Indice de Artigos

Vida Artificial

Renato Sabbatini


Sherry Turkle, uma psicanalista e pesquisadora do MIT (Massachussetts Institute of Technology) escreveu em 1984 um livro que virou "cult", chamado "The Second Self: Computers and the Human Spirit", (O Segundo Eu). O livro se baseava em uma série de pesquisas, que ela, como socióloga, tinha realizado com relação aos sentimentos que as pessoas tinham em relação a computadores e a robôs. Ela estudou vários tipos de usuários e profissionais da Informática e chegou a conclusões surpreendentes e reveladoras. Uma das mais espantosas é que os seres humanos não tem condições psicológicas de diferenciar mente e emoção natural (observáveis em outro ser humano), de suas simulações artificiais (geradas por um computador). Essa conclusão tem conseqüências importantissimas para a evolução da Inteligência Artificial e da Robótica, à medida que elas se aproximam cada vez mais da capacidade mental do ser humano (basta ver a reação algo histérica do campeão mundial de xadrez, Garry Kasparov, ao perder para o computador da IBM...)

Em uma das diversas estórias que ela conta, um professor de robótica do MIT apresentou aos seus alunos um pequeno e primitivo robô, que era vendido como "kit" por uma empresa americana na época. Ele era capaz de fazer pequenas tarefas, tais como andar, evitar obstáculos, agarrar coisas com seu único braço mecânico, e emitir algumas palavras sintetizadas vocalmente (ao ser ligado, por exemplo, ele falava: "Yes, Master !"). Durante várias aulas, os alunos tiveram a oportunidade de ver Mike em ação, como eles logo "apelidaram" o simpático robozinho, e rapidamente se afeiçoaram a ele (o professor fez questão de tratar o robô como se fosse um ser humano ou um animal de estimação). De repente, de propósito, o professor provocou a queda do robô de cima da mesa, e ele se espatifou no chão, parando de funcionar. Resultado ? Vários alunos ficaram profundamente emocionados com a "morte" do robô.

Esses fatos me vieram à mente com a impressionante onda provocada pela comercialização dos Tamagotchis, pequenos "seres" digitais inventados por uma companhia japonesa, Bandai Digital Entertainment, que se comportam como seres vivos. Eles nascem a partir de pequenos ovos (uma imagem na pequena tela de cristal líquido – Tomagotchi significa "adorável ovinho" em japonês), emitem sinais para o seu dono cada vez que "sentem fome" e precisam ser alimentados (pressionando-se um botão), manifestam prazer quando vêem o dono, dormem e acordam, etc. Outro botão serve para "castigar" o Tamagotchi de vez em quando. Se você cuidar bem dele, ele evolui para uma entre 12 outras criaturas diferentes. O brinquedo já vendeu milhões de exemplares no Japão e outros países do Sudeste Asiático e agora estão invadindo a Europa e os EUA (presume-se que chegarão ao Brasil ainda este ano), e provocou fenômenos muito interessantes que demonstram essa ligação emocional que surge entre homem e máquina, quando ela simula seres vivos e pensantes. Segundo pessoas que se tornaram donos dessas gracinhas,a coisa é divertida no começo, mas logo se torna muito chato atender às suas "exigências".

 Só para dar alguns exemplos, existem donos dos Tamagotchis que pararam de trabalhar ou de estudar, apenas para "tomar conta" de seus filhotes. Foram criadas "creches" de Tamagotchis, que em troca de uma módica quantia, tomam conta para você do seu Tamagotchi quando você tem que viajar ou trabalhar. Surgiram também cemitérios de Tamagotchis (pois eles "morrem" depois de um certo tempo, ou se ficarem sem alimento, ou muito abandonados...) e home-pages na Internet onde o dono pode declarar seu amor por eles ou deixar mensagens de epitáfio.

 Como não poderia deixar de ser, a fértil imaginação humana começou a criar mil variantes para os Tamagotchis (em uma das variantes, dois Tamagotchis podem ser acoplados para travar batalhas sanguinolentas, que terminam com a morte de um deles). Isso nos permite prever que logo deverão surgir "sociedades" de Tamagotchis, com especializações profissionais, donas de casa, crianças e adultos, etc., que poderão interagir entre si de muitas maneiras diferentes; envolvendo os seres humanos reais.

 Tudo isso pode ser estarrecedor para muita gente, mas não é exatamente uma surpresa, para quem leu o livro de Sherry Turkle, a que me referi no começo deste artigo.


Sites na Internet

Tamagotchi Central
http://members.tripod.com/~Tamagotchi_Central/

Tamagotchi Fever
http://192.216.191.80/TimesSquare/Castle/1999/


 

Publicado em: Jornal Correio Popular, Campinas, 22/7/98.

Autor: Email: sabbatin@nib.unicamp.br
WWW: http://home.nib.unicamp.br/~sabbatin Jornal: http://www.cpopular.com.br


Copyright © 1997 Correio Popular, Campinas, Brazil