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A rede alternativa

Renato M.E. Sabbatini

A Internet não é uma "invenção" recente, como é a impressão dada pelo oba-oba dos órgãos brasileiros de mídia. Muita gente está ouvindo falar nela apenas agora, em virtude de sua abertura para o mundo não acadêmico. No entanto, seus primórdios remontam a 25 anos atrás, quando o Ministério da Defesa norte-americano fundou a ARPANet (Advanced Research Project Agency), que no começo tinha apenas três universidades e algumas dezenas de usuários.

Outra informação que pode ser surpresa para muita gente é que a Internet não é a única rede global de computadores. Existem outras, certamente bem menores, mas nem assim desprezíveis, como a Bitnet, que existe há mais tempo que a Internet. A mais interessante de todas entretanto, é a FidoNet, a rede mundial informal dos BBSs. Ela é interessante pelo fato de ser resultado da iniciativa privada de milhares de cidadãos comuns, operadores de sistemas BBS (o sysop, ou system operator), que moram em dezenas de países diferentes. Não há nenhum órgão do governo envolvido, nem a necessidade de milhões de dólares em linhas digitais especiais de comunicação, etc. Aliás, poderíamos dizer que a rede FidoNet nem sequer "existe" como tal, pois ela se forma e se desmancha continuamente, como explicarei melhor a seguir.

Primeiro, vamos esclarecer melhor o que é um BBS. Para estabelecer o seu próprio BBS é muito fácil. Basta ter um microcomputador, um modem de auto-resposta e uma linha telefônica comum. É necessário ter também um programa que gerencie a coisa toda. O computador fica ligado normalmente o tempo todo, e cada vez que o telefone toca, chamado por um usuário externo, o software de BBS comanda a auto-resposta e o accesso. Ao se estabelecer a conexão, o usuário passa a comandar o computador do BBS como se fosse "seu" , e aquela linha telefônica fica ocupada durante esse tempo. Nesse momento, o BBS oferece geralmente um menu contendo várias opções de serviços, tais como correio eletrônico, listas de discussão, repositórios de software e de imagens, etc. Os serviços são simples e exigem poucos recursos de máquinas, mas as interfaces do software de acesso já são bastante sofisticadas, podendo até mesmo ser gráficas ou orientadas a multimídia.

Devido a toda essa facilidade, os BBSs adquiriram uma certa notoriedade como sendo empreendimentos de "eu sozinho", artesanais, pequenos, sem fins lucrativos e, portanto instáveis. Não é pequeno o número de BBSs que fecham porque o sysop tem que estudar, ou porque mudou de emprego, ou porque o dinheiro acabou. O livro "Guia do BBS", da Editora Campus, escrito por um dos pioneiros do ramo, Sérgio Gallo, conta interessantissimas histórias sobre as origens e o desenvolvimento dos BBSs no Brasil. Para se ter uma idéia da simplicidade dos recursos necessários, basta citar que o primeiro BBS brasileiro surgiu em abril de 1984, no Rio de Janeiro. Fundado por Paulo Sérgio Pinto (por essa razão, ele tinha o curioso nome de BBS do Pinto), era operado com base em um TRS-80 Modelo I da Radio Shack, de 8 bits, que tinha a espantosa memória de 32 Kbytes, e dois disquetes de 180 Kbytes cada. O modem tinha que ser operado manualmente, ou seja, o coitado do Pinto tinha que ficar escutando a linha o tempo todo. O primeiro BBS operado por microcomputador IBM-PC (usado atualmente em praticamente 100 % dos BBSs) surgiu apenas em 1989, e a rede FidoNet chegou aqui em 1990. Nesse ano começou uma nova fase dos BBSs, com o surgimento dos sistemas pagos, e o desenvolvimento de BBSs de grande porte, como Mandic (SP), PersoCom (DF), etc. Os usuários cadastrados, além de arcarem com os custos da ligação telefônica (as vezes bem carinha, pois precisa ser DDD), pagam uma taxa mensal de manutenção, geralmente de pequena monta. Os BBS profissionais oferecem grande quantidade de recursos de informação, como CD-ROMs on-line, e investem muito dinheiro em linhas telefônicas, computadores, modems, etc., podendo atender dezenas de usuários ao mesmo tempo. A maior novidade, entretanto, é que os BBSs profissionais estão podendo oferecer serviços de acesso restrito à Internet (geralmente só correio eletrônico), graças a um convênio com o IBASE, no Rio de Janeiro, que é o Centro de Informações da Internet brasileira para as ONGs.

A FidoNet funciona através de ligações telefônicas automáticas entre os seus nodos, que permitem o envio de mensagens de correio eletrônico entre nodos (chamado de área de Netmail), e a cópia de diretórios públicos (o Echomail). Os nodos de uma lista são identificados por códigos especiais, com zonas, regiões e nodos (por exemplo, o BIA BBS é o nodo 4:802/36, sendo 4 a América do Sul, 802 o Brasil/Rio de Janeiro e 36 o nodo. A Nodelist é uma lista dos nodos, atualizada periodicamente por cada nodo da FidoNet por meio de cópia noturna.

Os BBSs e a FidoNet são exemplos maravilhosos da força de vontade e da paixão de alguns indivíduos, bem como de como a criatividade permite a aplicação da tecnologias de baixo custo.


Publicado em: Jornal Correio Popular, Caderno de Informática, 16/5/95, Campinas
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