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Software de Graça

 

Renato Sabbatini

Quem não quer software de graça? Essa é uma tendência crescente em todo o mundo. À medida em que os computadores se popularizam cada vez mais e custam cada vez menos, os preços cobrados por grandes empresas de software, como a Microsoft, passam a ficar desproporcionalmente altos em relação ao hardware. Os usuários não estão mais aceitando a situação em que se pode comprar (nos EUA) um bom computador por menos de 800 dólares e se gasta mais de 1000 dólares com o software essencial necessário para utilizá-lo no dia-a-dia. No Brasil o software é ainda mais caro que nos EUA, principalmente depois da desvalorização do real.

A Internet, como muita gente sabe, foi o mais poderoso incentivo para que ocorressem vários movimentos de disponibilização de softwares gratuitos, nas modalidades "freeware" (totalmente gratuito), "crippleware" (a versão gratuita, ou "light", tem menos recursos que a versão "profissional"), e "shareware" (uso gratuito por um certo tempo, com licenciamento da versão completa depois do pagamento de uma quantia módica). A Internet contribuiu com a grande facilidade para localizar e baixar esses softwares a partir de repositórios públicos, como o SIMTEL, usando o FTP (File Transfer Protocol), e sites especializados de busca, como o Shareware.Com. Esses movimentos são, em muitos casos, muito bem organizados, como é o caso do GNU, FreeBSD, Samba, LINUX, etc., para o mundo dos sistemas operacionais baseados no UNIX, hoje o maior concorrente do quase-hegemônico MS Windows.

Como escrevi em meu artigo "Pirataria de Software e as Universidades", os maiores defensores dos movimentos de freeware estão dentro das instituições de ensino. Sabem porquê? Como a universidade e os seus estudantes geralmente não podem pagar os altos preços fixados pela indústria de software, e como eles estão aprendendo a usá-los para desenvolver aplicativos e se formarem para o mercado de trabalho, criou-se uma situação psicológica de rebeldia contra a camisa-de-força angustiante criada pelo software comercial. Além disso, a pluralidade natural do mundo universitário no que diz respeito às plataformas de hardware e software (necessária justamente para diversificar as experiências de aprendizado) cria uma atitude de rejeição em relação a virtuais monopólios criados por essa ou aquela empresa. O resultado é que dezenas de milhares de jovens e talentosos programadores se dispõem a desenvolver gratuitamente tudo é quanto tipo de software para essas plataformas e colocá-los para cópia gratuita na Internet ou em CD-ROMs. Evidentemente, poucas empresas que dependem de software de qualidade se animavam, no passado, a basear sua infraestrutura de informática nesses softwares gratuitos, pois evidentemente eles não têm praticamente nenhum suporte técnico ou garantia de estabilidade, robustez ou qualidade. Afinal, como diz o ditado, "a cavalo dado não se olha os dentes".

Mas tudo isso mudou com o sistema LINUX, que gradativamente vem firmando uma reputação de qualidade e estabilidade.Com o surgimento de uma massa crítica de técnicos treinados em sua instalação, manutenção e uso, o problema de suporte também pode ser resolvido (muitos dos jovens entusiasmados pelo LINUX chegam a se oferecer através da Internet para prestar serviços de suporte técnico gratuitamente!) Trata-se, mesmo, de um movimento social, com características revolucionárias, nascido no seio das universidades, mas que agora tem se espalhado com uma velocidade surpreendente pelo mundo empresarial, graças à aumento da rigidez das ações antipirataria das empresas de software comercial, como a campanha da Associação Brasileira de Empresas de Software (www.abes.org.br). Uma das empresas ganhadoras nessa história é a Sun Microsystems, amarga rival da Microsoft depois de uma briga feia em torno do Java. Ela comprou a semana passada o famoso pacote de software StarOffice, um freeware que tem todos os componentes do Microsoft Office, tanto para o Windows quanto para o LINUX (www.stardivision.com). O objetivo não confessado da Sun é derrubar o monopólio da Microsoft na área de softwares de produtividade pessoal e automação de escritórios.

Dou a seguir um exemplo da força dos freewares: no Núcleo de Informática Biomédica da UNICAMP desenvolvemos muitos sites para a Web, na área da saúde. Portanto, é essencial ter um bom conjunto de ferramentas de software. Conseguimos montar esse conjunto apenas com softwares de domínio público facilmente encontráveis na Internet, sem pagar um tostão, e sem correr nenhum risco de ser preso como "pirata" de software. A grande maioria desses softwares é tão bom ou melhor quanto o shareware ou software comercial equivalente e mais conhecido. Para desenvolvedores da Web, a melhor fonte de freewares é o site da TUCOWS (The Ultimate Collection of Winsock Software), que tem centenas de sites afiliados ("espelhos") em todo o mundo, inclusive em Campinas (na CorreioNet, por exemplo, www.correionet.com.br). Você encontra nele softwares para Windows 3.1/95/98/NT/CE, Linux, BEOS, Macintosh, palmtops, e muito mais. Outros sites bastante completos de descarregamento de "freewares" e "sharewares" são o Shareware (www.shareware.com) que lista todos os servidores onde se pode encontrar um determinado software, o Jumbo (www.jumbo.com) e o ZDNET (www.zdnet.com). Para o sistema LINUX existem dezenas de sites interessantes com software gratuito. Um dos que eu recomendo é o LinuxBerg (www.linuxberg.com), que também tem espelhos em vários provedores brasileiros. O servidor FTP da UNICAMP é uma das fontes mais ricas de software de domínio público, inclusive os famosos SIMTEL, GNU e GARBO. São 45 gigabytes de software. Vale a pena visitar a sua interface de recuperação através da Web (http://ftp.unicamp.br).

A conclusão é que o mercado de software pode se modificar bastante no futuro se esses movimentos de software gratuito se tornarem mais conhecidos do grande público. Especialmente problemático para a Microsoft e outras empresas que tiram o seu ganha-pão principal de alguns pacotes de alta vendagem é o fato de certos produtos como o StarOffice se tornarem conhecidos demais pelo grande público, que poderá descobrir suas vantagens. Se as universidades adotarem esses pacotes para o ensino, então, será um verdadeiro calcanhar-de-aquiles, que poderá levar a uma desvalorização de seus acervos (e valor das ações no mercado de valores).
 

Para Saber Mais

 



Renato M.E. Sabbatini é professor e diretor do Núcleo de Informática Biomédica da Universidade Estadual de Campinas, colunista de ciência do Correio Popular, e colunista de informática do Caderno Cosmo. Email: sabbatin@nib.unicamp.br

Veja também: Índice de todos os artigos anteriores de Informática do Dr. Sabbatini no Correio Popular.



Publicado em: Jornal Correio Popular, Campinas, 17/9/99.
Jornal: Email: cpopular@cpopular.com.br
WWW: http://www.cosmo.com.br


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