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Rastros digitais

Renato Sabbatini

O termo "digital", usado em informática, refere-se a um sistema de enumeração baseado nos dígitos (1, 2, 3, etc.), que por sua vez significam "dedos" (do latim), uma vez que usar os dedos é a forma mais antiga usada pela humanidade para contar coisas.

Pois bem, parece que os dedos propriamente ditos terão uma função importante novamente no mundo da informática. Através de sistemas de automáticos identificação de impressões digitais, diversas empresas especializadas estão oferecendo softwares que permitem ligar uma pessoa de forma inequívoca a um banco de dados. Por exemplo, um projeto piloto sendo realizado em LaPorte, no estado de Indiana (EUA), as impressões digitais dos pacientes serão ligadas aos seus registros médicos, de modo que se um paciente estiver em uma condição que impeça os médicos de tomar sua história médica, o computador do hospital possa rapidamente recuperá-la com base na identificação digital. O sistema, que foi desenvolvido por uma divisão da NEC, permite ainda eliminar outros erros comuns em sistemas de bancos de dados. Por exemplo, cerca de 10 a 20 % dos prontuários médicos de um hospital são perdidos, mal identificados ou duplicados erroneamente. O novo sistema poderia ajudar a resolver essa situação.

Prevê-se que a identificação das impressões digitais se torne tão fácil e comum que bancos, seguradoras de saúde, etc. passarão a usá-lo para reduzir o número de fraudes. A entrada da impressão digital é simples: um pequeno aparelho, com uma área de 10 x 10 cm, ligada ao computador, permite que o usuário pressione seus dedos e obtenha uma identificação positiva em poucos segundos. Quem faz o milagre é um software de reconhecimento ótico, capaz de identificar as papilas e cristas digitais e correlacioná-las com mais de 99,9 % de certeza a um registro digital previamente existente.

Existem, é claro, alguns problemas. Primeiro, normalmente é apenas a polícia que tem bancos de dados de impressões digitais. Um hospital ou seguradora que queira montar a sua própria base vai gastar muito dinheiro. Para o usuário, vai começar a ser uma chateação, pois vai ter que fornecer suas impressões diversas vezes, para distintas empresas. Existe a possibilidade de haver o intercâmbio de bancos de impressões digitais entre elas, mas para isso seria necessário vencer dois obstáculos: a proteção da confidencialidade das pessoas, e a ausência de um padrão universal de armazenamento da descrição matemática de uma impressão digital (armazenar a imagem ocuparia muito espaço).

O problema da confidencialidade é considerado bastante sério pelos defensores dos direitos do cidadão. Minhas impressões digitais são de minha propriedade, e tirando os casos de obrigatoriedade legal, como o uso no sistema de identificação criminal, seria perigoso as empresas começarem a obrigar as pessoas a fornecerem suas impressões digitais. No caso do hospital de LaPorte, apenas três pacientes, entre mais de 5 mil, se recusaram a isso. No entanto, concordar em fornecer suas impressões digitais para fins médicos, que tem um fim meritório, não é a mesma coisa que permitir sua transferência para uma seguradora.

Outra situação complexa é a confiança cega que se terá em um sistema que não é 100 % confiável. Como todo software baseado em inteligência artificial, o reconhecimento das imagens dos dedos é feito de forma aproximada, e cerca de 1 em cada 1000 casos pode dar origens a dúvidas. O que acontece quando o sistema realizar uma identificação errada ? As conseqüências podem ser dramáticas se não se implantar procedimentos à prova de falhas para confirmar a identidade do portador por outros meios. Aliás, o sistema de impressões digitais não é o único sistema biométrico. Como escreví nesta coluna, durante as Olimpíadas de Atlanta foi utilizado um sistema baseado na forma das mãos. Existem também sistemas que utilizam o padrão das artérias na retina, e outros que analizam a voz. Mas nenhum deles é totalmente a prova de falhas.


 

Publicado em: Jornal Correio Popular, Campinas, 11/11/97.

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