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Ciência em 1997

 

Renato Sabbatini

 

 

Este ano foi excelente para o progresso científico. Tivemos notícias fascinantes, que nos chegaram através das revistas especializadas e da imprensa leiga, muitas das quais tive a oportunidade de comentar mais longamente em várias das colunas publicadas durante o ano. Nesta última coluna do ano, vou seguir a tradição de fazer um breve retrospecto, apontando as notícias sobre ciência que eu achei mais relevantes.

 Em biologia, a descoberta do ano causou enorme impacto em todo o mundo científico e leigo: depois de 277 tentativas, ocorreu o nascimento do primeiro clone de um mamífero adulto: a ovelha Dolly. Anfíbios adultos já tinham sido clonados há tempos atrás, assim como embriões de mamíferos. Mas Dolly, "produzida" a partir dos genes de uma célula somática pelo cientista Ian Wilmut, do Instituto Roslin, de Edimburgo, Escócia, representou a primeira possibilidade de que isso seja realizado com seres humanos. E isso assustou a humanidade… As matérias veiculadas pela TV e imprensa atingiram níveis absurdos de especulação científica, ética e moral, mas pouca gente comentou os possíveis benefícios para a medicina. Em novembro, outro anúncio pelo Dr. Wilmut mostrou para que servem os clones animais: duas ovelhas clonadas tiveram seu patrimônio genético alterado, com a finalidade de produzir leite com grandes quantidades de uma proteína que falta em pessoas com defeitos de coagulação sangüínea. Estará aí o grande incentivo econômico para seu desenvolvimento: elas serão verdadeiras fábricas farmacêuticas sobre quatro pernas. A clonagem garante o controle da qualidade, pois todos os produtores são idênticos.

Em medicina, a notícia de maior impacto foi a dos sete gêmeos de Iowa, nos Estados Unidos. Além de ser um número extraordinariamente raro de nascimentos múltiplos, eles parecem estar sobrevivendo bem, o que é inédito. O mais impressionante, entretanto, é que eles foram "causados", como tem ocorrido com milhares de casos de nascimentos múltiplos nos últimos anos, pelo tratamento hormonal que muitas mulheres inférteis têm realizado para ficarem grávidas (existe uma chance de 20 % de terem pelo menos gêmeos, o que é altissimo).

Na área das doenças, a novidade ficou para a doença da vaca louca (encefalopatia espongiforme bovina), que causou pânico na Europa em 1996, ao ser anunciado que 19 casos da rara doença de Creutzfeldt-Jakob teriam sido ligados ao consumo de carne contaminada, e que ela seria devida a uma nova forma transmissível da doença, que é causada por partículas protéicas chamadas príons. Mais de 35 mil vacas foram sacrificadas na Inglaterra (o país mais afetado), e houve um boicote à apreciada carne inglesa no restante do mundo. Em 1997, dois grupos de pesquisa, um em Edimburgo e outro em Londres, determinaram que as duas doenças estão realmente correlacionadas: injeções de cérebro contaminado por DCJ e encefalopatia bovina provocaram os mesmos sintomas e os mesmos sinais degenerativos no cérebro de camundongos. Isso não prova que os 19 casos foram contaminados por ingestão de carne, mas acende uma luz de alerta importante. Não foi surpresa, portanto, quando o prêmio Nobel de Medicina deste ano foi dado para Stanley Prusiner, o cientista que mais estudou os príons.

A notícia de que o uso de um "coquetel" poderoso de drogas antiviróticas é altamente efetivo no tratamento da AIDS, aumentando a duração e a qualidade da sobrevida dos pacientes, também foi uma das notícias importantes do ano, que trouxe muita esperança para os milhões de doentes desta temerosa epidemia que afeta a humanidade.

Na Astronomia, o telescópio espacial Hubble continuou a nos surpreender com suas maravilhosas imagens dos confins do Universo e com as descobertas revolucionárias que estão sendo feitas. A mais impressionante, na opinião dos especialistas, foi a descoberta da Pistol Star, a estrela maior e mais brilhante conhecida até hoje. Ela é cerca de 100 vezes maior do que o nosso Sol, e se acredita que seja 15 milhões de vezes mais brilhante. Está localizada a 25 mil anos-luz de distância da Terra, perto do centro da Via Láctea. Isso significa que o que estamos observando hoje ocorreu na época em que a espécie humana ainda vivia em cavernas (essa peculiaridade do céu originou uma coluna que fundiu a cabeça de muitos leitores…). A Pistol Star é importante para a ciência, pois vai provocar uma revisão da teoria de formação das estrelas (não sabíamos que estrelas tão grande assim eram possíveis).

Mas a notícia científica que mais emocionou a humanidade este ano foi, sem dúvida, a exploração do planeta Marte por um pequeno robô, o Martian Sojourner. Algo cômico em sua primitiva estrutura, nem um pouco parecida com o que os filmes de ficção científica convencionaram ser um robô, ele capturou a atenção de milhões de pessoas em todo o mundo, no dia 4 de julho, feriado nacional americano. Comandado a partir da Terra, ele perambulou por um terreno pouco maior do que um fundo de quintal, fotografou e testou rochas. Não se aprendeu muito com ele, nem sequer se Marte tem ou teve vida (imagine se um robô marciano descesse no deserto do Saara…), mas o impacto foi grande, por ter provado que é possível explorar os planetas de forma muito mais barata, melhor e mais rápida (a nova filosofia da bilionária NASA).

Assim, entre estrelas, vacas loucas, ovelhas e robôs marcianos, tivemos notícias para todos os gostos. Quem quiser ver mais, recomendo o número de janeiro da excelente revista americana Discover, que tem as 100 melhores reportagens em ciência de 1998 (na Internet: http://magazines.enews.com/magazines/discover/).

  


Correio PopularPublicado em: Jornal Correio Popular, Campinas, 29/12/97.

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