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Olimpíadas e Pobreza no Brasil

 

Renato Sabbatini

Deu na imprensa: o fracasso do Brasil nas Olimpíadas da Austrália repercutiu na moral nacional. Ficamos em 52o. lugar no "ranking" das medalhas, sem nenhum ouro, nem mesmo nos esportes que fizeram a glória do Brasil em anos recentes, como futebol, basquete e vôlei.

A Folha de São Paulo, em enorme manchete, chamou a atenção para o fato de que esse vergonhoso "ranking" esportivo não é um fato isolado. Para um país que está entre os cinco maiores do mundo em tamanho e população, e entre as dez maiores economias do planeta, a nossa colocação nos outros índices é espantosa: estamos em 39o. lugar no Índice de Pobreza Humana, em 74o no índice de Desenvolvimento Humano, em 76o em taxa de analfabetismo, em 108o em taxa de mortalidade infantil, e em 125o em eficácia do sistema de saúde (polêmica, e talvez, injusta classificação da Organização Mundial de Saúde, que foi contestada pelo ministro Serra, mas que não deve ser muito melhor do que a 60a ou 70a classificação, se for corrigida).

Como é possível haver tamanha disparidade entre o tamanho da economia e os índices sociais brasileiros?

A resposta é direta e clara: só temos tamanho, somos uma espécie de gigante pobre (deitado eternamente em berço esplêndido, etc.). A área é grande por "culpa" dos portugueses, bandeirantes e invasores brasileiros da Amazônia, a população é grande porque nunca existiu planejamento familiar, populacional ou de ocupação territorial. Ser a décima ou décima-primeira economia em tamanho absoluto não significa nada: o que vale é a renda "per capita", que é baixissima.

A pobreza no Brasil é como uma doença hereditária, que se espalha de pai para filho, é como uma infecção social, que se espalha pela comunidade. Como disse nosso presidente-cientista-sociólogo, Fernando Henrique Cardoso, o pobre é pobre porque tem amigos pobres. Eu diria que o pobre é pobre porque a sociedade não lhe garante educação de qualidade. A sociedade brasileira tem um dos índices mais baixos do mundo de mobilidade e ascensão social, e uma distribuição de renda escabrosa, pois o nosso sistema educacional faz de tudo (ou não faz nada) para atrapalhar. Em qualquer sociedade, a ascensão social é conseguida através da educa& todos os niveis (mas, principalmente, no primeiro e segundo graus), o acesso gratuito aos serviços de saúde, os programas de alimentação suplementar, como a merenda escolar e os programas de nutrição da gestante, do recém-nascido e dos trabalhadores, o transporte subsidiado para a escola e para o trabalho, os programas de material e livro escolar gratuitos, etc. Se esses programas fossem realmente universais para as classes C e D, e se eles funcionassem com eficiência, equalidade e qualidade, seriam um mecanismo poderoso de ascensão social. Citando um exemplo óbvio (detalhe: não sou socialista), Cuba tem baixos salários nominais, bem mais baixos que os brasileiros, e tem educação e saúde de boa qualidade. Ao estudar mais e conseguir ascender socialmente por ocupar postos de trabalho mais bem pagos, o indivíduo sai do armadilha sufocante do salário mínimo: gradativamente, uma parcela cada vez menor da população estará nessa faixa de renda.

O único perigo dessa argumentação, está claro, é se não houver empregos para os estudantes que egressam dos vários níveis intermediários de formação. Aí, estudar alguns anos a mais não vai adiantar nada, não vai ter repercussão sobre a ascensão social. É o que também está acontecendo em nosso país, mas, novamente, acho que a sociedade tem uma dinâmica muito mais complexa que isso. A sociedade progride à medida que seus integrantes progridem, ou é o contrário? Ou os dois? Na verdade, são processos interligados, mas raciocinando no limite, uma sociedade cheia de indivíduos bem-educados não fica parada: esses indivíduos mostram um empreendedorismo que acaba por enriquecer a economia e as iniciativas que repercutem sobre o nível de renda e o poder aquisitivo.

E aqui completamos o círculo, e voltamos ao tema do início do artigo: esportes, saúde, educação e renda estão estreitamente correlacionados. Sem um povo bem-educado, saudável e incentivado desde criança a participar de esportes e ser competitivo, nunca conseguiremos atingir um nivel europeu, russo ou norte-americano. De novo, basta ver Cuba: com uma população que é um décimo da brasileira, e com metade da nossa delegação olímpica, levou 11 medalhas de ouro, 11 de prata e 7 de bronze, ficando em nono lugar.

 

Correio PopularPublicado em: Jornal Correio Popular, Campinas, 6/10/2000.

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