Os perigos de
beber sem controle
O que começa como simples prazer pode resultar em doenças graves
e até de difícil cura, como câncer
São Paulo — Primeiro uma leve euforia.
Em seguida, um estado de relaxamento. As reações causadas pelo consumo de álcool no organismo
humano podem ser diferentes, inclusive dependendo da propensão genética de cada um. Está comprovada
a contribuição do fator hereditário para o alcoolismo, mas a influência externa ainda
é maior.
“No início, a pessoa bebe justamente pela sensação de bem-estar, de felicidade. Em um determinado
momento, o sujeito aumenta as doses para ter o mesmo efeito do estágio inicial”, conta Sérgio Seibel,
psiquiatra e presidente do Comitê Multidisciplinar de Estudos sobre Dependência do Álcool e
outras Drogas da Escola Paulista de Medicina em São Paulo.
Pesquisadores do Centro de Oklahoma para Estudos sobre Álcool e Drogas Relacionadas, nos Estados Unidos,
registraram, através de um tipo de ressonância magnética, imagens dos efeitos comuns do álcool
no cérebro. Além de provocar um relaxamento no organismo, quando o etanol chega ao cérebro
afeta funções responsáveis pela memória, movimento, respiração e julgamento.
Nosso organismo é composto em grande parte de água — 85% —, e o álcool é absorvido
facilmente. O efeito do etanol no sistema nervoso central se dá pela sua absorção pelo estômago
e intestino, e sua interação com as células. Em pouco tempo o álcool está circulando
em todo o organismo e chegando ao cérebro.
“Apesar de existir uma barreira no cérebro que serve como proteção,
o álcool penetra sem problemas. Quanto maior o teor alcóolico, mais o sistema nervoso é atingido”,
explica Renato Sabbatini, neurocientista da Unicamp/SP. O álcool altera atividades
celulares pelos neurotransmissores. “Compromete o equilíbrio, coordenação motora e desorganiza
o pensamento (julgamento)”, completa Sabbatini. “O desequilíbrio emocional, como a depressão e a
ansiedade, torna uma pessoa mais suscetível ao uso do álcool”, emenda Seibel.
Em princípio, o uso do álcool é uma dependência psíquica, aliviando a ansiedade,
por exemplo. A segunda fase é uma dependência física, causada pela permanência constante
de álcool no sistema nervoso. Quando a dependência vai se instalando, no estado de abstinência,
a pessoa produz uma série de sintomas físicos. Tremor das mãos, ansiedade e náusea.
Mudança de percepção
e oscilação de humor
A relação psíquica com o álcool é semelhante à de outras
drogas. A vulnerabilidade leva a pessoa a buscar saídas artificiais de sentir prazer, é um “facilitador”
social. “O problema da dependência é que no início o consumo do álcool é motivo
de prazer. Depois, o indivíduo perde o controle da situação, mas demora para admitir”, ressalta
Seibel.
O álcool é classificado como uma droga psicotrópica. Pode ser, no primeiro momento, um euforizante,
e também ativar o sistema nervoso central. De acordo com Seibel, “causa mudança de percepção
e oscilação de humor”.
Alteração
Uma das explicações sobre o relaxamento provocado pelo álcool foi divulgada
no Japão, na universidade de Niigara. A equipe do cientista Toru Kobayashi, em parceria com a equipe de
Joanne Lewohl da Universidade do Texas nos EUA, observou que o álcool abre um canal iônico que permite
que as células cerebrais eliminem íons, reduzindo a sua atividade.
“A droga altera a função cerebral relacionada ao prazer e cria
o hábito pela substância. A vontade de usá-la aumenta cada vez mais”, diz Sabbatini. A amnésia
alcoólica já é uma indicação grave de alcoolismo, que, segundo Sabbatini, causa
mais dependência física do que a cocaína.
Pessoa chega confundir a outra
“Certos indivíduos chegam a beber produtos que tenham álcool em sua
composição para aliviar os sintomas de abstinência”, reforça o psiquiatra Sabbatini.
A longo prazo, o álcool causa degeneração irreversível do sistema
nervoso central, podendo causar por exemplo a demência. As complicações mais comuns que aparecem
afetam o sistema digestivo e gastrointestinal juntamente com sistema nervoso central. “Existem evidências
de correlação entre ingestão exagerada de álcool e câncer na boca, laringe e
esôfago”, revela Seibel. “O álcool tem a chamada caloria vazia, não possui nutrientes. A pessoa
sofre deficiências alimentares que prejudicam o sistema digestivo.”
O rapaz chega e pede o primeiro chope. Na mesa ao lado, senta-se uma moça com o rosto coberto de espinhas
e com uma pinta no queixo. Sem dar a menor bola, ele solicita mais uma bebida. A jovem sorri e tenta jogar um charme
soltando os cabelos oleosos e descruzando as pernas grossas. Encabulado e totalmente desinteressado, o homem finge
que não viu a cena e vira o terceiro chope.
Quando o garçom traz mais um copo cheio, ele ouve um carinhoso chamado da moça, que se apressa em
dizer o nome. “Me chamo Zuleika.” O rapaz consegue desconversar e, mesmo com o copo pela metade, aproveita a passagem
do garçom e invoca o quarto chope. Mas, ao empunhar o quinto copo e olhar para onde está Zuleika,
ele dá de cara com uma jovem parecida com ela. Mais solto e bem mais interessado, o homem pergunta o nome
da moça. “Já disse, meu querido. Me chamo Zuleika.” Espantado, ele se dá conta que se trata
da mesma moça do início da noite. A bebida, mesmo em dose pequena (4 chopes), alterou o paradigma
de beleza do exigente rapaz.
Professor faz
teste em fotos
A influência da bebida no julgamento da beleza acaba de ser comprovada cientificamente pelo
professor de psicologia Barry Jones, da Universidade de Glasgow (Escócia). Ele pediu a 80 estudantes que
avaliassem a beleza de pessoas fotografadas. As notas distribuídas pelos 40 alunos que consumiram uma pequena
dose de bebida alcoólica (pouco mais de um litro de cerveja ou duas taças e meia de vinho) foram
30% superiores do que as notas conferidas pelos sóbrios.
Usando metodologia semelhante, a reportagem da Agência Estado foi às ruas e bares de São Paulo
e constatou que as notas dadas pelos não-alcoolizados foram menores que a dos alcoolizados. Comprovou-se
ainda que as moças também são menos exigentes com atributos quando ingerem bebidas.
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