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A febre que amedronta

Renato Sabbatini


A ameaça de surtos, ou até uma epidemia, de febre amarela em São Paulo está deixando as autoridades sanitárias e a população preocupadas. Com uma certa razão, porque os mesmos mosquitos que causaram epidemias de dengue várias vezes nos últimos anos ainda estão à solta e se proliferando, graças a ineficácia das ações de erradicação (o Aedes aegypti foi detectado em 25 Estados e em 2.000 dos 5.000 municípios). Só que a febre amarela é um "animal" totalmente diferente, por ser uma doença mais perigosa que o dengue, pois a mortalidade chega aos 10% (em epidemias pode atingir até 50% dos infectados).


Distribuição do mosquito A. aegypti nas Américas
Fonte:Centers for Disease Control and Prevention

 
A febre amarela é uma doença infecciosa aguda, causada por um flavivirus, da família dos arbovírus, assim chamados por terem sua origem natural nas florestas tropicais. É uma doença hemorrágica, porque uma das proteínas contidas no envelope (casca externa) do vírus, inibe a coagulação do sangue. Após uma incubação silenciosa de 3 a 6 dias, se inicia subitamente, de forma parecida com uma gripe (febre, dor de cabeça, dores musculares, mal estar e fraqueza). Os casos mais severos desenvolvem icterícia (daí o nome de febre amarela), hematêmese (vômito negro), melenas (fezes negras) e hemorragias em vários pontos do corpo, inclusive manchas vermelhas na pele (petéquias). Todos esses sintomas e sinais mais sérios são causados por hemorragias no tubo digestivo e na pele.
A história natural da febre amarela é a mesma da exploração do Novo Mundo, pois ela seguiu as rotas de exploração da Äfrica Central para a América (acredita-se que a doença foi trazida para cá através de ovos de mosquitos nos barris de água dos navios), e daí para a Europa. As primeiras epidemias ocorreram no México e em Cuba, em 1648. Chegou pela primeira vez ao Brasil em Recife, em 1685, e em Salvador, em 1692.
O ciclo natural do víru existe febre amarela na Ásia. Um dos motivos é que a exposição prévia ao dengue pode conferir proteção imunitária.

 
 
Ovos de mosquito na água
Fonte: Virginia Tech
Larvas de mosquito
Fonte: Virginia Tech
Aedes aegypti picando
Fonte:CDC

Embora tenha se originado em zonas silvestres tropicais, de forma nenhuma a febre amarela se restringe a elas. É um engano achar que o clima ou a distância do Pantanal e da Amazônia nos confere proteção contra uma epidemia. Cidades setentrionais, como Nova Iorque, Filadélfia, Boston, Marselha e Londres já foram atingidas no passado por epidemias devastadoras, assim como a Espanha, Portugal e Itália. Em 1793, morreram 4.500 pessoas em Filadélfia e metade da população fugiu da cidade. Na construção do Canal do Panamá estima-se que morreram 22 mil trabalhadores, a maioria de febre amarela, dengue e cólera.

No Brasil a febre amarela sempre esteve presente, inclusive no Rio de Janeiro, onde era endêmica no começo do século, espantando navios e turistas (e por isso recebendo o epíteto de "túmulo dos estrangeiros", pois entre 1897 e 1906 matou 4 mil imigrantes). O médico brasileiro Oswaldo Cruz ficou famoso ao conseguir debelar a epidemia através do combate aos mosquitos. Também foi a principal responsável pela espantosa mortalidade dos trabalhadores que estavam construindo a ferrovia Madeira-Mamoré.

Também a medicina moderna não afastou o espectro de epidemias altamente mortais, pois não há tratamento específico para essa virose (em 1990 houve uma epidemia em Camarões que infectou 20 mil pessoas e causou mil mortes). Na Nigéria existe uma endemia desde 1986, com 20 milhões de pessoas em risco, e uma mortalidade de mais de 50%.

A única esperança de evitar ou debelar uma epidemia é vacinar a população. A causa da febre amarela foi descoberta em 1881 por um médico cubano, Carlos Juan Finlay, que identificou a forma de transmissão através do mosquito A. aegypti. No entanto, só em 1900 é que o médico militar americano Walter Reed comprovou inequivocamente essa forma de transmissão e sugeriu o combate aos mosquitos. Foi a primeira doença humana a ser descoberta na qual o agente causador passava por um filtro que detinha qualquer bactéria conhecida (não se sabiam ainda o que eram os vírus). A primeira vacina foi desenvolvida em 1937 por Max Theiler, da Fundação Rockefeller, e é altamente efetiva, conferindo imunidade por cerca de 10 anos. É fabricada a partir de vírus atenuado, e a sorte é que o flavivírus é geneticamente estável, ao face="Arial, sans-serif">A população do estado não precisa entrar em pânico. Mas seria bom ficar alerta para a possibilidade de uma vacinação em massa.
 

Para Saber Mais

 
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Publicado em: Jornal Correio Popular, Campinas, 21/1/2000 .

Autor: Email: renato@sabbatini.com

 

 
 
 
 
 
 
 

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