"Divã Virtual na guerra à depressão"

Por: Humberto Rezende - Correio Brasiliense - 27/09/98

É cada vez maior o número de pessoas que recorrem à Internet para expor dramas íntimos para especialistas ou curiosos

Nada de ficar em casa deprimido, achando que as "desgraças" que lhe cercam só acontecem mesmo com você. Hoje, graças ao acesso à Internet, é fácil descobrir que outras pessoas, em várias partes do mundo, entendem perfeitamente o que você está sentindo. E melhor: você já pode encontrar várias formas de auxílio por meio da rede mundial de computadores.

Protegida por um pseudônimo, uma mulher conta como foi o fim de seu casamento. Diz que está deprimida e às vezes sente que não tem mais vontade de viver. Logo, outros pseudônimos e nomes, que ninguém pode garantir se são verdadeiros, se manifestam para apoiá-la. Histórias semelhantes. Mas com final feliz, surgem na tela do computador.

O encontro certamente se estenderá por horas. Trata-se de uma de inúmeras salas de chat (conversa) temáticas disponíveis na Internet. Nelas, pessoas trocam mensagens escritas e visualizam no seu micro o que os outros participantes escrevem.

Abertas para receber pessoas conectadas e que queiram discutir determinado assunto, hoje existem salas de apoios para os mais variados problemas. Dependentes químicos, alcoólatras, pessoas deprimidas, vítimas de racismo, esquizofrênicos. Sem precisar se identificar, os participantes se sentem livres para dividir os dramas pessoais.

"Esse é apenas um dos tipos de apoio que as pessoas podem encontrar na Internet", diz o psiquiatra de Pernambuco Tárcio Carvalho. Ele mantém, desde 1996, uma página chamada Depressão On Line, onde as pessoas encontram artigos sobre a doença e quais os seus sintomas.

Existe também uma relação de médicos em vários estados brasileiros para os quais os internautas podem enviar e-mails (correios eletrônicos) e outras páginas a serem visitadas. Até testes para verificar se a pessoa tem sinais de depressão podem ser feitos.

"O uso dessa tecnologia traz a possibilidade de conhecimento sobre a depressão e quais os tipos de tratamento. Atendo pessoas que nem sabiam que depressão é uma doença. Outras que nunca procurariam um psiquiatra, por acreditar tratar-se de médico de loucos, revela Tarcio.

Ele diz que deve começar a cobrar pelas consultas que presta para reduzir o número de pessoas que passaram a enviar-lhe e-mails. Na página, Tárcio pode indicar especialistas na cidade onde a pessoa mora, responder dúvidas sobre doenças mentais ou dar conselhos. "Mas agora, com o apoio do Conselho Nacional de Pesquisa (CNPq) e a Universidade Federal de Pernambuco, estamos criando uma equipe para atender gratuitamente, a partir do mês que vem", antecipa.

Bate-papo contra a solidão

Frequentadora das salas de chat há cerca de um ano e meio, a psicóloga Márcia Homem de Mello, de São Paulo, está convencida de que um grande número de pessoas procuram a Internet para fugir da solidão. "Já encontrei uma mulher que dizia estar disposta a se matar. Fiquei mais de duas horas conversando com ela", recorda-se.

Por isso acredita que os psicólogos têm na Internet um valioso instrumento que os permitirá ajudar ainda mais as pessoas. Ela realiza uma pesquisa que tenta mostrar o motivo por que as pessoas entram nas salas de conversação virtuais. Em página criada por ela, qualquer um pode responder a um questionário que inclui perguntas sobre dados pessoais e as razões que a levam a acessar a Internet.

Márcia já recebeu mais de 200 respostas, mas afirma que ainda é muito cedo para tirar conclusões . E não só pelo número de e-mails recebidos. "Eu terei de analisar as respostas, pois acho que as pessoas podem não estar sendo muito sinceras", explica.

Seu objetivo é criar uma página em que pudesse induzir pessoas à terapia. Para ela, muitos desses usuários que se sentem sozinhos deixam de procurar um terapeuta por preconceito. "Eles poderiam tomar consciência do que é uma terapia pela Internet e serem motivados a procurar ajuda de um psicólogo." Mas antes de pôr em prática a idéia, Márcia que verificar quais as implicações éticas que a envolvem.

A Internet trouxe nova forma de relacionamento entre as pessoas. E as possibilidades e riscos sobre seu uso pela Psicologia começam a ser debatidos no mundo todo. Atento ao assunto, o Conselho Federal de Psicologia (CFP) promoverá entre os dias 21 e 24 de Outubro, em São Paulo, o Psicoinfo - A Psicologia na Era das Novas Tecnologias. No encontro, será discutido o uso da Internet por psicólogos.

O debate já vem acontecendo no exterior, principalmente nos Estados Unidos e no Canadá, desde que começaram a surgir sites que ofereciam a possibilidade de as pessoas fazerem terapia pelo computador. Um dos mais conhecidos é o Pychotherapy On Line, Criado pela psicoterapeuta norte-americana Adriane St. Clare.

Eficácia

Na página, Adriane admite que não há comprovação sobre a eficácia dessa terapia. Mas defende seu uso baseada nos resultados obtidos e nas vantagens do método para pessoas que moram em cidades onde não há especialista.

"Nesses caso até que se justificaria. Mas essas páginas só servem para tirar dinheiro das pessoas", acusa o neurologista Renato Sabbatini, do Núcleo de Informática Biomédica da Universidade de Campinas. Ele é criador do Hospital Virtual, um site onde médicos e estudantes de medicina trocam informações.

Não que seja contra esse serviços. O psiquiatra pernambucano Tarcio Aguiar, por exemplo, é o coordenador de Psiquiatria do Hospital Virtual. Sabbatini explica que há diferença entre oferecer conselhos gerais e desenvolver um processo terapêutico.

"Existem questões éticas muito sérias sobre isso. Se um psicólogo de Pernambuco não pode atender em São Paulo sem autorização do Conselho Regional, o que dizer então da Internet, onde você pode atender pessoas em qualquer lugar do mundo, como faz essa americana?", questiona.

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