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O grito da Terra

Renato Sabbatini

Este mês de junho de 1992 marca o começo, no Rio de Janeiro, de uma das reuniões mais importantes do século entre as nações do planeta Terra: a Rio-92 ou Conferência Internacional sobre o Meio Ambiente e o Desenvolvimento. O interessante é que muitos hectares de floresta já foram derrubados para escrever sobre a própria e que, certamente, muita poluição já foi causada pelas fábricas de tinta de imprensa. Entretanto, não custa colocar aqui algumas de minhas opiniões sobre o assunto.

Que o ambiente terrestre corre sérios perigos, não há dúvida. O temível buraco na camada de ozônio da troposfera, que é essencial para nos proteger dos efeitos nocivos da radiação ultravioleta do sol, espraiou-se de forma assustadora neste ano. Diversos países desenvolvidos do hemisfério norte, onde o buraco é menor do que na Antártida, estão sendo atingidos, e o déficit do ozônio foi detectado até em regiões mais próximas do Equador. No sul do Chile, os pastores de ovelhas notaram um espantoso aumento de cataratas em seus animais, e os coelhos selvagens podem ser pegos com as mãos, porque estão cegos pela radiação excessiva. Os zoólogos já estão falando na possível extinção de milhares de espécies diurnas, e na devastação da principal fonte de alimento na Terra, que é o zooplâncton (explica-se: o ciclo reprodutivo deles esta sendo deflagrado antes do tempo, pois eles são "acordados" ao final do inverno pelo aumento do ultravioleta).

O pior é que os gases organoclorados e organofluorados (CFCs) que estão destruindo o ozônio ficarão na troposfera por mais de 100 anos ainda, mesmo se a sua produção parasse totalmente hoje. Portanto, a radiação ultravioleta poderá atingir níveis altíssimos neste e no próximo século, e ninguém tem a menor idéia de como consertar essa situação. O irônico é que a poluição das grandes cidades pelos automóveis produz um excesso de ozônio, que não sobe para a troposfera e fica nos envenenando aqui em baixo (ele é tóxico para o organismo). Se pelo menos inventássemos um jeito de expedi-lo para onde está faltando...

Outra ameaça é representada pelo efeito estufa, ou aquecimento global. O excesso de gás carbônico jogado pelas queimadas, combustível fóssil e indústria na atmosfera parece ser o responsável por um aumento, já detectado, da temperatura média da Terra. Se isso realmente continuar, poderá representar uma catástrofe: aumento das áreas desérticas, alterações climáticas massivas, e elevação do nível do mar são apenas algumas delas. Novamente, o Homo industrialis finge que não é com ele, e faz muito pouca coisa para deter a perigosa tendência.

Tudo isso esta sendo bastante agitado e comentado em todo o mundo, e levou até o nascimento de uma nova “raça” política e ideológica, os "verdes". Entretanto, minha opinião, como cientista, é que devemos analisar tudo com a cabeça muito fria. Existe ainda muita coisa que não sabemos sobre o ambiente e sua regulação.

As recentes erupções vulcânicas, por exemplo, tem um efeito muito mais forte e longo sobre a temperatura da Terra do que o gás carbônico produzido artificialmente. A gigantesca massa de água dos oceanos parece ter um efeito compensador, que absorve o excesso de CO2 produzido, e tende a mantê-lo constante, a longo prazo. Geologicamente falando, 100 anos representam um tempo desprezível perto da escala de mudanças do ambiente. Não nos esqueçamos que o Mediterrâneo já foi um deserto, a Antártida um paraíso tropical, e os Estados Unidos parte de um grande mar, e que nem por isso a vida na Terra sofreu interrupção. Os próprios níveis de CO2 e de ozônio da atmosfera já foram bastante diferentes dos atuais, no passado remoto.

Portanto, não faz muito sentido, cientificamente, prever catástrofes e tendências baseadas em dados de apenas alguns anos, que podem estar representando apenas minúsculas flutuações aleatórias que logo se reverterão. Um pouco de humildade perante as forças da natureza não nos fará nenhum mal. As forças que o homem pode colocar em jogo por sua iniciativa são absolutamente ridículas perto das da natureza. Um único furacão e uma erupção vulcânica das grandes liberam mais energia do que a explosão de centenas de bombas termonucleares ao mesmo tempo.

O aquecimento do mar e as alterações climáticas provocadas em uma única estação pelo fenômeno conhecido como El Niño equivalem à produção de todas as usinas energéticas terrestres durante milhares de anos. Enfim, um aumento das explosões solares durante dois ou três anos afeta mais o clima e a vida na Terra do que qualquer coisa que possamos fazer ou imaginar, agora ou no futuro distante.

As conclusões destes estudos têm muita importância, pois devemos julgar com maior precisão qual é a relação custo/beneficio de tudo isto. A maioria das nações industrializadas se recusa a modificar seus hábitos e padrões de produção, e, politicamente, quer jogar a culpa nas sociedades em desenvolvimento, que estariam sacrificando o ambiente da Terra em função do progresso (como se eles não tivessem feito isso durante séculos). Nos sentimos, com razão, injustiçados.

Agora que chegou a nossa vez, temos que bloquear o progresso urbano e industrial? Para isso, teoricamente, serviria a Rio-92: descobrir como se desenvolver sem destruir mais ainda o ambiente. Mas só teoricamente, porque, ao que parece, ninguém vai conseguir se entender: os interesses e os privilégios em jogo são grandes demais.

Correio PopularPublicado em: Jornal Correio Popular, Campinas, 04/06/1992 .

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