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Tecnologia da morte

 

Renato Sabbatini

 

Está cada vez mais fácil matar grandes quantidades de pessoas com pouco dinheiro. Este é um dos motivos porque ditadores militaristas, como Saddam Hussein, e grupos terroristas extremistas estão preocupando tanto os governos dos EUA e de outros países. A tecnologia relativamente simples das armas químicas e bacteriológicas, quase nunca usadas militarmente, vem em seu auxílio. Ainda neste século, infelizmente, poderemos testemunhar o seu uso catastrófico contra populações civís, em ações de puro extermínio.

 A arma química mais terrível que terroristas poderão usar um dia é o chamado "gás de nervos". São o sarin, o tabun, o soman, que estão entre os agentes químicos mais tóxicos que existem. Eles foram desenvolvidos antes da II Guerra Mundial, por um químico alemão chamado Gherard, na empresa Bayer, ao tentar inventar novos inseticidas para uso agrícola. Para se ter uma idéia, o agente mais poderoso dessa "família", que é o VX (descoberto em 1949 por um químico inglês) é milhares de vezes mais potente que um pesticida. Apenas 10 miligramas (uma pequena gota) depositados sobre a pele ou as mucosas, mata um adulto de 75 kg em 1 a 3 minutos. Dispersado na forma de vapor, a dose letal é de apenas 30 mg por metro cúbico de ar. Para comparação, seria necessário ingerir 60 gramas do inseticida malation puro, para obter o mesmo efeito.

 Todos esses agentes podem ser sintetizados facilmente, a partir de insumos baratos e amplamente disponíveis (inseticidas organofosforados, como o malation), por um químico razoavelmente bem treinado e usando um laboratório de fundo de quintal. Por isso os agentes de nervos são o ideal para grupos terroristas. Eles têm a vantagem de serem facilmente dissimuláveis, pequenas quantidades causam grandes estragos, e são indetectáveis pelos métodos atuais. Eles são inodoros e incolores, e são rapidamente absorvidos pela pele, olhos, pulmões e trato gastrointestinal, sem causar nenhuma irritação até o início dos sintomas fatais. Outra característica importante é que o tratamento deve ser feito muito rapidamente para ser efetivo, e exige uma seringa auto-injetora, carregada com a substância atropina (medicamento usado para cólicas intestinais ou para dilatar a pupila). A dispersão aérea de VX em uma grande metrópole seria uma catástrofe sem paralelo, pois o sistema médico hospitalar seria totalmente pego de surpresa, e incapaz de reagir a tempo para impedir dezenas de milhares de mortes entre a população.

Um exemplo recente de seu uso foi o ataque ao metrô de Tóquio, feito pela seita fanática japonesa AUM em 20 de março de 1995. Os químicos da seita sintetizaram sarin, que colocaram em uma lata de refrigerante, um saco plástico e uma lata de spray enrolada em jornal e depositaram em cinco carros de metrô. Morreram 10 pessoas e 5 mil ficaram intoxicadas, gerando o pânico.

Na guerra do Iraque-Iran, o facínora Saddam Hussein realizou vários ataques secretos de tabun contra várias aldeias civis do Irâ, matando milhares de homens, mulheres e crianças. Após a guerra do Golfo, os inspetores da ONU acharam várias evidências de que o Iraque estava se preparando para montar grandes fábricas de agentes químicos e biológicos, que só um louco é capaz de usar (nem Hitler teve coragem, de medo das retaliações dos aliados, devido à sua superioridade aérea, embora tivesse grandes estoques de sarin e tabun). A reação do governo Clinton tem fortissima razão de ser, portanto, e a periculosidade desses agentes justifica uma ação militar internacional preventiva contra Saddam.

As armas químicas têm pouca utilidade em ações militares convencionais. Na I Guerra Mundial, por exemplo, era comum os ataques de gás mostarda feitos pelos alemães ou aliados, serem soprados de volta para os atacantes, por causa de mudanças no tempo. Um setor altamente inimigo altamente contaminado pode impedir o avanço das tropas atacantes pelo mesmo. Além disso, existe sempre o medo da retaliação, que pode ser muito pior do que o ataque. No entanto, essas restrições não valem para terroristas desesperados, capazes de tudo, como tem ocorrido com tantos ataques suicidas de homens-bomba. Uma tendência altamente preocupante é que embora o número de atentados terroristas tenha diminuido (431 em 1993, contra 321 em 1994), o número de mortos e feridos tem aumentado muito por ataque, revelando que os terroristas tendem a usar recursos tecnológicos cada vez mais poderosos.

Os agentes bateriológicos são ainda mais perigosos. Estima-se que apenas um grama de toxina biológica purificada (como da botulina), pode matar 10 milhões de pessoas. Por esse motivo eles são chamados de "bombas nucleares de pobres", pois enquanto custa em média 2 mil dólares por morte em um ataque militar convencional, 800 dólares em um ataque atömico, e 600 dólares em um ataque químico, esse custo cai para apenas 1 dólar por morte, em um ataque bacteriológico. Mas esse será o assunto da minha próxima coluna.

O fato é que o uso de armas de destruição maciça pelos terroristas (o que os militares chamam de NQB, Nuclear/Química/Bacteriológica) é uma questão de tempo, apenas !


Correio PopularPublicado em: Jornal Correio Popular, Campinas, 28/2/98.

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