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O médico portátil

Renato M.E. Sabbatini

Nos últimos anos, uma revolução silenciosa está mudando a forma de se armazenar os dados médicos dos pacientes. É o "cartão inteligente", do mesmo tamanho que um cartão de crédito comum, mas que pode ser usado para gravar várias informações, desde a identificação do paciente e seu plano de saúde, até informações de natureza clínica, tais como alergias, tipo sangüíneo, antecedentes médicos, hospitalizações, etc. O paciente carrega o cartão consigo, e, quando visita o médico, leva-o para ser consuLtado e atualizado. Para isso, basta o médico ter um microcomputador e uma unidade especial de leitura e gravação de cartões, que não custam muito caro.

Existem muitas aplicações para o cartão inteligente, principalmente para as seguradoras médicas. No Japão, por exemplo, pacientes que tem riscos médicos elevados (cardíacos, por exemplo) carregam cartões pendurados no pescoço, que podem ser lidos rapidamente por um micro portátil, tipo notebook, localizado em ambulâncias, pronto-socorros, etc. Esta utilização tem grande alcance social, e não tem custos muito altos. Nos EUA, o país que foi o pioneiro no uso de cartões inteligentes, a seguradora Blue Shield realizou, há quase 10 anos atrás, um projeto piloto de informatização do prontuário médico de bolso para um plano executivo especial disponível em todo o país. Espera-se que este exemplo seja seguido e que milhões de segurados médicos venham a dispor de cartões deste tipo, nos próximos anos. Para as seguradoras, este empreendimento tornará o sistema extremamente atrativo para os médicos, que desejarão se filiar em números cada vez maiores, pois elas alugarão, ou até colocarão gratuitamente microcomputadores à disposição dos médicos.

Os cartões mais comuns e baratos são os que usam um chip de memória embutido. Essa memória consegue manter seu conteúdo por longos períodos de tempo e pode armazenar alguns milhares de bytes, o que é suficiente para uma quantidade razoável de dados médicos. Entretanto, sua capacidade é ainda muito limitada para aplicações sérias em Medicina. A tecnologia mais sofisticada é o cartão óptico (laser-card), com o qual consegue-se armazenar cerca de 2 milhões de caracteres em uma área retangular, no verso do cartão. A tecnologia utilizada é semelhante à do disco óptico (CD), com a vantagem de poder ser gravado pelo próprio usuário. A informação digital é gravada por meio de milhões de microscópicos furos, dispostos em trilhas, realizadas por um feixe de raios laser. Cada furo corresponde a um "bit" de informação digital, ou seja, um número binário (0 ou 1), que é a forma que os computadores usam para registrar informações de qualquer natureza, sejam eles textos, sinais, imagens ou sons. Nos Estados Unidos e no Japão estão se implantando sistemas no quual o usuário carrega no bolso todo o seu histórico médico, individual e familiar, gravado em um cartão laser, incluindo dados vitais, alergias a medicamentos, cirurgias pregressas, tipos sanguíneos, e até mesmo as imagens das radiografias e dos eletrocardiogramas. Os hospitais e clínicas também precisam dispor de equipamentos de gravação e leitura acoplados a microcomputadores, que são capazes de exibir a informação armazenada, bem como adicionar novas informações às já existentes (mas não apagá-la).

A implantação do cartão inteligente tem importantes repercussões econômicas, médicas, sociais e éticas. O difícil problema da proteção à confidencialidade dos dados do paciente, por exemplo, é resolvida inteiramente com o cartão. O médico poderia ter em seu computador apenas uma parte restrita dos dados de seus pacientes (para fins administrativos e de atendimento por telefone, por exemplo). Além disso, utilizando-se um cartão laser inapagável, fica resolvido também o problema de segurança dos dados e inviolabilidade para fins de fraude, coisa que tem preocupado muito os conselhos profissionais de Medicina. Deste ponto de vista, o cartão laser é uma garantia, por parte de todos (paciente, médico e legisladores) de que a informação vai ser preservada exatamente como foi gerada.

Só a imaginação limita as aplicações possíveis para o cartão laser na Medicina. Já existem cartões disponíveis comercialmente, com capacidade de 200 milhões de caracteres, e que podem ser desgravados e gravados novamente. Com isso, os arquivos médicos completos de um hospital poderão ser armazenadas em um maço de poucos cartões e conterão praticamente toda a informação que hoje reside em papel e filme ! No futuro, o cartão inteligente também será dotado de um microprocessador, tornando-o capaz de alertar o paciente quando está na hora da próxima consulta, ou testando automaticamente se um novo medicamento receitado pelo médico poderá causar alguma interação prejudicial com os que o paciente já está tomando. Você ainda vai ter um.


Publicado em: Jornal Correio Popular, Caderno de Informática, 18/4/95, Campinas
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