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Os piratas da Internet

Renato M.E. Sabbatini

A Internet, a maior rede de computadores do planeta (4,5 milhões de computadores interligados, mais de 30 milhões de usuários, 150 mil novos usuários por dia) também tem os seus cibernautas delinquentes. São os "hackers", geralmente jovens entre 15 e 25 anos de idade, que penetram ilegalmente em computadores ligados à rede, e roubam ou destroem dados acumulados ali por centenas ou até milhares de usuários. Muitas vezes, os prejuízos, a perda de tempo, e o aborrecimento causados são astronômicos.

A subcultura dos "hackers" virou um fenômeno preocupante, em virtude da escala crescente de globalização das redes. Os mecanismos psicopatológicos dessas pessoas são extremamente semelhantes aos do grafiteiro, que emporcalha paredes e monumentos em todas grandes cidades do mundo com garatujas incompreensíveis e rabiscos de valor artístico nulo. Da mesma maneira, formam gangues, grupelhos rivais, que através de rituais adolescentes e tribais, se desafiam uns ao outros. O importante é deixar sua marquinha em algum lugar, não importa o custo para a sociedade e o grau de execração com que serão vistos. O importante é a admiração dos membros de sua subcultura e a satisfação do espírito exarcebado de competição entre machos. Não é a toa, por exemplo, que 99 % dos grafiteiros e dos "hackers" sejam homens...

Recentemente, o FBI capturou um dos "hackers" mais procurado dos EUA, rastreando-o através do labirinto inimaginavelmente intrincado das supervias da informação e das centrais telefônicas computadorizadas. O gênio tecnológico que perpetrou essa façanha era pouco mais velho que o infrator (ambos na casa dos 20 anos). Os dois viraram objetos instantâneos de culto entre os milhares de jovens estudantes e profissionais que acham que a Internet é o seu playground ou seu campo de caça exclusivo, e que acham "bacana", ou "cool", ou "klasse" (dependendo da língua que falam) ficar inventando estrepolias dessa natureza.

Com 30 milhões de usuários, a Internet já é, pura e simplesmente, um retrato fiel da humanidade. Nela, podemos encontrar de tudo, desde os cientistas até os pornógrafos, desde o mais puro altruísmo até a mais refinada canalhice. Por este motivo, nunca nos veremos livres dos "grafiteiros do ciberespaço", porque esse tipo de personalidade imatura e patológica sempre fez, e sempre fará parte da humanidade. Mais uma vez, o problema é de como proteger as redes contra acessos não autorizados, e como prevenir e punir o crime. Os usuários geralmente tomam mais cuidado em trancar seus carros e casas, do que de suas senhas de acesso, que são o verdadeiro "Abre-te Sésamo" do mundo das redes de computadores. As preocupações com a segurança são abismalmente deficitárias. A penetração ilegal é muito mais fácil do que parece. Os administradores das redes brasileiras deveriam promover uma maior consciência entre os usuários quanto à segurança, e implementar mais mecanismos automáticos de proteção.

Aliás, um ponto importante: a imprensa precisa ter cautela em não glorificar involuntariamente esse tipo de crime e de criminoso. Jovens altamente inteligentes e brilhantes, que dominam uma coisa tão complexa como a Informática, são automaticamente admirados pelo restante da sociedade. Portanto, é fácil colocarmos o "hacker" na mesma categoria, mesmo inconscientemente,. É a mística do Davi contra o Golias, do jovem rebelde e romântico contra o polvo monstruoso e sem face, o pretenso instrumento dos donos do dinheiro, da informação e do poder... Dar excessiva importância aos seus atos é premiá-los com que mais desejam: uma avaliação do seu impacto sobre a sociedade, e o reconhecimento público.

O grafiteiro geralmente é um jovem que se sente humilhado e marginalizado pela sociedade. Seus atos de vandalismo são uma expressão de rebeldia, de desafio e de ascensão social por vias tortas. A mesma coisa é o "hacker". Nos EUA, o acesso ilegal a redes de computadores é um crime federal, investigado pelo FBI, e punido com pesadas penas. No Brasil, nossa arcaica legislação deve passar totalmente ao largo desses assuntos.


Publicado em: Jornal Correio Popular,Caderno de Informática, 21/4/95, Campinas,
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