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Depressão, gênero feminino

Renato Sabbatini

A depressão é um dos maiores problemas de saúde do mundo. De uma forma ou outra, cerca de 17 % da população tem um ou mais episódios de depressão suficientemente grave durante sua vida. Para a maioria das pessoas, esses episódios são relacionados a algum acontecimento adverso, como a morte de uma pessoa próxima, a perda de um emprego, a falta temporária de perspectivas, o sofrimento com doenças crônicas, etc. São as chamadas depressões ocasionais, ou situacionais, e geralmente se corrigem sozinhas, com o tempo; ou com uma psicoterapia de apoio.

Entretanto, algumas pessoas têm depressões graves, verdadeiros distúrbios mentais, altamente debilitantes. Para essas pessoas, a depressão é um manto negro e pesado, que cobre e sufoca tudo, causando um sofrimento indescritível, uma diminuição enorme da auto-estima, do otimismo e da vontade de viver. Os estudos mostram que entre 2,5 % a 6 % da população pode sofrer depressões deste tipo.

Os psiquiatras sabem, hoje, que este tipo de depressão grave tem origem biológica, tendo sido detectadas numerosas alterações na bioquímica e até na anatomia do cérebro. Usando técnicas ultrasofisticadas de obtenção de imagens do cérebro, como a tomografia de emissão positrônica (PET), os pesquisadores são capazes praticamente de medir quantidades de determinadas substâncias químicas liberadas pelas nossas células cerebrais, chamadas de neurotransmissores. Esses estudos mostraram que os deprimidos graves tem um grande déficit de um neurotransmissor chamado serotonina, que está envolvido no controle das emoções. Além disso, determinadas áreas do cérebro, como o giro cingular subgenual, que também faz parte dos circuitos cerebrais das emoções, apresenta uma diminuição de quase 50 % no número de células nervosas de um deprimido grave, em relação a uma pessoa normal. Assim, não é de se surpreender que a maioria dos medicamentos antidepressivos modernos, como o famoso Prozac, ajam efetivamente no cérebro através do aumento da serotonina; compensando o déficit que o deprimido grave tem.

Um fato intrigante a respeito da depressão, no entanto, é que a incidência é muito maior entre as mulheres do que entre os homens. Levantamentos epidemiológicos recentes, como um estudo feito na Itália com quase 1000 pessoas, e outro feito nos EUA, com mais de 8 mil pessoas, mostram que a depressão grave atinge quatro vezes mais mulheres do que homens, e que depressões ocasionais ou bipolares (alternância entre euforia e depressão), atingem duas vezes mais mulheres do que homens. Além disso, as mulheres têm uma maior duração da doença, apresentam maior número de sintomas, somatizam mais, e geralmente relatam depressões mais graves e difíceis de tratar. Um número muito maior de mulheres é internado em hospitais para tratar depressão do que homens também (quase cinco vezes mais).

Qual seria a causa desse fenômeno ? Teria ele uma origem cultural e psicológica, ou também poderia ser explicada por fatores biológicos ?

Um dado interessante é que as mulheres são mais atingidas pela depressão na fase premenstrual (principalmente associada com a famosa tensão premenstrual, ou TPM) e no período antes da menopausa. Coincidentemente ou não, são fases em que os hormônios femininos, como o estrogênio e a progesterona, diminuem muito seu nível sangüíneo. A terapia de reposição de estrogênio, que está sendo muito usada para compensar a diminuição natural causada pela menopausa, melhora, entre outras coisas, o humor das mulheres, e diminui a incidência e a gravidade dos episódios de depressão. No entanto, ainda é cedo afirmarmos que a depressão está associada aos ciclos de hormônios femininos. A TPM produz irritabilidade e ansiedade, associada aos sintomas físicos desagradáveis, como edema e dor de cabeça, e isso serve para detonar sintomas depressivos. O uso de estrogênio na menopausa melhora muitas outras coisas, tais como a aparência física, a saúde da pele e dos cabelos, a lubrificação e firmeza da mucosa vaginal, a vida sexual da mulher, etc. Então o seu efeito sobre a depressão pode ser indireto !

Recentemente, pesquisadores do Instituto de Neurologia de Montreal, Canadá, relataram que uma das explicações possíveis é que o cérebro feminino normal tem uma velocidade de produção de serotonina 52 % menor do que no homem. Isso poderia explicar uma maior sensibilidade feminina aos agentes que causam depressão (um outro experimento pelos mesmos pesquisadores, usando PET, mostrou que a resposta de queda de serotonina ao estresse é muito maior nas mulheres).

O importante é que todas essas descobertas sirvam para progredir o tratamento da doença depressiva, e que tenhamos cuidado em não discriminar as mulheres por causa da maior incidência (existem empregadores que evitam contratar mulheres nas fases de idade consideradas mais problemáticas, como entre os 40 e 50 anos, e essa é mais uma diminuição de oportunidades de trabalho para uma minoria já bastante discriminada).


 

Publicado em: Jornal Correio Popular, Campinas, 17/06/97.

Autor: Email: renato@sabbatini.com
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