Edição 1 716 - 5 de setembro de 2001

Geral Comportamento

A dor de nunca
saber o bastante

O excesso de informação provoca
a angústia típica dos tempos atuais
e leva à conclusão de que, às vezes,
saber demais é um problema

Cristiana Baptista

Montagem Anderson Marçal

O eterno sentimento humano de ansiedade diante do desconhecido começa a tomar uma forma óbvia nestes tempos em que a informação vale mais que qualquer outra coisa. As pessoas hoje parecem estar sofrendo porque não conseguem assimilar tudo o que é produzido para aplacar a sede da humanidade por mais conhecimento. Alguns exemplos dessa síndrome:

Uma edição de um jornal como o New York Times contém mais informação do que uma pessoa comum poderia receber durante toda a vida na Inglaterra do século XVII.

Todos os anos é produzido 1,5 bilhão de gigabytes em informação impressa, filme ou arquivos magnéticos. Isso dá uma média de 250 megabytes de informação para cada homem, mulher e criança do planeta. Seriam necessários dez computadores pessoais para cada pessoa guardar apenas a parte que lhe caberia desse arsenal de conteúdo.

Atualmente existem mais de 2 bilhões de páginas disponíveis na internet. Até o fim do ano esse número estará beirando os 3 bilhões.

Até o início dos anos 90, a televisão brasileira tinha menos de dez canais. Hoje há mais de 100 emissoras no ar, em diversas línguas, com especialidades diferentes.

Os americanos compram uma quantidade superior a 1 bilhão de livros por ano. Mais de 43% dos americanos que declaram ser consumidores vorazes de literatura lêem cinco deles por ano. De acordo com a mesma pesquisa, 7% dos compradores dizem ler mais de cinqüenta livros por ano.

Por trás desses elementos, há um fenômeno mais geral. Países, empresas, escolas, famílias estão se rearticulando em outros modelos numa velocidade nunca vista. Mudar é um inferno para a maioria das pessoas. Mais infernal ainda é a sensação de que o mundo está girando a muitas rotações a mais do que nós mesmos. "O mal-estar de nosso tempo é a inadequação, o sentimento opressivo de que as outras pessoas estão fazendo as coisas certas, lendo os livros que contam e usando os computadores e programas mais modernos enquanto nós estamos ficando para trás na carreira ou nos relacionamentos", diz o americano Wayne Luke, autor de um livro que compara o ambiente de excesso de informação que existe hoje a uma "areia movediça". Luke observa que nas sociedades ocidentais as pessoas se sentem pisando em um chão não muito firme, por não conseguir metabolizar a carga de informações disponível em livros, na imprensa, na televisão e na internet. "Quanto mais sabemos, menos seguros nos sentimos", escreveu Luke.

Para tornar essa angústia ainda mais palpável, atualmente as pessoas são bombardeadas pelo desempenho de modelos excepcionais cujas façanhas ganham espaço cada vez maior na televisão, em jornais, revistas e livros de auto-ajuda. Diante desses modelos de eficiência, a maioria se sente como algumas mulheres na presença de Gisele Bündchen. Em comparação com a modelo, há sempre algo errado com elas. Sobra ou falta alguma coisa. Segundo psicólogos, na imaginação de muita gente o mundo está apinhado de Giseles corporativas ou sociais. Daí resulta inevitavelmente um sentimento de inadequação.

Rogerio Voltan
O excesso de informação não escolhe idade nem sexo. A paulistana Renata Gukovas, de 13 anos, sabe exatamente o que é isso. Ela vai à escola, estuda japonês e inglês, joga basquete e handebol e participa de competições de matemática. "O que me falta na vida? Tempo. Queria que o dia tivesse trinta horas"
Como toda ansiedade, a angústia típica de nosso tempo machuca. Seu componente de irracionalidade é irrelevante para quem se sente mal. O escritório de estatísticas da Inglaterra divulgou recentemente uma pesquisa que é ao mesmo tempo um diagnóstico. Cerca de um sexto dos ingleses entre 16 e 74 anos se sente incapaz de absorver todo o conhecimento com que esbarra no cotidiano. Isso provoca tal desconforto que muitos apresentam desordens neuróticas. O problema é mais sério entre os jovens e as mulheres. Quem foi diagnosticado com a síndrome do excesso de informação tem dificuldade até para adormecer. O sono não vem, espantado por uma atitude de alerta anormal da pessoa que sofre. Ela simplesmente não quer dormir para não perder tempo e continuar consumindo informações. Os médicos ingleses descobriram que as pessoas com quadro agudo dessa síndrome são assoladas por um sentimento constante de obsolescência, a sensação de que estão se tornando inúteis, imprestáveis, ultrapassadas. A maioria não expressa sintomas tão sérios. O que as persegue é uma sensação de desconforto – o que já é bastante ruim.

Segundo outra pesquisa feita em cinco países pela Reuters Business Information, metade dos executivos ouvidos pelos encarregados do trabalho afirmou não se sentir capaz de lidar com toda a informação que recebe. Uma terceira descoberta feita no Japão pelos pesquisadores Michael Song e Mitzi Montoya-Weiss mostra que as pessoas que trabalham com produtos de alta tecnologia são as mais afetadas. Elas tendem a ser mais inseguras de suas possibilidades profissionais que as empregadas em ramos mais tradicionais da economia. Com razão. Na vanguarda competitiva das empresas digitais, a temida obsolescência profissional é tão real quanto o ar que se respira. Tecnologias sobem aos céus da Nasdaq e descem ao purgatório da insignificância em questão de meses. Nesse setor, toda a informação disponível parece ser insuficiente para se manter à tona. O escritor americano Po Bronson, o maior cronista da civilização criada pelos zumbis do Vale do Silício, conta histórias apavorantes dessa corrida desenfreada. "Nunca houve uma disputa tão ríspida entre pessoas e empresas como a criada pela tecnologia da informação", diz Bronson.


Rogerio Voltan
Para o médico Artur Timerman, atender pacientes que fazem pesquisa na internet e, sem a menor base, querem palpitar no tratamento virou rotina. "Sem um bom conhecimento prévio, a internet é um caos que joga com a ignorância das pessoas"


A área de publicações científicas é um capítulo especial nesse terreno do excesso de dados disponíveis. Há 100 anos existiam cerca de 200 revistas científicas no mundo. Agora são mais de 100 000, 10 000 delas de medicina. Essa área ferve. Uma biblioteca eletrônica médica que arquiva os artigos das 4 800 principais revistas do ramo tem registrados mais de 12 milhões de arquivos, e a cada ano outros 700 000 entram para o catálogo. Há hoje os cybercondríacos, pessoas que por meio de pesquisas sobre saúde na internet descobrem informações que deveriam estar disponíveis apenas para médicos. São a versão 2001 dos hipocondríacos. Eles passam a apresentar sintomas imaginários. "Isso é cada vez mais comum", diz o infectologista do hospital Albert Einstein Artur Timerman. Um estudo recente feito com 17 000 internautas pelo site Netaddiction concluiu que 6% deles têm comportamento compulsivo diante da internet. Entre esses comportamentos está um francamente vicioso.
"Há pessoas que se não lêem a mesma informação em três ou quatro fontes diferentes ficam inseguras sobre sua veracidade. São 'dataholics', literalmente viciados em informação", define Renato Sabbatini, neurocientista da Universidade de Campinas.

Só agora os especialistas começam a distinguir o que é apenas uma manifestação de desconforto psicológico inespecífico de uma síndrome provocada pela correria da vida moderna. "A ansiedade por informação ainda não é considerada isoladamente. Está dentro de uma categoria denominada ansiedade por formação, que por sua vez é um dos componentes do stress associado ao trabalho", diz Márcio Bernik, psiquiatra-chefe do Ambulatório de Ansiedade do Hospital das Clínicas da Universidade de São Paulo. O Ambulatório de Ansiedade da USP ainda não pesquisa a ansiedade de informação especificamente. Mas tem atendido um número crescente de ansiosos que mencionam como causa de suas apreensões a incapacidade de absorver informações no ritmo que consideram ideal. "Ler e aprender sempre foi tido como algo bom, algo que deveríamos fazer cada vez mais. Não sabíamos que haveria um limite para isso. Está acontecendo com a informação o que já aconteceu com o hábito alimentar. Em vez de ficarmos bem nutridos, estamos ficando obesos de informação", diz Anna Verônica Mautner, psicanalista em São Paulo.

Vale a pena examinar, agora, como se sentem aqueles que a sociedade considera modelares, os vencedores na corrida profissional e social. O economista Odair Abate, há seis anos responsável pelo departamento de economia do banco Lloyds no Brasil, nos fornece um bom exemplo. É ele quem analisa os cenários econômicos nacional e mundial e dá as diretrizes para a atuação do banco. Como fontes de informação, Abate lê jornais, revistas e os relatórios de uma consultoria econômica. Consulta regularmente seu banco de dados, sabatina freqüentemente dois ou três políticos com quem mantém contato. Além disso, acessa sites exclusivos e caros na internet que lhe trazem informações fresquinhas 24 horas por dia. E como Abate se sente depois de carregar todos os seus neurônios com informações de primeira linha? "Tenho a nítida sensação de não ter lido tudo o que deveria. Isso me deixa ansioso. Felizmente, depois de muitos anos de trabalho, aprendi a lidar com isso e reduzir minha margem de erro", diz Abate.

Marcos Bergamasco
A vida no campo também está sendo contagiada pela síndrome da informação. Em Nova Mutum, Mato Grosso, o fazendeiro Sérgio Nogueira paga cerca de 500 reais por mês para ter acesso à internet. "Sem acompanhar a Bolsa de Chicago ou a previsão do tempo, não sei quando plantar ou vender meu produto. Aqui, informação vale ouro"

Entre os vencedores, no imaginário das pessoas, estão sem dúvida os executivos com formação de padrão internacional, os diplomados dos cursos de MBA, o famoso Master in Business Administration. Pois bem, eles igualmente se sentem atolados em palavras, números, gráficos, imagens e sons. "Vivemos angustiados com tanta informação", diz Renato Cotta de Mello, coordenador do MBA da Universidade Federal do Rio de Janeiro. "Nosso curso é freqüentado por executivos de 35 a 37 anos que já sabem muita coisa. O objetivo é ensiná-los não a acumular mais conhecimento, mas a colocar o que sabem dentro de um contexto que faça sentido prático." Os professores dessas escolas, tanto no Brasil quanto nos Estados Unidos, investem boa parte de sua energia em alertar os alunos para o fato de que não há esperança de que as exigências do mercado diminuam. "O grande desafio para esses estudantes é aprender que antes de gerenciar um negócio é preciso aprender a gerenciar a própria ansiedade", resume Alberto Luiz Albertin, professor e coordenador na área de negócios da era digital da Fundação Getúlio Vargas.

Isso é possível? Talvez para alguns, dificilmente para todos. O que se sabe ao certo é que a multiplicidade de informação sempre gera desconforto. "Há dados demais e eles muitas vezes não são confiáveis. Por isso a ansiedade é uma constante em minha vida. Além de rastrear tudo o que posso na internet, ainda checo o que descubro em fontes tradicionais, em geral mais confiáveis", diz o advogado José Eduardo Carneiro Queiroz, paulistano de 30 anos, especialista em mercado de capitais. Queiroz é o mais jovem sócio do escritório de advocacia Mattos Filho, de São Paulo. É também o que mais utiliza a internet como fonte de informação. "Meus clientes são instituições financeiras e empresas com títulos nos mercados de ações, que geralmente precisam de respostas imediatas. Dependem de eu estar a par de um acontecimento, uma mudança de regra. Preciso ser extremamente bem informado", afirma.

O americano Richard Saul Wurman, autor dos livros Ansiedade de Informação e Ansiedade de Informação2, este último lançado no final do ano passado nos Estados Unidos e ainda não publicado no Brasil, sugere que as pessoas encarem o mundo como um grande depósito de material de construção. E o que fazer com a matéria-prima? Ora, diz ele, seja um arquiteto de sua própria catedral de conhecimento. A arma para isso é a "ignorância programada", ou seja, a escolha criteriosa do que se quer absorver (veja mais detalhes das idéias de Wurman). O resto deve ser deixado de lado, como o compositor que intercala pausas de silêncio entre as notas para que a música faça sentido aos ouvidos. "A ansiedade de informação é o buraco negro que existe entre os dados disponíveis e o conhecimento. É preciso escapar dela", observa Wurman. Ou, ao menos, não deixar que ela assuma proporções dolorosas para quem precisa ultrapassá-la no dia-a-dia.

 

Sinais do naufrágio

Se você apresenta alguns dos sintomas abaixo, é sinal de que também sofre de angústia da informação

Por mais esforço que faça, não consegue sentir-se atualizado com o mundo a sua volta

Sente-se culpado cada vez que olha para a pilha de jornais e revistas e o volume de e-mails recebidos que não conseguiu ler

Fica abatido quando uma pesquisa na internet resulta num documento de dezenas de páginas, pois acredita que, se não ler todas elas, não saberá tudo o que deve sobre o assunto

Acena afirmativamente, sem convicção, sempre que alguém menciona um livro, um filme ou uma notícia de que você, na verdade, nunca ouviu falar

Acha que o problema é seu e não do fabricante quando percebe que não consegue seguir as instruções para montar um aparelho que comprou

Cerca-se de aparelhos digitais na esperança de que a simples presença deles a sua volta ajude a torná-lo uma pessoa mais adaptada à alta tecnologia

Sente-se envergonhado quando tem de dizer "Não sei", mesmo que a pergunta se refira à sucessão no Nepal ou ao novo programa de correio eletrônico da Microsoft

Fonte: Ansiedade de Informação, Cultura Editores Associados, Richard Wurman

ENTREVISTA

"IGNORÂNCIA PROGRAMADA É FORÇA"

 

Aos 65 anos, o americano Richard Saul Wurman sustenta que, num mundo em que as pessoas são cercadas de informações por todos os lados, não saber nada sobre certos assuntos pode ser tão importante para a saúde mental quanto o silêncio o é para a música. Arquiteto por formação, construiu prédios, foi empresário, organizou eventos e durante muitos anos foi cartógrafo. Atingiu o sucesso quando resolveu criar sua própria profissão, a arquitetura da informação. Desde então, escreveu mais de 75 livros sobre os mais variados assuntos, de medicina e mercado financeiro a animais de estimação e turismo. Seu segredo? Não saber absolutamente nada sobre o tema sobre o qual vai escrever. Assim, tudo o que descobre é o que interessa à maioria das pessoas.

Como é possível escrever sobre assuntos tão diversos?
O segredo é justamente minha ignorância diante de cada assunto. Abordo cada questão como um leigo faria. O livro, assim, fica mais claro e mais bem estruturado.

Quando a informação passou a ter tanto valor?
Desde que o primeiro pirata desenhou um mapa de tesouro. A informação era fonte de poder quando a Bíblia foi escrita. Isso não mudou. O que temos, hoje, é uma explosão de dados. O que diferencia uma pessoa de outra é a capacidade de entender os dados, de transformá-los em informação útil.

Qual a diferença entre dado e informação?
A informação só é informação quando comunica algo que outra pessoa entende. Dados não são nada disso, podem ser um amontoado de números e palavras incompreensíveis. Alguns dados são informação para quem os compreende.

Como se transformam dados em informação?
Como se joga futebol? É o trabalho de uma vida, não é como aprender os passos de uma dança. É muito complexo. Por isso as pessoas ficam tão ansiosas. Porque não se sentem capazes de cumprir as tarefas a que se acham obrigadas.

Quais as conseqüências psicológicas dessa ansiedade?
Não sou médico, mas não dá para negar que, se uma pessoa em um escritório acha que a pessoa a seu lado sempre sabe mais do que ela, há problemas.

A internet é a maior fonte de informação, mas, como o senhor diz em seu livro, 80% das buscas são um fracasso. Isso vai mudar?
Acho que teremos melhores versões. A acessibilidade e as ferramentas de procura serão melhores. Em quinze anos, a internet de hoje estará irreconhecível. Um carro de 1910 não tem nada, além das rodas, que seja igual ao carro de hoje. Será o mesmo com a internet. Fico doente quando imagino que não estarei vivo para ver isso. As ferramentas de busca são primitivas, são um carro de 1910. Mas, por piores que sejam as estatísticas, o que se consegue hoje é infinitamente melhor do que há dez anos.

Qual a forma mais eficiente de transmissão de informação?
É a conversa cara a cara, olho no olho. Essa é a melhor forma de comunicar. Telefonar é melhor que escrever uma carta. Assisto a muitos documentários na televisão, eles também são boa fonte de informação. Todos os dias eu leio pelo menos dois jornais, várias revistas, falo bastante ao telefone, encontro muitas pessoas. É assim que assimilo informação. As pessoas devem escolher os próprios caminhos. Nada, no entanto, supera uma conversa pessoal.

O senhor sente ansiedade por informação?
Não. E sabe por quê? Porque me permito ser um ignorante. Esse é o truque. É preciso se permitir não saber. Só quem não sabe faz as perguntas óbvias e corretas, aquelas que quase todo mundo tem medo de fazer por serem óbvias.

Uma criança hoje está mais bem preparada para entender toda a informação disponível?
Sim e não. O que é incrível é a forma como, sozinhas, as crianças estão se familiarizando com a quantidade de tecnologia disponível. Elas não são necessariamente ensinadas a fazer isso. Aprendem simplesmente porque estão vivendo nesse ambiente sobrecarregado.