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Humanizando os hospitais

Renato M.E. Sabbatini

Na cidade de Perdue, nos Estados Unidos, existe um hospital que é diferente de todos os demais. Nas enfermarias onde estão os pacientes internados em estado mais sério, existem quatro gatos, cinqüenta periquitos e diversas gaiolas com canários e outros passarinhos. A direção do hospital está pensando em comprar dois cães pequenos e soltá-los, também. Como numa espécie de mini-paraíso terrestre, plantas em profusão adornam os quartos e as janelas, e de vez em quando crianças são trazidas para visitar os pacientes e brincar com eles.

Com tudo isso, o hospital de Perdue conseguiu diminuir em 25 % a mortalidade dos seus pacientes internados. A idéia, que está sendo chamada de "edenização" (de Éden, ou paraíso) é humanizar as instituições médicas, asilos de velhos e crianças, por meio da interação com animais e plantas. Mais de 100 hospitais e asilos já adotaram essa idéia simples, mas revolucionária, proposta pelo Dr. William Thomas, com resultados interessantissimos. Pacientes em estado grave recobram a consciência, e o estado de ânimo de todos (inclusive dos profissionais de saúde que trabalham com eles) melhora tremendamente, com repercussões positivas sobre a vontade de viver e até sobre a resistência imunológica contra as doenças. "Os pacientes parecem ter uma nova razão de viver", diz o Dr. Thomas. "Animais, plantas e crianças não são uma panacéia, mas eles proporcionam um tremendo estimulante, mesmo para os casos mais difíceis".

Embora esse conceito esteja ainda muito longe de ser adotado universalmente, a direção e os médicos de muitos hospitais estão tomando medidas para humanizar um pouco mais o estéril e agressivo ambiente hospitalar, pois estão amplamente demonstrados os benefícios para uma recuperação mais rápida dos pacientes. No Hospital das Clínicas da UNICAMP, por exemplo, o Dr. Jamiro, um médico e professor do Departamento de Clínica Médica, freqüentemente realiza mágicas divertidas para seus pacientes. Corais e shows de palhaços provocam sorrisos e diminuem as despesas hospitalares, mandando os pacientes para casa, mais cedo e mais felizes.

Pode parecer uma heresia médica, e até um atentado microbiológico, colocar periquitos e plantas em uma UTI, ou cães e crianças em um quarto de hospital. Mas o fato é que eles não prejudicam em nada a atenção médica convencional. É apenas uma questão de romper os paradigmas existentes. Quem já ficou internado alguma vez em um hospital, ou teve o azar de ficar em uma UTI, sabe o quanto é estressante o ambiente hospitalar. Por razões de facilidade técnica e segurança dos pacientes, a maior parte das UTIs fica feericamente iluminada o tempo todo. Além de estarem ansiosos com sua própria condição, os pacientes, imobilizados e cercados de equipamentos ruidosos e de aspecto ameaçador, com sondas e fios por todo o corpo, mal conseguem dormir. Quando conseguem, são interrompidos a todo momento para tirar sangue, medir a temperatura, receber injeções, etc. Ocupadissimos em salvar vidas no limiar da morte, médicos e enfermeiras mal têm tempo para conversar ou dirigir uma palavrinha amistosa aos seus pacientes. Os procedimentos são complicados, ninguém explica nada. Para muitos, é o terror absoluto, e por causa disso os pacientes freqüentemente passam o tempo todo sedados à base de medicamentos.

Assim, é fácil constatar que a esterilidade biológica dos hospitais é acompanhada por uma "esterilidade" emocional comparável. E isso é ruim. Em um livro muito interessante, chamado "A Casa de Deus", um médico americano contou sua experiência como residente num dos mais famosos e competentes hospitais do mundo, o "Beth Israel", da cidade de Boston. O que mais impressionou o autor é como a condição de saúde de muitos pacientes parece piorar mais, ao invés de melhorar, ao serem internados no hospital. Muitas complicações de casos aparentemente simples são causados pelos procedimentos médicos, que levam a novos problemas, que necessitam ser socorridos por novos procedimentos, que ocasionam mais complicações, e assim por diante, numa progressão infernal, que acaba muitas vezes matando o paciente. Os mais vulneráveis a esse tipo de coisa são justamente os mais novos e os mais velhos.

É por isso que a edenização pode ser uma solução para humanizar os hospitais. E isso é bom !


 

Publicado em: Jornal Correio Popular, Campinas, 20/4/1997.

Autor: Email: renato@sabbatini.com
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