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Eliminando o Intermediário

 

Renato Sabbatini

Em 1995, em seu livro "The Road Ahead", Bill Gates, o fundador da Microsoft, utilizou os termos "capitalismo sem fricção"  e "desintermediação" para descrever um fenômeno extraordinário, que está sendo provocado pela comunicação global e universal através da Internet: a eliminação dos intermediários (ou, como diríamos no Brasil, os "atravessadores") em todos os setores da economia e da administração. Isso ocorre, por exemplo, no comércio eletrônico: a editora e a produtora de software podem vender diretamente para o cliente através da rede, sem precisar mais do distribuidor, da livraria e da agência de propaganda. Esse canal direto reduz os preços, aumenta a agilidade de colocação de um novo produto no mercado, e estabelece um canal bidirecional direto entre produtor e consumidor, que não existia antes.

Outro setor onde está ocorrendo uma rápida desintermediação é na administração das organizações. Gates cita o seu próprio exemplo, bem como o do presidente da Ford, Jacques Nasser. Eles se comunicam diretamente com seus empregados através do email, eliminando a tradicional árvore hierárquica dos gerentes de nível médio. Isso tem um potencial revolucionário enorme na gestão das empresas, e é exatamente por isso que o novo livro de Gates, "Business @ the Speed of Thought: Using a Digital Nervous System" (Negócios à Velocidade do Pensamento: Usando um Sistema Nervoso Digital) está vendendo mais que pãozinho quente nos EUA. No livro, Gates diz que apenas os empresários e gerentes que dominarem o universo digital terão vantagens competitivas no futuro próximo. Ele expõe 12 regras de conduta nesse novo universo, que a seu ver são fundamentais para o sucesso empresarial. Várias das regras implementam o princípio da desintermediação utilizando a rede: comunicação direta com os empregados e clientes, eliminação dos intermediários nas vendas e a criação de grupos virtuais de colaboração.

Um dos exemplos citados por Gates no livro é indicativo dessa nova ordem de coisas. Uma conhecida cadeia de lojas de venda de softwares e acessórios para computadores, a EggHead, fechou o ano passado todos os pontos de venda físicos nos EUA (eram mais de 80) e passou a vender apenas através da Internet. A revolução foi tão completa que a empresa até mudou de nome: passou a chamar-se egghead.com. Através de leilões de computadores recondicionados, placas e periféricos baratos, liquidações on-line e um eficiente sistema de venda de software e CD-ROMs, ela conseguiu manter o nível de faturamento, cortando despesas drasticamente. Bota drasticamente nisso…

Outro exemplo é a empresa Dell Computers, que graças a uma estratégia de sucesso, vende atualmente cerca de 14 milhões de dólares por dia pelo seu site de comércio eletrônico, graças à estratégia de comunicação direta com o consumidor, formado em grande parte por outras empresas.

Para caracterizar as fantásticas mudanças que estão surgindo nas empresas em função das redes de computadores, Gates utilizou um outro termo interessante, sobre o qual tem escrito freqüentemente: sistema nervoso digital. Ele se baseia na analogia do nosso sistema nervoso (biológico), em que existem sensores espalhados por todo o corpo, que avisam o cérebro de tudo o que acontece, para que ele reaja rapidamente, em questão de milissegundos. As ações são altamente otimizadas em relação ao padrão de estímulos. O antigo telégrafo foi o primeiro e primitivo "sistema nervoso digital" das empresas, como expus em meu artigo anterior sobre essa Internet da era vitoriana ("A Grande Máquina Social"). Um excelente livro sobre esse tema histórico é "The Victorian Internet".

A comunicação direta cria enormes oportunidades para novos e revolucionários estilos de atuação das empresas, mas também apresenta uma série de dificuldades. Uma delas é a sobrecarga de informação que recai sobre os níveis mais altos da administração, que tradicionalmente se protegeram disso através da distribuição de responsabilidades e da construção de barreiras de acesso. Quem, das centenas de milhões dos usuários dos produtos de Mr. Gates, ou das dezenas de milhares de empregados de suas empresas, não gostaria de falar diretamente com ele, expor queixas, fazer pedidos, etc.?

Evidentemente, se ele não adotar processos paralelos de lidar com essa massa de interações, não fará mais nada na vida, e perderá a concentração em suas funções vitais na empresa.
 

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Renato M.E. Sabbatini é professor e diretor do Núcleo de Informática Biomédica da Universidade Estadual de Campinas, colunista de ciência do Correio Popular, e colunista de informática do Caderno Cosmo. Email: sabbatin@nib.unicamp.br

Veja também: Índice de todos os artigos anteriores de Informática do Dr. Sabbatini no Correio Popular.



Publicado em: Jornal Correio Popular, Campinas, 23/4/99.
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