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A sociedade remota

 

Renato Sabbatini

É possível uma sociedade inteiramente baseada nas telecomunicações? Teoricamente ainda não, e provavelmente nunca será possível, pois existem muitas instituições sociais, como a maioria das indústrias com linhas de produção, que dependem da presença física e da interação a curta distância entre os componentes do sistema para serem efetivas e rápidas. Imaginem, por exemplo, o que seria montar um automóvel por operários que estivessem cada um em sua casa. ..

No entanto, existe um número muito grande de atividades sociais que podem ser realizadas inteiramente a distância, graças às novas tecnologias, que permitem o teletrabalho, a teleconferência, a Internet, etc. Um exemplo interessante é a Groelândia, a região humana habitada mais próxima do Pólo Norte, e que fica debaixo de gelo e neve 8 meses por ano, dificultando tremendamente a mobilidade das pessoas. Por isso, é uma das comunidades humanas que mais usam telecomunicações no mundo. Lá, todas as salas de aula, em todos os níveis de ensino, têm recursos de telecomunicação. Se nevar demais, os alunos podem ficar em casa e assistir as mesmas aulas a distância. Todos os hospitais têm unidades de videoconferência para realizar telemedicina, ou seja, alguns tipos de atendimentos médicos a distância, como consultas e exames diagnósticos. Por exemplo, se uma criança estiver com dor de ouvido em um dia de forte inverno, seus pais a levam apenas até o posto de saúde mais perto de casa, onde um médico ou enfermeiro usará um otoscópio ligado à rede de telecomunicações para mandar imagens do tímpano do garoto para um médico especialista localizado em um hospital central na capital. Durante o exame, os dois profissionais conversam entre si de uma forma muito natural através da unidade de videoconferência, como se estivessem lado a lado. Algumas casas já tem também unidades simplificadas de telemedicina, que podem ser conectadas à TV a cabo, o que torna possível muitos tipos de exames médicos sem sair de casa. Diabéticos podem medir a sua glicose no sangue, cardíacos podem enviar o eletrocardiograma para o médico sem sair de casa, etc.

O teletrabalho também é possível em muitos pontos da Groelândia. Tarefas e profissões que mexem o dia inteiro apenas com geração, transmissão e uso de informações, como contabilidade, advocacia, escritórios, empresas de consultoria, numerosas funções do poder público, etc., se adaptam facilmente à interação a distância, virtual. Algum tipo de convívio social acaba sacrificado, como a "chacrinha" várias vezes por dia perto da cafeteira, ou as reuniões de trabalho; no entanto a experiência mostra duas coisas surpreendentes quando o trabalho passa a ser realizado a distância: as pessoas se adaptam muito bem aos novos estilos de comunicação, e segundo, o convívio social muda de natureza: ele é diferente em estilo, mas a afetividade e a sociabilidade estão lá, como sabe qualquer "habitante" das salas de "chat" na Internet.

Evidentemente, o uso de telecomunicações para substituir as interações sociais tem aplicabilidade imediata em regiões remotas, com climas difíceis, ou que são "desertos humanos", ou seja, com baixas densidades populacionais em grandes territórios, com poucas vias de comunicação. Ilhas, plataformas petrolíferas no oceano, regiões montanhosas, extensas zonas rurais, e outros ambientes do tipo são ideais para a educação a distância, teletrabalho e telemedicina. No entanto, a dificuldade de se movimentar nas grandes cidades (e os perigos representados pelos acidentes de trânsito e crescente criminalidade), como em São Paulo, também já está se transformando em um motivo para essas atividades. Muitas empresas estão utilizando a videoconferência para comunicar entre si as filiais ou unidades dentro da região metropolitana, com o objetivo de fazer reuniões virtuais.

Não vai demorar muito, estaremos iguais a Groelândia.

À medida em que a Internet se torna presente em todos os rincões geográficos e setores da sociedade, aparecem novas e criativas aplicações da grande rede para a sociedade remota, ou seja, a interação cada vez maior das pessoas a distância, com todas suas conseqüências, negativas e positivas.

A última moda é a generalização do conceito dos "portais personalizados" na Web. Explico: portais como o Universo On-Line (www.uol.com), o Yahoo! (www.yahoo.com) e outros, oferecem a possibilidade aos seus usuários de personalizarem o aspecto e o conteúdo de apresentação do site, através de softwares que permitem escolher entre um número muito grande de opções, que vão desde a escolha da cor e do padrão de fundo da home page, até os tópicos de notícias ou novidades em que está interessado. Ao digitar seu nome e senha secreta, o sistema que implementa o site recupera de uma base de dados on-line as informações de personalização e cria no momento a página que o usuário escolheu. Essa abordagem tem muitas motivações, mas a principal delas (do ponto de vista do portal), é o que se chama "fidelização do usuário", ou seja, é uma maneira de fazê-lo voltar regularmente ao site, gerando muito tráfego, que hoje é o "IBOPE" da Internet.

O Yahoo! foi um dos primeiros a perceber o enorme potencial da rede para transformar o portal em uma central de serviços personalizados. Sua equipe criou o My Yahoo!, o qual, entre outras coisas, disponibiliza uma agenda baseada na Web, que pode ser usada para marcar compromissos e lembretes. É semelhante em tudo às agendas eletrônicas oferecidas por softwares off-line (for a da Internet, como o MS Schedule+, o Lotus Organizer, etc., denominados de Personal Information Managers -- PIMs), mas com a vantagem de não terem que ser copiadas para disquetes ou não serem esquecidas em casa (uma coisa que sempre me acontece… :-) O Yahoo!, como depois aconteceu com a America On-Line (www.aol.com), o ICQ (www.icq.com) e a própria Microsoft (www.microsoft.com), também disponibilizou ferramentas de "chat" de texto e de som, envio de mensagens instantâneas, etc., acoplados à essa imensa base de dados de usuários registrados.

Assim, gradualmente surgiram idéias mais ousadas para aproveitar esse potencial da rede. Um exemplo: uma empresa dos Estados Unidos, chamada Evite (www.evite.com) criou uma interface na Web para as pessoas poderem organizar e programar eventos em grupo, como reuniões de família, piqueniques de colegas de trabalho, simpósios, reuniões de negócios, etc.; que envolvam várias pessoas. O software do servidor encarrega-se de contactar as pessoas de uma lista que o usuário estabelece, através de email, e sincronizar uma data e horário comuns a todos. Permite também montar uma espécie de lista de discussão, que serve de canal de contato para a preparação da reunião. Os participantes podem acessar o site configurado especialmente para aquela reunião de qualquer lugar do mundo. E mais: é um serviço inteiramente gratuito (por enquanto).

Outra idéia interessante é o escritório virtual. Seu objetivo é permitir que um grupo de pessoas trabalhe à distância em um mesmo projeto. Um site comum na Web é usado para armazenar e indexar arquivos (documentos, imagens, etc.) que dizem respeito ao projeto, para programar o projeto em si (datas críticas, listas de tarefas a serem realizadas, calendário de reuniões reais ou virtuais), além de vários meios de colocar os integrantes do grupo em contato para colaborar a distância, utilizando técnicas síncronas ("chat", teleconferência, etc.) ou assíncronas (webforum, lista de discussão, email, etc.). O próprio usuário pode configurar o que vai ser colocado no escritório e operá-lo por um tempo determinado, e o preço varia entre 13 a 25 dólares por mês dependendo do serviço utilizado. Atualmente existem no mercado americano vários serviços do tipo, como o eRoom, o InTandem, o PC HotOffice e o QuickPlace.

Um dos recursos principais de um escritório virtual é a "sala de reuniões", onde os integrantes do grupo podem se encontrar para realizar trabalhos em colaboração, dialogar, etc. Existem vários produtos que permitem a realização de reuniões virtuais em tempo real: um simples "chat" muitas vezes é mais do que suficiente, mas softwares específicos, que permitem a apresentação de slides em PowerPoint, o envio de imagens e sons, o intercâmbio de mensagens instantâneas, e outras funções, oferecem facilidades adicionais para o "Web conferencing", como é chamada essa atividade. Os softwares mais conhecidos do mercado são o Intervu Netpodium, PlaceWare, WebEx, NetMeeting, Contigo, WebLine, WebSentric, ICQ e Yahoo Messenger (uma lista comparativa, análises e links para as empresas podem ser encontrados em um artigo recente da ZDNet -- veja abaixo).

Invenções como Evite e Virtual Office representam aplicações fascinantes e criativas da Internet, e tenderão a se tornar cada vez mais comuns, com o aumento da velocidade de acesso à rede.
 

Para Saber Mais

   



Renato M.E. Sabbatini é professor e diretor do Núcleo de Informática Biomédica da Universidade Estadual de Campinas, colunista de ciência do Correio Popular, e colunista de informática do Caderno Cosmo. Email: sabbatin@nib.unicamp.br

Veja também: Índice de todos os artigos anteriores de Informática do Dr. Sabbatini no Correio Popular.



Publicado em: Jornal Correio Popular, Campinas, 8/10/99 e 15/10/99.
Jornal: Email: cpopular@cpopular.com.br
WWW: http://www.cosmo.com.br


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