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Energia, energia

Renato Sabbatini

Energia, que é um termo extremamente bem definido em Física, de repente virou uma palavra mágica para o festival de besteiras alternativas que assola o País.

A crença no poder curativo dos cristais, na influência benéfica das pirâmides, dos gnomos, dos florais de Bach, da acupuntura, do do-in, das pulseiras de cobre, dos amuletos, dos sapatos de sola de couro, e tantas outras coisas mais, se baseia no conceito de "energias" indefinidas e seus fluxos através do organismo. Está virando uma epidemia anticientífica incontrolável.

Essa moda da energia, associada quase sempre a "forças desconhecidas da natureza" começou, em minha opinião, com a importação malfeita de filosofias e religiões orientais para o Ocidente, na década dos 60. Realmente, o conceito difuso de energia, como espírito essencial das coisas vivas, é fundamental para os orientais. Ele está presente no paradigma explicativo, extremamente presente, da oposição entre o ying (energia feminina) e o yang (energia masculina), bem como nas bases da medicina tradicional. Na acupuntura, por exemplo, acredita-se que energia flui pelo corpo através dos meridianos, e que diversas doenças podem ser diagnosticadas e curadas através do (des)equilíbrio da mesma .

Esses conhecimentos se tomaram tão difundidos, que acabaram virando matéria de crença comum no Ocidente. Não que estivessem totalmente ausentes do pensamento ocidental. Ao contrário: o psicanalista Wilhelm Reich, por exemplo, dava grande importância a certas energias orgânicas indefinidas, principalmente as associadas ao orgasmo. Extrapolando a abordagem cientifica, ele chegou a preconizar a importância psíquica das pirâmides! Não é preciso procurar muito para ver que as suas rebarbativas idéias têm origem no próprio Freud. Ele emprestou descobertas da Fisiologia (uma ciência experimental séria) para inventar conceitos energéticos relacionados aos mecanismos da personalidade (os impulsos, por exemplo).

Uma das coisas mais misteriosas e inexplicáveis para o ser humano é a sua própria consciência. O pensamento, por exemplo, é imaginado como uma espécie de fluido imaterial, que circula e exerce influência sobre o corpo e sobre o ambiente. Portanto temos uma forte tendência de imaginá-lo como energia, que pode fluir até mesmo para fora do corpo e atuar sobre a matéria (como afirmam as pessoas que acreditam em telepatia, psicocinese e quejandos). Ou formar uma espécie de ponte psíquica entre pessoas, como o famoso inconsciente coletivo do Jung.

A astrologia é outra pseudociência que se baseia muito em uma suposta força ainda não detectada, que emana dos planetas sobre a Terra, influenciando nossas vidas. Alguns astrólogos chegam a afirmar que ela não seria uma ciência esotérica, pois se baseia em cálculos matemáticos e astronômicos precisos. Ora, francamente! A matemática é apenas uma ferramenta descritiva. Ela pode ser aplicada às coisas mais absurdas, sem que isso se constitua em uma prova de que elas tenham fundamento. Recentemente, aliás, diversos jornais americanos passaram a publicar um aviso em suas colunas de astrologia, avisando sobre a inocuidade dos conselhos e "previsões" dados. E mais ou menos como o aviso do Ministério da Saúde nos maços de cigarro. Será que vai ter algum efeito educacional? Duvido.

Muitos estudos científicos, realizados em todo o mundo, têm provado repetidamente a total falta de embasamento fatual para tudo isso. O que se sabe até agora é que a energia gerada pelo corpo humano em quantidades significativas se restringe ao trabalho mecânico executado pelos músculos e a alguma energia química dentro do organismo. Os campos energéticos gerados pelas células são fraquíssimos e tem um alcance de uns poucos milésimos de milímetros. Já pode ser medido o campo magnético gerado pela atividade elétrica dos neurônios, por exemplo, usando um aparelho chamado eletromagnetoencefalógrafo. Sua intensidade é cerca de 6 milhões de vezes menor que o campo magnético terrestre! Aliás, é ótimo que assim seja. Já imaginaram o enorme curto-circuito que seria gerado em nosso cérebro, caso o campo energético das células fosse muito grande?

Pessoalmente, baseio todas as minhas crenças no conhecimento cientifico. Pode parecer muito limitado, mas é o mais seguro. Podemos dizer que 99% das vitorias da humanidade sobre a morte e a doença tem origem nesse conhecimento e em suas aplicações no saneamento básico e na Medicina. Pelo menos não gera coisas horripilantes como esse grupo de magia negra que sacrifica crianças.


Correio PopularPublicado em: Jornal Correio Popular, Campinas,  6/8/92.

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