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Censura na rede

Renato M.E. Sabbatini

Uma das características fundamentais da Internet, a rede mundial de computadores, é a sua liberdade quase anárquica, não no mau sentido da palavra, mas sim de acordo com a etimologia original, ou seja, algo sem governo.

Embora a Internet seja semi-anárquica quanto ao conteúdo da informação, ela não é descontrolada quanto à operação. Existem vários mecanismos de controle internos e externos, sem os quais provavelmente a rede perderia seus objetivos, que é o de facilitar a intercomunicação entre pessoas e o acesso à informação em nível mundial. Um desses controles informais é chamado de "netiquette", ou seja, uma espécie de guia de boas maneiras da rede. Por exemplo, não se deve brigar e xingar pela rede (o que os usuários chamam de "flaming", ou inflamar uma discussão). Se isso acontecer em um fórum de discussão, por exemplo, o moderador da lista pode suspender a assinatura dos infratores. Muitos grupos de notícias e de discussão têm regras específicas de conduta, que são publicados em documentos chamados FAQs (Frequently Asked Questions, ou questões comuns), até mesmo quando o assunto é pornográfico ou bizarro. Aliás, a Internet está lotada de grupos desse tipo, tais como alt.sex.bizarre. Como a rede é um retrato do mundo, ela também tem o seu baixo-mundo, a sua boca-do-lixo. Recentemente, por exemplo, a Scotland Yard prendeu um professor inglês que oferecia um repositório de imagens de pornografia infantil, através da conexão à sua universidade ! Outro usuário, um estudante americano, revoltou até mesmo os calejados leitores do grupo alt.sex.rape com doentias e imaginárias descrições de estupros violentos seguidos de mutilação e morte (nesse grupo, para se ter uma idéia, alguém publicou recentemente uma lista das melhores cenas de estupro que podem ser vistas em filmes "normais" e pornográficos). Outros endereços da Internet escondem informação perigosa ou anti-social, como, por exemplo, receitas de bombas de alta potência, como a que destruiu o prédio do governo em Oklahoma, ou grupos de discussão neonazista, antisemita, da Klu-Klux-Klan, etc.

Uma vez tendo-se acesso à Internet, praticamente não existem mais barreiras quanto ao tipo de informação que se pode conseguir, e isso vale também para crianças. Os eficientíssimos mecanismos de busca e navegação da Internet, que a meninada aprende rapidinho como usar, ajuda a achar qualquer assunto, em questão de minutos. Isso é particularmente preocupante nos EUA, porque está sendo feito um esforço muito grande para colocar acesso à Internet em todas as escolas do país, e para incentivar os estudantes a utilizar esta gigantesca "biblioteca eletrônica". Em conseqüência, o Congresso americano, que é majoritariamente republicano e conservador, resolveu botar uma rolha no fluxo de material que eles consideram questionável na Internet. O Senador Jim Exon, do Nebraska, propôs a Lei de Decência nas Telecomunicações, no bojo de uma grande reforma da legislação relativa às telecomunicações, a maior dos últimos 60 anos nos EUA. Segundo essa lei, será crime federal, punível com 100 mil dólares de multa e dois anos de prisão, transmitir imagens, correio eletrônico, arquivos de texto e outras formas de comunicação digital que sejam "obscenas, lascivas, sujas ou indecentes", segundo o texto da proposta.

É desnecessário dizer que a proposta de Exon está sendo o epicentro de uma enorme polêmica, e está sob o ataque cerrado de dezenas de grupos defensores dos direitos constitucionais, que garantem a liberdade da expressão. Seguramente a lei será declarada inconstitucional pela Corte Suprema, pois é muito difícil e subjetivo identificar o que é indecente ou sujo. Depende da cabeça da pessoa e não de valores culturais fixos. Além disso, como declarou para a revista Time o especialista em redes Mike Goodwin, da Electronic Frontier Foundation (EFF), a lei revela uma vasta ignorância sobre como funciona a Internet. Ela terá pouco efeito prático, primeiro porque é virtualmente impossível monitorar os seus mais de 4 milhões de computadores interligados, que atualmente estão transmitido algo em torno dos 65 trilhões de caracteres por mês. Segundo, porque qualquer pessoa pode enviar mensagens anônimas à Internet, ou disfarçar o endereço eletrônico de origem, através de máquinas intermediárias, que são chamadas de "servidores de anonimato" e "servidores de correio falso" (FakeMail). Existem várias dessas máquinas ligadas à Internet, como a famosa anon.fi, que fica na Finlândia.

Mas essa é uma outra história, que eu conto depois.


Publicado em: Jornal Correio Popular, Caderno de Informática, 4/7/95, Campinas
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