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Armadilhas
do método
Renato
Sabbatini
Existe
uma piada que todo cientista acha muito engraçada, pois mostra como o
método científico pode produzir conclusões totalmente absurdas, se ele
não for muito cauteloso ao interpretar os resultados de uma pesquisa. A
piada é assim: um cientista de um certo pais europeu resolve investigar
a localização do órgão auditivo das aranhas. Realiza, então, o seguinte
experimento: arranca uma das pernas da aranha, e soa um
apito. Resultado: a aranha se assusta e sai correndo. Em
seguida, o cientista repete o experimento, arrancando mais uma perna da
aranha. O resultado é o mesmo. Ao arrancar a ultima perna, a aranha não
se move mais, ao ser estimulada com o ruído. Conclusão do cientista:
"Oh raios, os ouvidos da aranha ficam em suas pernas!"
Ridículo,
não e mesmo? Qualquer pessoa vê que a conclusão esta "errada", pois a
aranha precisa das pernas para reagir ao estimulo. No entanto, a
história das ciências esta cheia de casos similares, que foram levados
a serio por cientistas respeitados, algumas vezes por bastante tempo.
Um
exemplo real é a historia de um famoso médico norte-americano, que
clinicava no Hospital Bellevue, na cidade de Nova Iorque, na virada
deste século. Ele julgava ter descoberto um método infalível para
diagnosticar a febre tifóide, prevendo, com dias de antecedência, quem
iria cair doente ou não dessa temida infecção, que era muito comum, e
freqüentemente mortal, naquela época. O método consistia em pedir para
o paciente esticar a língua para fora, a qual era apalpada, longa e
cuidadosamente, pelo eminente mestre, tentando detectar certas
irregularidades "características". Depois disso, pronunciava, convicto,
seu diagnóstico: o paciente teria febre tifóide. O mais impressionante
e que ele acertavaem quase 100 % das vezes! Devia ser um espetáculo
inesquecível: o professor andando de leito em leito, nas enormes
enfermarias de doenças infecciosas do Hospital Bellevue, apalpando a
língua dos pacientes, e enunciando, sério, seu prognóstico para o
séquito boquiaberto de assistentes, residentes e estudantes que sempre
o acompanhava nas rondas. Com o tempo, outros médicos, convencidos,
começaram a utilizar o método de palpação da língua, obtendo resultados
igualmente espetaculares...
Será
que você já percebeu o que estava acontecendo?
Este
é um caso típico das chamadas "profecias auto-realizadas". Os médicos,
ao tomarem a língua dos pacientes em suas mãos nuas, em sucessão
através das enfermarias, estavam eles mesmos, propagando a febre
tifóide! Não é por acaso, portanto, que acertavam quase todas suas
previsões. Como essas existem muitas profecias auto-realizadas em
ciência, mas o que torna esse caso mais angustiante é que muitas
pessoas devem ter morrido em virtude da ignorância cientifica do
especialista em línguas. Não sei dizer se ele ficou muito envergonhado
quando ficou sabendo que a febre tifóide estava sendo transmitida por
suas próprias mãos, mas é provável que não.
Males
causados pela ação dos médicos não são incomuns, e, muitas vezes, são
considerados como inevitáveis (por exemplo, determinados medicamentos,
como os usados na quimioterapia do câncer, podem ter um efeito tóxico,
ao lado de suas propriedades curativas).
O
método cientifico é a base pétrea que sustenta o enorme progresso da
ciência moderna, desde os tempos de Galileu. Ele é um conjunto complexo
de princípios e processos básicos, que incluem a forma como observações
e experimentos devem ser realizados, como estes são utilizados para
validar hipóteses e teorias, etc. Os cientistas aprendem, desde cedo em
sua formação, a utilizar o método cientifico de maneira eficiente.
Muita gente condena o verdadeiro endeusamento a que o método cientifico
foi submetido pelos cientistas. Todavia, ele é a única abordagem que
conhecemos para chegar à verdade, com o mínimo possível de enganos e
falsas conclusões.
Ele
não é perfeito, como vimos, mas é o único que oferece garantias
razoáveis.
Publicado
em: Jornal
Correio
Popular,
Campinas, 10/2/1994 .
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