural (por exemplo, em inglês) sobre assuntos de qualquer natureza. Se o ser humano, sem saber o que (ou quem) estiver do outro lado, não conseguir, após um tempo finito razoável, determinar se o seu interlocutor é realmente um ser humano ou uma máquina, então poderemos declarar que a máquina realmente é inteligente. Existem, é claro, inúmeras dificuldades em se aceitar a validade desse teste (uma delas: muitos seres humanos provavelmente não passariam nele !), e vários filósofos e cientistas de computação propuseram alternativas mais complexas. No entanto, a simplicidade do teste e a sua validade, digamos, intuitiva, ainda o tornam a melhor referência.

Embora tenha sido uma proposição teórica, o teste de Turing tem sido realizado regularmente ao longo da última década, em concursos interessantíssimos. De início, devo dizer, para maior tranqüilidade do leitor que se sente (com razão) superior a qualquer máquina no quesito inteligência geral, que até hoje nenhum computador ou programa de computador chegou perto de passar no teste. O que nos deixa, talvez, mais aliviados, mas, ao mesmo tempo, esperançosos (todo cientista que trabalha em Inteligência Artificial é bem esperançoso) que um dia, miraculosamente, algum juiz do concurso declare que, finalmente, as máquinas pensam ! Num dos testes que foram publicados por revistas especializadas, deu para ver que os cientistas estão fazendo programas cada vez mais sofisticados, e que em alguns testes, chegou a haver uma certa dúvida dos juizes. Isso é uma novidade (nos anos anteriores, os computadores eram “derrubados” depois de alguns minutos). Para tornar o teste possível, houve uma modificação que, evidentemente, estraga totalmente o espírito original do teste de Turing: permitiu-se a competição de “inteligências especializadas”, ou seja, de programas especialistas profundos em algum assunto. Um deles, por exemplo, sabia tudo sobre a obra do poeta e dramaturgo inglês William Shakespeare. O juiz humano era também um especialista nessa área, e ambos “conversavam” aleatoriamente sobre isso. O diálogo resultante, gravado, é realmente impressionante... O programa de computador era capaz de discorrer livremente, argumentar, tecer considerações abstratas, sumarizar, propor idéias, etc., se comportando como um crítico altamente intelectualizado e um profundo conhecedor da obra de Shakespeare. Mesmo assim, o juiz humano não demorou mais do que uns quinze minutos para anunciar que seu interlocutor era uma máquina..,

A possibilidade de que algum dia no futuro os computadores sejam capazes de pensar é objeto de debates ferozes na comunidade de filósofos dedicados a essas coisas. A maioria deles prefere acreditar (mas isso é só um ato de fé...) de que isso nunca será possível. Mas será ?


Publicado em: Jornal Correio Popular, Campinas,
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