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Redes que Salvam

Renato M.E. Sabbatini

Um sistema de saúde pode ser, apropriadamente, comparado a uma rede. No Brasil, por sinal, este termo é utilizado há bastante tempo para caracterizar um conjunto uniforme de provedores de serviços medico-assistenciais (por exemplo, a rede de serviços públicos de saúde de Campinas). Nada mais natural, portanto, que as redes de computadores estejam encontrado aplicações extremamente interessantes nesta área. É um casamento ideal, e cheio de vantagens, como veremos a seguir.

As redes de computadores são revolucionarias em Medicina, pois permitem a transmissão não só de textos, mas também de imagens e sinais, como tomografias, ultrassonografias, ECG, EEG, etc. Assim, uma de suas principais aplicações tem sido a telemedicina, ou seja, a possibilidade de dois ou mais médicos trabalharem no caso de um paciente, distantes geograficamente uns dos outros (e aqui não importa a distância e nem a localização, a qual, atualmente, pode ser em qualquer lugar do mundo), tendo toda a informação necessária para a decisão. E este mundo já está ficando ao alcance dos médicos brasileiros, de modo que está na hora de se atualizar tecnicamente e conhecer suas possibilidades médicas e comerciais.

Um exemplo criativo do uso de redes como a Internet na área de assistência medico-hospitalar é a UTI de Neurocirurgia do Centro Medico da Universidade da Califórnia em Los Angeles, que visitei recentemente. Há bastante tempo, essa UTI é totalmente informatizada, de forma que toda a monitorização de sinais vitais dos pacientes lá internados, é realizada, captada e armazenada em uma rede local de computadores. Assim, ao lado de cada leito da UTI existe uma estação computadorizada de trabalho, através da qual os profissionais que prestam atendimento aos pacientes podem fornecer e utilizar informações dos mais variados tipos (imagens, sinais, prontuário medico, prescrições medicas, anotações de enfermagem, diagnósticos e condutas, etc.). O passo seguinte dessa informatização foi colocar esses dados a disposição dos médicos, para acesso externo. Assim, um neurocirurgião ou neurologista clinico credenciado pelo sistema (ou seja, que tem uma senha de acesso) pode entrar, via Internet, de qualquer lugar do mundo, no computador da UCLA. Usando o programa NetScape, ele pode visualizar em seu computador (que pode ser um notebook colorido, com telefone celular !) um mapa da UTI, com desenhos dos leitos, e os nomes dos pacientes internados, escritos em cada leito. Selecionando um desses leitos, aparece na tela, quase que imediatamente, o prontuário resumido do paciente, as ultimas anotações de enfermagem, prescrições, resultados de gasometria e hemodinamica, etc., bem como os gráficos de monitorização de EEG, ECG, respiração, temperatura, etc., nas ultimas 24 horas, minuto a minuto, inclusive o ultimo minuto registrado ! Em seguida, se o médico que cuida do caso deseja se comunicar com os residentes ou enfermeiras presentes na UTI, o NetScape abre uma "janela" na tela para que o medico envie um correio eletrónico com suas ultimas orientações ou questões. Parece coisa de ficção cientifica, mas funciona de verdade, e é até bem fácil de implementar, inclusive para a realidade brasileira.

A utilidade das redes de computadores em Saúde torna-se cada vez mais aparente, em uma serie de aplicações inovadoras. Novos tipos de sistemas de saúde, radicalmente diferentes dos que existem atualmente, deverão sua existência exclusivamente ao uso de redes. Por exemplo, nos EUA, está se tornando cada vez mais disseminado um modelo de assistência baseado na comunidade, ou seja, organizado e constituído por consórcios dos provedores de serviços de saúde em uma determinada cidade ou região; independentemente de sua filiação ou status. Isso traz grandes vantagens para a redução de custos, e para a racionalização da assistência medica, sem necessidade de se padronizar, socializar, estatizar, prejudicar a livre concorrência entre provedores ou a livre escolha pelos consumidores. Só para citar duas vantagens: a unificação dos cadastros de pacientes, e a redução da duplicação de exames especializados. Pois bem, esses consórcios comunitários só são possíveis através do uso maciço e extenso de redes de computadores, que interligam os sistemas computadorizados de todos os parceiros do consórcio, desde os agentes pagadores (seguros-saude, etc.) até os provedores de serviço, órgãos governamentais, empresas fornecedoras, bancos, etc. Surgiram, então as chamadas CHINs (do inglês, Community Health Information Network, ou Rede Comunitária de Informação em Saúde). Dezenas de empresas de informática já' se organizaram para fornecer sistemas completos para CHINs, e um grande mercado está se configurando, com uma taxa de crescimento espantosa.

Segundo os especialistas em computação, as redes de computadores são um "animal" totalmente diferente no novo "zoológico" de tecnologias digitais. O seu potencial transformador da sociedade é imenso, e ainda não completamente avaliado ou previsto. A Medicina não escapará a influencia onipresente deste novo recurso, e as conseqüências serão extraordinárias, tanto para a forma com se pratica a Medicina, quanto para a qualidade dos serviços prestados.


Publicado em: Jornal Correio Popular, Caderno de Informática, 29/8/95, Campinas
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