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Relação médico-paciente

Renato M.E. Sabbatini

A sua doença tem um nome muito comprido em latim, que você não entenderia.Médico anônimo, citado em A Assustadora História da Medicina, de Richard Gordon

A relação médico-paciente, considerada uma coisa importante e quase sagrada desde os tempos de Hipócrates, está em franca degeneração, e não só no Brasil. Isso é muito ruim para tudo e para todos: sofre a qualidade da assistência médica, sofre a ética, mas sofre, principalmente, a própria eficácia da terapia; uma vez que está amplamente demonstrado que o simples fato do paciente acreditar e confiar no médico é meio caminho andado para que ela ocorra.

Um aspecto muito negativo desse relacionamento é a recusa do médico em esclarecer o paciente sobre sua doença e sobre o tratamento proposto, seja por falta de tempo ou por arrogância. Nos EUA, onde este problema se tornou crônico, pois lá, mais do que aqui, time is money, tem sido tomada uma série de medidas cujo objetivo é obter o que eles chamam de consentimento bem informado. Como os médicos de lá estão sendo massacrados pelos processos jurídicos milionários de má-prática médica (ou seja, quando um paciente se sente prejudicado por algum erro médico), eles estão tomando cuidados extras para obter o consentimento dos pacientes, por escrito, quando um procedimento de maior risco será realizado. Só que os pacientes americanos já não aceitam assinar formulários escritos em letrinha miudinha, sem ler. Querem que se explique tim-tim por tim-tim o que será feito, quais os riscos e benefícios. Empresas americanas até desenvolveram programas de computador, como o A.D.A.M. (Atlas de Disseção Anatômica Animada, em inglês), que mostram em detalhes até chocantes para um leigo todas as fases da cirurgia a que ele vai ser submetido. Como o médico não tem tempo para isso, são educadores (geralmente enfermeiros) especializados que realizam a tarefa educacional, importantíssima.

Já se foi o tempo, portanto, que o paciente confiava cegamente no médico. Em nosso meio, essa confiança levou um baque muito grande nos últimos tempos, devido à péssima qualidade dos médicos que estão sendo formados em muitas escolas de medicina, e devido ao noticiário sobre erros médicos, que realmente aterroriza as pessoas comuns, que não têm conhecimentos técnicos mínimos de medicina, e que se sentem totalmente perdidas e na mão de profissionais nos quais não depositam confiança absoluta.

Uma das raízes do problema é que, nas Faculdades de Medicina, os futuros médicos são treinados para parecerem infalíveis. Aliás, diz um ditado jocoso que se os médicos desconfiam que são deuses, os cirurgiões tem certeza.... A aparência de que o médico tudo sabe, de que não tem dúvidas, dizem os professores, é essencial para que a confiança se estabeleça, e que o processo terapêutico seja efetivo. Alguém confiaria num médico, que ao examinar o paciente, tira vári pouco caso, consultas super-corridas e incompletas, falta de empenho em diagnosticar e tratar o melhor possível, tudo isso faz parte de um conjunto de sintomas que sinaliza a degradação de nosso sistema de saúde pública. Médicos que ganham R$ 300 por mês em um posto de saúde, ou clínicas que recebem R$ 2 (exatamente: dois reais) por uma consulta, pelo SUS, não são exatamente entusiasmados em implementar padrões mínimos de qualidade. A discriminação entre “pacientes particulares”, “pacientes de convênio” e “pacientes do SUS” é odiosa, e cria castas e formas diferenciadas de tratamento, quando todos os pacientes, à luz da ética e da humanidade, deveriam ser tratados de forma igual. É um dos maiores venenos da relação médico-paciente.


Publicado em: Jornal Correio Popular, Campinas,

Autor: Email: renato@sabbatini.com
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