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Viagra, ou a mágica científica

Renato Sabbatini

O que está ocorrendo com o Viagra, o medicamento lançado este ano pela Pfizer para tratamento da impotência (disfunção erétil masculina) é um fenômeno interessantissimo, que poucas vezes se repetiu na história da humanidade. Acho que não deve existir mais nenhuma pessoa que veja tevê ou leia jornais e revistas que desconheça o que é o Viagra e o que ele faz: talvez quase tantas pessoas saibam sobre esse exótico e complexo medicamento quanto as que conhecem a aspirina, o medicamento mais conhecido de todos. É capaz até que "viagra" vire um substantivo comum, como tantas outras marcas pioneiras, como gilete e a própria aspirina (o nome comercial do ácido acetilsalicílico, sintetizado pela primeira vez pela empresa alemã Bayer, e a única a deter direitos sobre a marca).

Não é a primeira vez que ocorre algo como o Viagra. Pouca gente se lembra, mas esse fenômeno de disseminação em pouquissimo tempo, e de uso em massa pela população, ocorreu na década dos 60s, com a pílula anticoncepcional. Existem muitas coisas em comum entre o lançamento da pílula e do Viagra (curiosamente, ele não tem um nome genérico tão simples. O que seria: pílula do amor ?). Em primeiro lugar, ambos afetam a função reprodutiva e sexual humana de forma significativa, com potencial enorme de impacto sobre a moral, os costumes, a economia, a política, a religião, etc. É bem conhecido como a pílula liberou a mulher do medo da gravidez, abrindo as portas da felicidade sexual para milhões de pessoas. O sexo passou a ser praticado por mulheres mais jovens e mais freqüentemente, diminuiu o número de filhos por casal, o domínio da religião católica sobre seus seguidores foi afrouxado, os costumes se liberalizaram, e o feminismo recebeu um impulso formidável. As conseqüências de tudo isso sobre a sociedade como um todo foram extremamente abrangentes e profundas: para citar apenas uma, basta ver o que está acontecendo com o perfil demográfico dos países desenvolvidos: ao diminuir o número médio de filhos por casal a um valor abaixo do mínimo necessário para manter o crescimento populacional, todo o sistema de aposentadoria entrou em colapso, e o futuro é negro para os sólidos sistemas de amparo social desses países.

Outra coisa comum entre o Viagra e a pílula é que eles são medicamentos inovadores, chamados de "designer drugs" (drogas projetadas). Seu desenvolvimento se deu em função dos avanços do conhecimento científico sobre a fisiologia e a bioquímica, ou seja, como são os mecanismos normais de funcionamento do nosso corpo; e não através de descobertas empíricas. Um exemplo de descoberta empírica é a aspirin reais. Assim, a mulher deixa de ovular (por essa razão o nome científico desta classe de medicamento é anovulatório hormonal).

O caso do Viagra é ainda mais impressionante: a partir do estudo do mecanismo da ereção do pênis, os cientistas identificaram quais são as substâncias químicas naturais que controlam o seu fluxo sangüíneo para dentro e para fora, tais como agentes neurotransmissores, hormônios de ação local e enzimas, e desenvolveram uma droga que atua especificamente em um desses pontos críticos. O sildenafil, a droga sintética que é o agente ativo do Viagra, inibe uma enzima que faz as veias de efluxo do pênis relaxarem, levando à deflação do membro após uma ereção. Com isso, se o indivíduo tiver uma ereção, ela será mantida mais firme e por mais tempo, possibilitando até vários coitos no período de uma a duas horas. Os estudos científicos mostraram também que uma pessoa sendo tratada com o sildenafil tem mais ereções espontâneas por dia (sete a oito) e os orgasmos são mais intensos e satisfatórios.

Com tudo isso, o Viagra, que foi criado especificamente para tratar uma disfunção, ou uma doença, a impotência masculina de causas orgânicas, extrapolou seu objetivo e está sendo usado amplamente para sobrepujar quimicamente o fantasma de todo homem sexualmente ativo, seja qual for sua idade: a famosa "ansiedade de desempenho", ou seja, o medo de não conseguir uma ereção. Virou uma droga "recreativa", e só não o é mais porque ainda exige receita médica para ser comprada ("ainda", pois é bem provável que a receita passe a ser uma ficção, como para a pílula). A potência sexual é uma coisa tão importante para a cabeça masculina, e o medo da impotência temporária ou permanente tão forte, que muitos jornalistas e analistas contemporâneos acham que o Viagra terá um impacto semelhante ao da pilula anticoncepcional sobre os costumes sexuais.

Acho essa afirmação bastante exagerada, por vários motivos. Primeiro, o sildenafil não causa ereção, apenas a mantém. Segundo, não é 100 % efetiva, como a pílula. Para muitos homens, simplesmente não tem efeito, ou não se aplica. Terceiro, leva uma hora para ter efeito, o que tira de certo modo a espontaneidade de seu uso recreativo. Quarto, tem uma série de contraindicações, e parece ser perigoso para quem tem doenças cardíacas (justamente um segmento bastante importante dos homens impotentes). Quinto, foi testado por pouco tempo, e poe ter efeitos deletérios a longo prazo desconhecidos. Sexto, é muito caro. No entanto, a pesquisa científica não vai parar, e eventualmente os cientistas descobrirão a substância ideal: ingestão oral, efeito rápido (5 a 10 minutos), provocador ativo de ereção (tomou, subiu, independente de excitação sexual prévia) e com 100 % de efetividade. Essa sim, vai ser revolucionária. Aliás, ela já existe, mas não cumpre todos os requisitos acima. A prostaglandina (conhecida pelo nome comercial de Caverjet) tem todas essas características, com a desagradável exceção que precisa ser injetada no pênis ! Por isso, embora ela seja altamente satisfatória, mais de 50 % dos homens impotentes que a utilizavam abandonaram o seu uso depois de um certo tempo.

Não há dúvida que a medicina molecular e as "designer drugs" vão continuar a evoluir, com um impacto HREF=mailto:renato@sabbatini.com>renato@sabbatini.com
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