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As mulheres na ciência

Renato Sabbatini

Ciência é coisa de homem. Se formos acreditar nas estatísticas, realmente é assim. Nos EUA, que é o país mais avançado quanto aos programas afirmativos de recrutamento de professores e cientistas de sexo feminino, está acontecendo um fenômeno surpreendente: é cada vez menor o número de mulheres que está querendo entrar para a carreira acadêmica, e muitas estão saindo, em uma taxa maior que os homens.

A tendência é inversa ao que vem acontecendo nos últimos 25 anos. Em 1972, segundo a National Science Foundation dos EUA, menos de 9 % dos professores universitários eram mulheres. A maioria das faculdades tradicionais, como direito, medicina e engenharia, tinha praticamente 100 % do corpo docente constituído de homens (a conservadora Faculdade de Medicina da USP, por exemplo, só a partir de 1996 passou a ter duas professoras titulares em seu colegiado). Com a liberação social e política das mulheres nas décadas seguintes, essa participação aumentou gradativamente, até chegar aos 22 % na década dos 90s. É o fenômeno conhecido como "supermães": mulheres que conseguiram com sucesso mesclar uma carreira científica e docente com o casamento e a maternidade, muitas vezes com enormes sacrifícios e um ritmo de trabalho alucinante.

Agora esse ritmo está diminuindo, e é devido principalmente ao fato de que a carreira científica é cada vez menos atrativa para os jovens egressos da universidade, devido aos baixos salários pagos para iniciantes, e ao ritmo muito lento de progressão profissional. Tipicamente, para entrar na carreira, o cientista aspirante leva cerca de 10 anos: sete anos fazendo pós-graduação, em programas de mestrado e doutorado, e mais uns três anos como pós-doutor, esperando abrir vagas nas universidades. Depois disso, ele pode esperar uma promoção a cada quatro ou cinco anos, atingindo o ápice da carreira apenas 20 a 25 anos depois de formado. Se nos EUA já é ruim, imaginem no Brasil. Aqui, um iniciante na carreira científica tem que se contentar com uma bolsa em tempo integral (não pode ter outras fontes de renda) de apenas 700 reais por mês, que depois sobe lentamente, em cerca de 10 anos, para algo em torno dos 2.000 reais por mês. Com 25 anos de formado, se tiver sorte e fizer uma boa carreira, estará ganhando algo em torno de 4.000 reais por mês. Em comparação, estudantes de engenharia graduados pela UNICAMP estão ganhando 2.000 reais apenas dois anos depois de formados, em uma boa empresa !

Para as mulheres que querem ter uma família, a situação é dramática, e esse padrão de progresso profissional, que exige longas horas de dedicação, por anos a fio, causa o caos em suas vidas particulares. Dificilmente uma estudante de pós-graduação pode ter filhos, hoje, antes dos 35 anos de idade. No Brasil é um pouco melhor do que nos EUA, pois ter uma empregada doméstica ainda é possível para uma cientista casada, com dois salários em casa. Além disso, existe uma tolerância maior das chefias nas universidades, para desculpar faltas por que o filho ficou doente, a empregada não veio, o marido viajou, etc. A carga dessas coisas ainda cai em parte sobre os ombros da mulher. Nos EUA o clima é de guerra, de competição extremada, e a universidade não procura desenvolver com generosidade os talentos femininos para a pesquisa. Com isso muitas mulheres estão dizendo: "Esquece ! Eu não vou conseguir ser uma cientista e mãe ao mesmo tempo". E procuram uma vida melhor, no mercado de trabalho externo à universidade.

A tendência é nefasta, pois a universidade é o espelho da sociedade e, ao mesmo tempo, um de seus principais agentes de transformação social. Centenas de estudos têm comprovado que a condição feminina melhora espetacularmente em proporção ao grau de instrução, afetando desde o salário que a mulher ganha, até o número de filhos que ela escolhe ter. Uma universidade precisa ter uma proporção representativa de mulheres em seu corpo docente, para ser dinâmica e conectada com a sociedade, além de isso dar um bom exemplo para as conquistas profissionais pelo corpo discente feminino.

Nos EUA, existem organizações muito fortes que encorajam ativamente a participação das mulheres na ciência, como a Association for Women in Science e a Women in Science and Technology Alliance . Elas chamam a atenção para os temas principais e incomodam a consciência nacional, exigindo programas seletivos de contratação das chamadas minorias (empregadores de ação afirmativa, como são chamados).

E no Brasil ? Parece que não existe muita coisa, nem sequer uma conscientização a respeito. E se tudo o que acontece hoje nos EUA acaba acontecendo por aqui também, essa tendência de queda do emprego feminino na academia (que hoje está no Brasil no mesmo estágio que 10 anos atrás nos EUA), fatalmente vai progredir até a fase de refluxo. Tenho conversado com mulheres cientistas jovens, e o desencanto e decepção com a vida acadêmica, em detrimento da qualidade de vida pessoal (amor versus trabalho), são gerais.

Quais seriam as soluções ? Uma delas é diminuir o tempo gasto na pós-graduação, que virtualmente escraviza a vida particular de homens e mulheres por tempo demasiado longo. Isso beneficiaria diretamente as mulheres, que poderiam ter um emprego fixo com menos de 30 anos, ainda na idade reprodutiva considerada ideal. Outra possibilidade é abrir mais lugares em tempo parcial para as mulheres cientistas, com um nivel de pagamento não tão degradado (existe uma diferença de mais de 300 % entre um salário em tempo parcial e outro em tempo integral, na UNICAMP). Finalmente, deveriam ser adotadas políticas de retorno da mulher ao mercado de trabalho acadêmico, ou seja, facilitando a contratação de mulheres que escolheram se dedicar à familia e aos filhos e depois querem voltar ao aperfeiçoamento profissional e à carreira docente e científica, quando eles já estão independentes.

Mas antes, é preciso que a militância feminina galvanize mais esse debate no seio das instituições acadêmicas e da sociedade como um todo.

Para Saber Mais


Correio PopularPublicado em: Jornal Correio Popular, Campinas, 19/6/98.

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