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Ciência e Produtividade Nacional

 

Renato Sabbatini

 

Segundo o eminente professor Eduardo Moacyr Krieger, presidente da Academia Brasileira de Ciências, a instituição que reune os mais respeitados cientistas do Brasil, "o conhecimento científico é atualmente considerado como insumo, ou matéria prima, pelo setor produtivo". Ele está se referindo, naturalmente, aos países industrializados mais avançados, onde esse fato é corriqueiro pelo menos desde a metade do século 20, com o surgimento de uma aliança entre os complexos industriais e de pesquisa. No Brasil, isso praticamente não existe, a não ser em algumas universidades de vanguarda, como a UNICAMP, a USP, a UFRJ, a UFSC, etc.; e mesmo nessas, a proporção de pesquisas universitárias em ciência aplicada e tecnólogica (para não mencionar a ciência básica) que é repassada para o setor produtivo é muito pequena.

 Assim, o Prof. Krieger de novo tem razão quando constata que "o setor produtivo está começando a fazer pesquisas , pois não vai mais esperar que a universidade o faça. Para realizar pesquisas, entretanto, ele tem que ter acesso a um corpo de profissionais de qualidade, o que um fator essencial para a sobrevivência da empresa". Isso já está acontecendo no Brasil, embora timidamente. Basta ver, por exemplo, a entrada da empresa Motorola, de fabricação dos apreciados aparelhinhos de telefonia celular, na região de Campinas. A empresa, virgem no Brasil, teve que encarar o desafio de montar uma equipe técnica e científica de primeira linha, em pouco tempo. A estratégia que adotou foi a de sempre: recrutar os melhores engenheiros e profissionais de outras empresas na área, ou de universidades e centros de pesquisa, oferecendo melhores salários e condições de trabalho. Teve alto sucesso na empreitada, mas essa autofagia tem limites sérios, se a universidade brasileira não formar novos engenheiros, técnicos e profissionais de alta qualidade, em tempo relativamente curto. E são poucas as que estão fazendo isso.

 Felizmente, a Motorola teve uma visão mais ampla: concluiu que era necessário também ter um Centro de Pesquisas local, que tem como missão adicional reciclar o conhecimento e treinar seus engenheiros nas técnicas mais modernas da microeletrônica. Para isso, ela se aliou estrategicamente a um reconhecido centro federal de pesquisas tecnológicas de Campinas, o CTI (Centro Tecnológico de Informática) e montou o seu centro de pesquisas em conjunto com ele. Uma iniciativa inteligente, pois o CTI também terá mais recursos para incrementar suas atividades de pesquisa e de formação de cientistas com capacidade prática suficiente para servir à expansão das indústrias de tecnologia avançada no país.

 Infelizmente, a gente só vê essas coisas acontecer no Brasil em pouquissimos lugares: Florianópolis, São Paulo, Campinas, São Carlos, Rio de Janeiro, João Pessoa, e poucos mais. Seria necessário que este exemplo da Motorola se multiplicasse por mil, em dezenas de outras áreas estratégicas para o desenvolvimento nacional. O Brasil pós-FHC ainda investe míseros 0,6 % do PIB em ciência e tecnologia, quando deveria investir pelo menos dez vezes mais (os "tigres asiáticos" se transformaram em potências exportadoras de alta tecnologia apenas depois de investirem 5 % do PIB durante 20 anos seguidos). Outros indicadores são preocupantes: nos EUA, 48 % do investimento em pesquisa é realizado pelas indústrias, no Brasil menos de 10 %. Nos EUA, 67 % dessa verba vai para desenvolvimento de novos produtos, e 21 % para pesquisa aplicada. No Brasil, como a maioria dos produtos já vem desenvolvida das matrizes no exterior, essas porcentagens são muito mais baixas.


Correio PopularPublicado em: Jornal Correio Popular, Campinas, 20/12/97.

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