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Cogito ergo sum

Renato M.E. Sabbatini

Penso, logo existo. Com essas palavras imortais, o filosofo francês René Descartes fixou de vez a importância da consciência para o cerne da existência do ser humano. Por exclusão, então, quem não tem consciência não existe, ou seja, não tem os atributos básicos da humanidade. Essa convicção profunda é a base de praticamente todo o edifício filosófico, moral e jurídico da civilização ocidental. Por exemplo, pessoas que não tem consciência plenamente desenvolvida, como crianças e débeis mentais (e até recentemente a sociedade também colocava nessa categoria as mulheres e os índios !), não aso imputáveis pela lei em relação a uma serie de desvios da norma do comportamento.

Será que isso é verdade ? Em Um Antropólogo em Marte, um livro magistralmente escrito pelo neurologista e divulgador cientifico americano Oliver Sacks, ele discute em um artigo a mente estranha da Dra. Temple Grandin, uma professora assistente de ciências animais da Universidade do Colorado, que é, reconhecidamente, uma das maiores especialistas do mundo no projeto de instalações de criação e abate de gado. Ela escreve artigos, dá aulas, viaja muito e profere palestras em congressos em todo o mundo. Temple é, também, uma autista, o que torna o seu caso ainda mais raro. Teoricamente, um autista nunca chegaria a esse grau de proficiência intelectual e relacionamento interpessoal e social.

O autismo é uma distúrbio do desenvolvimento mental, de origem biológica ainda desconhecida, e que afeta uma entre cada 600 crianças. O autista tem sérios problemas de aprendizado e relacionamento com o mundo e com outras pessoas, que nunca aso totalmente eliminados, mesmo com terapias intensivas desde a mais tenra idade. O problema principal do autismo tem muito a ver com o que chamamos de consciência, um conceito ainda mal definido, mas que todo mundo sabe reconhecer. Segundo os pesquisadores, todas as crianças autistas tem três problemas básicos: um déficit na comunicação verbal e não-verbal, um distúrbio no relacionamento social, e um prejuízo nas atividades que requerem imaginação. Todos os três problemas parecem se originar de um único distúrbio de desenvolvimento: pessoas autistas não tem percepção de como funcionam as mentes de outras pessoas e de si mesmas. Elas não tem uma teoria da mente, por assim dizer. Por exemplo, um autista não consegue entender as emoções de outras pessoas, nem as suas razoes, maneiras e conteúdo emocional com relação aos relacionamentos com os outros. Não consegue entender o que é uma amizade, ou ter um amigo. Se pensarmos como tudo isso é vital para nossas personas e para a vida em sociedade, entendemos porque o autista é profundamente retraído e voltado para dentro de si mesmo, porque ele se assusta tanto e reage ato violentamente contra tentativas de contatos sociais normais. Usando as palavras da própria Dra. Grandin, eles se sentem como antropólogos em Marte, em outras palavras, desconhecem tudo o que envolve a compreensão da própria mente de uma maneira ato absoluta e completa, que &ea é diferente do normal. Não há a menor duvida, segundo o Dr. Sacks, que Temple Grandin é uma pessoa razoavelmente funcional, inteligente e consciente, mesmo que a teoria diga que isso seria possível. Todo ser humano, mesmo os mais profundamente perturbados, tem um laivo de consciência e de humanidade dentro deles. Que isso fique como uma lição para todos nos.


Publicado em: Jornal Correio Popular, Campinas,

Autor: Email: renato@sabbatini.com
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