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O finito e o infinito

 

Renato Sabbatini


Meu artigo no Correio sobre as conseqüências da teoria da relatividade de Einstein sobre a nossa apreciação de uma bela noite estrelada, causou algum impacto entre os leitores, talvez porque eu tenha chamado a atenção para algumas coisas que acabem mexendo com nosso inconsciente e com a arrogância natural de nossa mente, que enganando-se a si própria com a experiência do cotidiano, acaba rejeitando qualquer coisa que vá contra o bom-senso.

 Para quem não leu meu artigo, ou não se lembra, o argumento era o seguinte. Toda vez que olhamos para um céu estrelado, o que estamos vendo não corresponde à realidade presente (ou seja, no instante atual de tempo). Como a velocidade da luz não é infinitamente grande, a luz de uma estrela distante, que está chegando nesse mesmo momento aos nossos olhos na Terra, foi emitida há muito tempo atrás. Para as estrelas mais próximas da terra, isso é mais ou menos 20 ou 30 anos atrás. Para as estrelas mais distantes, pode ser algo em torno de 10 bilhões de anos atrás !

 Portanto, chegamos a conclusão inescapável (e profundamente desestabilizadora, para muita gente), que esse céu que admiramos, não "existe", no sentido da realidade temporal, ou seja, o que estamos vendo é um portentoso retrato composto do estado do Universo, em miríades de diferentes eras. Algumas dessas estrelas podem ter se apagado, explodido ou mudado há milhões de anos atrás, mas como a luz delas, emitida no momento de uma dessas mudanças, ainda não chegou à Terra, não tem como ficarmos sabendo&

 Outra coisa que não comentei é que as constelações (que um dos meus leitores afirmou que "continuam alí", independentemente do que a gente diga), também não "existem", dessa vez do ponto de vista da realidade espacial. Uma constelação conhecida, como, por exemplo, o nosso familiar e simbólico Cruzeiro do Sul, é formada por estrelas que podem estar, ou não estar, próximas uma das outras no espaço. Uma delas pode estar a 10 mil anos-luz da Terra, e outra a 10 milhões de anos-luz. Vistas de nosso sistema solar, elas podem ter a forma de uma cruz, mas vistas de outro ponto da galáxia o seu aspecto será completamente diferente, e esta constelação não existe, é uma ilusão ótica exclusivamente terráquea. Além disso, como a posição relativa das estrelas muda muito lentamente, o Cruzeiro do Sul pode continuar "existindo" durante alguns milhares de anos, mas eventualmente sua conformação acabará mudando tanto, que ele deixará de ser reconhecível pelos nossos descendentes&

 Para mim, esses fatos não são nem um pouco ameaçadores; na verdade, acho-os, até, bastante poéticos. Eles têm também o pode não penetrou ainda totalmente a cabeça das pessoas comuns (talvez por culpa dos próprios cientistas). E ai eu me pergunto: quantas especulações filosóficas atuais estarão totalmente invalidadas dentro de algum tempo, com o avanço do conhecimento científico ?


Correio PopularPublicado em: Jornal Correio Popular, Campinas, 18/5/97.

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