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A autópsia do World Trade Center

Renato Sabbatini

A rápida e total destruição das duas torres gêmeas do World Trade Center, no ataque terrorista de 11 de setembro de 2001, trouxe muitas conseqüências para a engenharia de grandes estrututuras. Críticos mais radicais chegaram a sugerir que a era dos arranha-céus gigantescos estaria chegando ao fim.

No entanto, os engenheiros não se abalaram. Acostumados a enfrentar qualquer tipo de desafio, como construir prédios de 100 andares em zonas de terremoto (em São Francisco, Cidade do México e Tóquio por exemplo), capazes de resistir a tremores fortíssimos, eles acham que os novos arranha-céus a serem construidos terão que incorporar tecnologias capazes de torná-los resistentes a atentados com bombas e a colisão de aviões. Na semana seguinte ao atentado de Nova Iorque, a National Science Foundation, uma organização do governo americano que financia projetos de pesquisa, concedeu um auxílio de emergência a quatro engenheiros de grandes universidades americanas para começarem a fazer o que eles mesmo denominaram de uma "autópsia do WTC". O objetivo é entender quais foram as razões do colapso estrutural que derrubou as torres, e como evitar que isso aconteça novamente. Será um trabalho duro, pois no local do sinistro sobraram 300 mil toneladas de aço retorcido e um milhão de toneladas de cimento pulverizado.

Como todos sabem, os dois prédios foram atingidos por aviões a jato comerciais, cada um pesando 200 toneladas, voando a 500 km por hora, e carregando 15 toneladas de querosene de aviação. Os pilotos suicidas maximizaram o impacto das aeronaves, ao voarem com as asas inclinadas em 45 graus. Deste modo, um número maior de andares foi atingido, aumentando a probabilidade de destruição de vidas e de colunas de sustentação.

Os primeiros resultados das análises feitas mostraram que apenas o impacto das colisões não teria derrubado as torres. Um avião é feito de uma casca muito fina de aço, alumínio e titânio, que se fragmentou instantaneamente ao bater nas colunas de aço que sustentavam os andares do prédio. O WTC, considerado um projeto praticamente perfeito do ponto de vista da engenharia, tinha andares de 60 por 60 metros, formados por placas de concreto protendido de 10 cm de espessura. Essas placas repousavam sobre vigas horizontais de aço estrutural, que eram presas, por sua vez, a dois perímetros de colunas verticais de aço, um interno e outro externo. Os engenheiros que analisaram os destroços encontraram provas de que em grande parte as colunas verticais resistiram ao impacto, e as que foram cortadas não foram suficientes para abalar os andares.

O que realmente causou a queda foi o amolecimento das vigas horizontais, causadas por temperaturas de até 1.800 graus C, decorrentes do incêndio do combustível e das estruturas inflamáveis no interior dos andares. Com isso, elas cederam, e os pisos de concreto começaram a se quebrar. O peso imenso dos andares acima do incêndio provocou o que eles chamaram de  "efeito panqueca", uma verdadeira implosão de cima para baixo. Se as torres não fossem tão fortes, muita gente mais não teria escapado: uma delas agüentou uma hora, e a outra quase duas horas, permitindo que muita gente nos andares de baixo fugissem a tempo. Segundo os engenheiros encarregados da autópsia, um aumento de custos de apenas 1 a 2% na construção do prédio poderia ter aumentado esse tempo em várias horas, e reduzido consideravelmente o impacto das aeronaves na estrutura.

Argumentou-se que ninguém seria capaz de adivinhar que um ataque desse tipo algum dia seria feito. No entanto, prédios tão altos, no meio de um dos tráfegos aéreos mais intensos do mundo, precisam se precaver contra desastres não intencionais desse tipo. Aliás, quando o primeiro avião chocou-se contra o prédio, todo mundo pensou que era um acidente, e não um atentado. Durante a II Guerra aconteceu a colisão de um bombardeiro contra o Empire State Building, e ele resistiu.

Leigos não imaginam o trabalho imenso envolvido na construção desses super-arranha-céus. Ela é possível somente graças a computadores e softwares especiais, que realizam cálculos tremendamente complexos, chamados de "cálculos de elementos finitos". Para isso, a estrutura projetada do prédio é dividida em dezenas ou centenas de milhares de elementos estruturais menores (fundações, lages, vigas, paredes, colunas e pisos), e para cada um deles são especificados parâmetros de dimensão, resistência de material, etc. Usando conhecimentos da física estática e dinâmica e de comportamento de materiais rígidos sob forças em várias dimensões, o software calcula as cargas que incidirão sobre cada ponto do prédio, e permite especificar as dimensões dos elementos de estrutura do prédio. Além das cargas estáticas normais, os engenheiros adicionam ao modelo de computador cargas dinâmicas provocadas pelo vento, movimentação do terreno (inclusive terremotos), acúmulo de gente e de móveis, água de chuva, gelo e neve, e impactos por colisão. Desta forma, podem calcular precisamente, sem desperdícios, quanto deverá ser gasto de material para conferir a resistência desejada.

Historicamente, as mudanças nos padrões de segurança dos prédios tem sido provocadas por grande tragédias. No Brasil, por exemplo, as portas corta-fogo, as plataformas para helipontos, as torres externas contendo as escadas, etc., surgiram como resposta a incêndios catastróficos, com muita perda de vidas, como o famoso Joelma, em São Paulo. Depois do dia 11 de setembro, a engenharia nunca mais será a mesma, como tantas outras coisas no mundo…
 


Correio PopularPublicado em: Jornal Correio Popular, Campinas,  16/11/2001.

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