Aprendendo por imitação

Renato Sabbatini

Outra forma interessante que vem do reino animal é o aprendizado por imitação. Um gatinho, por exemplo, aprende a caçar presas observando a gata-mãe. Através da repetição supervisionada (a mãe, por exemplo, inicia o aprendizado usando um rato morto, depois aumenta o grau de dificuldade, até que o gatinho se saia bem em desempenho "solo" com presas vivas.). Outro exemplo: muitas espécies de aves canoras aprendem a cantar padrões complexos e maviosos, imitando o canto de outros pássaros, mais maduros. Todo criador de canários sabe que ele tem que ter mais de um, para que o canto se aperfeiçoe: canários criados em isolamento desde o nascimento cantam, mas cantam muito pior do que os outros, criados "em sociedade".

São metáforas interessantes para a nossa sociedade. O Brasil precisa cada vez mais de exemplos edificantes, e de aprendizado através da imitação dos bons. Modificando ligeiramente um ditado popular, "imite os bons e tornar-te-ás um deles". Infelizmente, nosso país tem uma forte carência nesse sentido, e o que temos disponível para imitar leva muitas vezes a resultados daninhos para a sociedade. Maus exemplos podem não ser reconhecidos como tais, e. é lógico, levando naturalmente à antítese: "imite os maus e tornar-te-ás um deles".

Quais são nossos modelos de sucesso? (entendendo-se, aqui, sucesso medido em grau de conhecimento pela população, centímetros ou segundos gerados na mídia, e dinheiro na conta de banco). Artistas de novela com mais boa aparência do que talento artístico. Loiras gostosas com QI duvidoso, corpos plastificados e programas de tevê inqualificáveis. Políticos comprovadamente corruptos (contem quantos votos Maluf teve, e dividam pelo número de processos em que ele foi condenado pela Justiça). Empresários que fizeram fortuna por meios altamente suspeitos. Animadores de auditório com programas bizarros e ganhos mensais obscenos. Dondocas e filhinhos de papai da alta sociedade, sem meios visíveis de sustento. Jogadores de futebol com salários escandalosos e pouca produtividade. Garotas de programa em novelas. E por aí vai…

Um bom exercício é o seguinte: realizem um levantamento de todas as fofocas e matérias intituladas "fulano de tal em sua intimidade" que sairam na frívola revista "Caras" e sua ampla safra de imitações, e contem quantos cientistas, médicos, filântropos, políticos sérios, empreendedores sociais e músicos clássicos apareceram...

São essas as pessoas que nossos jovens têm para imitar??

O ser humano, como todo animal mamífero, aprende muitas coisas por imitação, a tal ponto que esta é um dos recursos mais usados na educação. Isso ocorre em todas as áreas e níveis, desde a alfabetização básica (imitar com um lápis, no caderno, as letras escritas pela professora na lousa, e repetir o exercício exaustivamente até conseguir uma imitação perfeita) até a cirurgia cardiovascular. Existem profissões inteiras em que o aprendizado é quase que exclusivamente por imitação (carpintaria, por exemplo), ou fortemente baseada nela.

Mas o aprendizado por imitação não fica confinado, como poderia parecer pelos exemplos que eu dei, às tarefas motoras repetitivas. Também ocorre na área da linguagem falada (não é à toa, por exemplo, que as pessoas residentes na região de Piracicaba têm um sotaque típico), hábitos e costumes (como pentear o cabelo, dar nó na gravata, paquerar…), comunicação social (como os gestos, saudações e maneirismos típicos de uma cultura), formas de ação e reação, rotinas pessoais, e muitas outras mais.

A forma de aprendizado por imitação mais importante que existe, no entanto, é a que os americanos chamam de "model roles", ou de papéis sociais. Nossos primeiros modelos de imitação são os nossos pais. Em seguida imitamos nossos irmãos, primos ou coleguinhas de rua e de escola. Os professores são outra importante fonte de modelos pessoais. É por isso que a educação é essencialmente um processo social, onde é tão importante a construção gradativa de uma personalidade própria têm determinantes baseados na imitação de modelos morais, pessoais, éticos, de conduta, de profissão, de personalidade, etc. Podemos dizer que nossos anos formativos são em grande parte gastos observando e imitando outras pessoas.

Pode parecer que tentamos imitar apenas as pessoas que admiramos, mas os cientistas sabem que isso não é verdade.Imitamos também a quem têm influência sobre nossas vidas, ou que têm uma presença simplesmente grande demais. Crianças raramente imitam por admiração, pois elas não tem ainda parâmetros que permitam avaliar, valorizar, admirar ou rejeitar uma personalidade modelo. É por isso que a presença dominadora de modelos sociais inadequados, em idades tenras, têm que ser obrigatoriamente proibidos, censurados ou vetados na mídia de massa, quando ela atinge de forma indiscriminada e sem controle a população infantil. É uma questão de bom senso e da força de um sólido conhecimento científico que temos a respeito o papel do aprendizado por imitação e dos modelos pessoais no desenvolvimento das crianças.

Infelizmente estamos transformando os nossos programas de tevê em poderosissimas fontes de modelos e exemplos nocivos.

É por isso que não entendo essa gritaria e essa polêmica criada pelos ultraliberais sobre a proibição do uso de crianças em novelas pela Rede Globo e outras emissoras. Está na cara que as coisas horrendas que elas nos impingem diariamente estão fazendo mal não somente aos pequenos atores, como também às crianças que as assistem, sem controle parental.