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Tumores urbanos e a crise da eletricidade

Renato Sabbatini

Os problemas que o Brasil está tendo com o racionamento de energia elétrica me levaram a refletir um pouco mais adiante sobre quais seriam as suas causas verdadeiras. Dizer que o governo "esqueceu-se" de investir é simplista demais. Não dá para imaginar uma coisa dessas. Existem órgãos de planejamento energético em nível federal e estadual, com centenas de especialistas, que fazem apenas isso. Ou será que é alguma coisa que está errada em nosso modelo de desenvolvimento? Até quando a nossa tremenda concentração industrial e de renda conseguirá se sustentar? Será que a crise de energia elétrica não é uma das conseqüências funestas deste modelo?
Para se ter uma idéia, o estado de São Paulo, com aproximadamente 20% da população brasileira, concentra 40% do Produto Interno Bruto e 60% da Produto Industrial Bruto. A Grande São Paulo, sozinha, representa mais de 13%. Defendo a tese de que este é, paradoxalmente, um indicador que se correlaciona diretamente com a queda da qualidade de vida, instabilidade urbana e problemas que acompanham as megalópolis descontroladas, das quais São Paulo e Cidade do México são dois exemplos lapidares. E por que?

O modelo é descontrolado porque, para usar um conceito da teoria de sistemas, ele é de "retro-alimentação positiva", ou seja, em palavras mais populares, trata-se de um "círculo vicioso". Quanto maior a cidade, maior o mercado de emprego e de consumo. Portanto, mais atrativo se torna morar na cidade, e estabelecer fábricas. As distâncias entre produtor e consumidor, empregador e empregado, se encurtam. Isso, por sua vez, aumenta mais ainda o mercado. A progressão continua (e isso já foi, em eras passadas, motivo de orgulho para cidades como São Paulo) até que o tecido urbano começa a desmoronar e a travar. De repente, as distâncias curtas não são mais uma vantagem, pois o trânsito torna as viagens muito longas. A poluição e as dificuldades de suprimento de água, esgotos, energia e transportes acumulam-se exponencialmente e uma solução de custo razoável torna-se impossível. Todo o dinheiro ganho de um lado, na produção e no emprego, é gasto do outro, com os atrasos, os erros, e a necessidade de expandir uma infra-estrutura cada vez mais cara. A degradação do meio ambiente torna-se insuportável.

O crescimento tumoral da megalópole é, portanto, fruto de falta de planejamento de crescimento, emigração e imigração, e estabelecimento de novos pólos. Os governos da década dos 60s e 70s até que tentaram, através de programas de incentivo fiscal, como as malfadadas superintendências de desenvolvimento regional, como a SUDENE e SUDAM. Transformaram-se em ralos de dinheiro público, antros inacreditáveis de corrupção. Será que se não tivessem existido, o resultado teria sido o mesmo, por evolução espontânea?

Já morei em muitas cidades, de muitos tamanhos e características, no Brasil e no exterior. Minha observação pessoal é de que 1,5 a 2 milhões de habitantes é o máximo tolerável de crescimento para uma cidade. Mesmo assim, só se for rica e muito bem administrada. Uma cidade deste tamanho num país como a Zâmbia é uma catástrofe. Na Alemanha, é uma cidade fantástica (Munique, por exemplo). A conclusão é de que o tamanho ideal de uma metrópole depende da riqueza e do grau de "inteligência urbana" de uma nação. Nossa cidade, Campinas, evidentemente já ultrapassou esse limite, e cidades como Jundiaí, Baurú, São José dos Campos, passam a ser muito mais atrativas.

Quando a energia elétrica começou a ser oferecida para os centros urbanos, no fim do século 19 e no começo do século 20, não existiam poucas usinas geradoras, concentradas em alguns pontos, como é a norma hoje. Existiam milhares de pequenas usinas, a maioria hidroelétrica, situadas mais perto dos centros consumidores. O custo de geração era mais caro, por kW/h, mas o de distribuição, muito mais barato. Quando ocorreu a explosão de crescimento industrial no Brasil, na década dos 50s, a alternativa escolhida pelo governo (por vários motivos, incluindo $$$$) foi o de construir usinas muito grandes, distantes dos centros urbanos. O preço do kWh despencou, a oferta cresceu e isso era necessário para sustentar o Brasil Grande. Agora vemos que os especialistas que lutaram por usinas nucleares tinham uma visão de longo prazo, ao preverem que o Sul/Sudeste teriam que diversificar logo suas fontes de energia. No entanto, foram derrotados pela opinião de esquerda/ecoativista, e o programa brasileiro de geração de energia a partir de fontes nucleares é um dos mais modestos do mundo, apesar de todo nosso potencial nessa área. Inclusive certos especialistas acadêmicos brasileiros que mais acidamente criticaram o programa nuclear brasileiro, foram os primeiros a reclamar da falta de planejamento energético de longo prazo do governo brasileiro…

Creio que o modelo europeu de tecnópolis de menor porte, sem degradação do meio ambiente, seria uma alternativa muito mais racional para o Brasil. As usinas hidroelétricas, termelétricas e nucleares de pequeno porte, próximas aos centros consumidores, se tornarão uma realidade, e se multiplicarão enormemente. Outras fontes de energia, como a solar, fissão nuclear, eólica, etc., serão economicamente e técnicamente viáveis, em plantas compactas e dedicadas a uma área geográfica menor. Dependeremos menos de um sistema gigantesco e sensível a eventos de conseqüências catastróficas, como o famoso "apagão de Bauru", que supostamente ocorreu quando um único raio derrubou um nodo essencial da grade de distribuição do estado.

Mas, para que tudo isso ocorra, será necessário mudar radicamente nosso atual modelo de desenvolvimento.


Correio PopularPublicado em: Jornal Correio Popular, Campinas, 25/5/2001 .

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