Tecnologia
e família
Renato
Sabbatini
Por
centenas de milhares de anos, a família tem sido o núcleo fundamental
de todas as sociedades humanas. A sua origem esta enraizada em
determinantes biológicos muito fortes da evolução da espécie. Todos os
primatas não humanos apresentam alguma forma de organização grupal
centrada na comunidade biológica (pais e filhos), mas foi em nossa
espécie que se estabeleceu a importância da organização familiar como
base social.
Nas
poucas sociedades em que se constatou a dissolução da base familiar,
isso ocorreu em circunstâncias totalmente sociopatológicas. Por
exemplo, na sociedade canavieira escravagista da Jamaica ocorreu uma
distorção completa da sociedade como a conhecemos: o casamento era
condenado tanto pelos escravizadores quanto pelos escravizados, a
família era impensável para a maioria da população e a promiscuidade
era a norma; a educação era considerada perda de tempo, e um estado de
total desintegração caracterizava as artes, o folclore, a justiça, etc.
Evidentemente, ela não sobreviveu por muito tempo.
Ultimamente,
tem havido uma preocupação muito grande com os rumos da família nas
sociedades ocidentais modernas. Na cidade de São Paulo, por exemplo,
mais de 20% dos núcleos familiares são constituídos por apenas um dos
pais, e a dissolução de famílias pelo divórcio tem atingido proporções
alarmantes. O efeito disso sobre a criação e a educação das crianças é
ainda pouco conhecido, mas pode explicar algumas das tendências
desagregadoras da nossa sociedade.
Até
que ponto a evolução da tecnologia influencia essas mudanças? Um dos
principais fatores sociológicos da desagregação familiar é, sem duvida,
a maior educação que as mulheres passaram a receber neste século e a
sua entrada maciça no mercado de trabalho. Isso pode parecer um
argumento machista meio odioso, mas não é. São fatos cientificamente
comprovados. O funcionamento da família humana sempre se baseou em uma
divisão de trabalho entre homens e mulheres.
Outro
fator é a maior liberação dos costumes sexuais. A coesão matrimonial é
em grande parte mantida pela continuidade da ligação sexual ao longo de
praticamente todo o ciclo sexual da fêmea. Nada disso existe nos outros
primatas, e esses fatores tiveram, inclusive, repercussões sobre a
nossa a biologia. É fácil comprovar que, se sendo esses fatores muito
correlacionados, uma alteração da divisão de trabalho e da ligação
sexual inevitavelmente leva a um maior enfraquecimento do grupo
familiar.
A
tecnologia pode aumentar ou reduzir esse enfraquecimento. Por exemplo,
um dos desenvolvimentos mais interessantes que a tecnologia está
proporcionando é o teletrabalho. Se ele continuar aumentando, terá
grande repercussão sobre a organização familiar. Teletrabalho é a
possibilidade de você trabalhar em uma empresa ou instituição sem
precisar sair de casa. Com o crescimento das redes de computadores,
alguns tipos de trabalho não necessitam o deslocamento físico do
trabalhador. Usando um computador doméstico e um aparelho chamado
modem, é possível interligá-lo com os computadores do escritório ou da
fábrica. Atualmente, nos EUA, cerca de 10% dos postos de trabalho estão
dentro dos lares.
Uma
ocupação desse tipo, muito comum, é o uso de mães de família para
transcrever e digitar os dados médicos para os prontuários de
hospitais. Outro é a prestação de serviço de informação de todo tipo,
através de redes de computadores. Embora possa parecer aborrecido para
as mulheres, o teletrabalho facilita a conciliação do dilema
maternidade-trabalho e aumenta a participação do homem no ambiente
familiar. Meu argumento é que, à medida que homens e mulheres puderem
assumir novos papéis de cooperação doméstica, graças a essas
tecnologias, os laços familiares poderão ser reforçados novamente. Quem
sabe?
Publicado
em: Jornal
Correio
Popular,
Campinas, 21/7/94.
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