Edição 1 723 - 24 de outubro de 2001

Geral Medicina
   

Ajuda aos aflitos

Facilidade de acesso a informações
médicas na internet provoca uma
revolução na relação médico-paciente

Flávia Varella


Fotos Oscar Cabral
Roney Silva desistiu dos médicos brasileiros: "Sem a internet, eu estaria pior" Pedro Prado tem câncer, mas pesquisa pouco sobre a doença: "Senão enlouqueço"

Sem poder dormir por causa da dor constante e angustiado com a perspectiva de nunca mais mexer o braço esquerdo, Roney Silva passava as madrugadas conectado à internet. As palavras que digitava nos serviços de busca eram sempre as mesmas: "lesão do plexo braquial". Desde um acidente de moto, em julho de 1998, Roney se submetera a uma cirurgia e consultara seis médicos. Nenhum lhe deu esperança. O jovem corretor de seguros trocou os médicos pela internet. Descobriu o site de um hospital americano, que lhe garantia recuperação de 70% dos movimentos do braço em quatro anos. Silva viajou para os Estados Unidos, fez duas cirurgias lá e ficou satisfeito. "Eu estava torto, tinha o ombro caído, agora mexo o ombro e me apóio no braço. Sem a internet, eu estaria bem pior", diz. Silva nunca mais telefonou para os médicos brasileiros que cuidavam dele, inclusive o que o operou, Tomaz Nassif, especializado em microcirurgia.

"O Roney foi ludibriado", opina Tomaz Nassif. "Ele tem uma lesão irreversível, mas está obcecado pela cura." Para o cirurgião, a internet possibilitou que médicos se aproveitassem da obsessão do paciente. "O leigo não tem os conhecimentos científicos para separar o que é verdade do que é marketing", acredita. Há cinco anos, desavenças como essa entre Silva e Nassif eram raras. Poucos pacientes tinham disposição e meios para procurar informações sobre seus males em bibliotecas, revistas médicas e hospitais no exterior. Com a internet, as informações estão na ponta do indicador, é só clicar. A atração é irresistível. Segundo uma pesquisa da Pew Internet and American Life Project, mais da metade dos internautas americanos usam a rede pelo menos uma vez por mês para se informar sobre saúde. E 47% dos entrevistados, de acordo com a pesquisa, são influenciados pelo que colhem (veja quadro abaixo). No Brasil, 360.000 pessoas pesquisaram sites de saúde no mês passado.

"A internet provocou uma revolução na relação médico-paciente", diz Renato Sabbatini, do Núcleo de Informática Biomédica da Unicamp. "O médico caiu do pedestal", completa. Para os pacientes, conhecer detalhes de sua doença funciona psicologicamente como um antídoto para a passividade inerente à condição de paciente, resignado a engolir comprimidos. Para boa parte dos médicos, doentes bem informados são mais fáceis de curar. Participam das decisões, entendem a importância de que cada passo do tratamento seja seguido à risca e, eventualmente, suportam melhor as más notícias. Mas a internet também pode ser fonte de angústia. O engenheiro Pedro Octavio Prado viaja pela rede com freqüência por causa do trabalho, mas com o tema saúde é cauteloso. Em tratamento contra um câncer de fígado com metástase, ele só pesquisa o assunto quando tem uma pergunta específica. "Tento preservar minha sanidade psicológica. Estatísticas, por exemplo, não leio, senão enlouqueço", conta.

Viagem adiada – Para o infectologista Artur Timmerman, a busca de informações médicas pelos leigos tem mais desvantagens que vantagens. "A maior parte do que aparece na internet é abobrinha, e, quando o paciente traz esse tipo de informação, a consulta é desviada para temas que não precisariam ser abordados", explica. Um estudo publicado no Journal of the American Medical Association no início do ano avaliou sites de saúde. Os pesquisadores encontraram informações corretas e completas em apenas 45% deles (veja quadro abaixo). A acurácia das informações preocupa. A Associação Médica Brasileira montou uma comissão para avaliar a questão e determinou que toda informação disponibilizada deve ter um médico responsável, que poderá ser punido se ela prejudicar alguém. O Conselho Regional de Medicina de São Paulo editou um manual de ética para sites.

"Há muitos dados com viés, apresentados como informação científica, que, na verdade, funcionam como marketing de profissionais, de hospitais e de empresas farmacêuticas", diz Reynaldo Brandt, presidente do Hospital Albert Einstein, um dos mais conceituados de São Paulo. Mas, assim como existem as ressalvas médicas, há histórias em que a internet só ajudou. A carioca Maria da Conceição Braga, de 75 anos, deve muito de seu bem-estar atual à internet – e também à nora Maria Isabel Braga. Preocupada com o sofrimento da sogra, cuja saúde piorava, num caso para o qual não havia diagnóstico, Isabel fez uma pesquisa na internet com as palavras "secura na boca", o sintoma mais evidente de Conceição. Descobriu uma síndrome chamada Sjögren. Pela internet, Isabel encontrou um especialista e marcou consulta. Chegou falando de sua suspeita e a doença foi confirmada. "Agora que tomo os remédios certos, não sinto dores e vivo bem", diz Conceição. Quando não tratada, a síndrome de Sjögren evolui e ataca rins, pulmões, fígado, pâncreas e cérebro, podendo levar à demência. De vez em quando, Isabel ainda pesquisa sobre a doença em seu computador para ver se há novidades que possam ajudar a sogra.