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Uma revolução cultural

Renato Sabbatini


Recentemente, uma editora de São Paulo que queria lançar um curso de informática para médicos, fez uma pesquisa sobre os hábitos de consumo do médico paulistano. Entre outras coisas, perguntou quais eram os meios mais utilizados por ele para a atualização diária do conhecimento.

Os resultados foram surpreendentes. Mais de 18 % dos médicos declararam usar a Internet para esta finalidade, uma porcentagem maior do que os declararam usar livros (15 %) e só menor do que revistas (45 %) e televisão (60 %). Se esses números se aplicarem para o resto do Brasil (e eu tenho boas razões para desconfiar de que a proporção de médicos que utiliza a Internet é ainda maior no interior do país, pelo simples fato de que eles estão mais isolados dos grandes centros, onde as oportunidades para reciclagem são maiores), esta é uma verdadeira revolução cultural. Os especialistas do ramo estão chegando à conclusão que a classe profissional que mais resistiu ao uso dos computadores até agora; os da área de saúde, finalmente estão se rendendo em grandes números aos charmes e encantos do microcomputador e da Internet. A II FISA (Feira de Informática em Saúde), organizada pela Sociedade de Medicina e Cirurgia de Campinas, com o apoio científico do Núcleo de Informática Biomédica da UNICAMP e outras entidades, e que se realizará esta semana, é um evento único no calendário de feiras do Brasil, e, ao mesmo tempo, um arauto de tempos enormemente promissores para o incremento das aplicações dos computadores na área médica. Seus organizadores esperam a visita de 15 mil profissionais, estudantes e interessados, o que para uma feira de alcance regional, é um número extremamente significativo.

Explico logo porque acho que esta está sendo uma revolução cultural. O profissional da saúde (e eu me incluo entre eles), vive um dilema grande com o avanço das modernas tecnologias de eletrônica digital, da computação e das telecomunicações. De um lado, ele não pode ficar fora da torrente de tecnologia que invade os consultórios e hospitais, pois o bom uso dela e o entendimento correto de seus princípios de funcionamento serão a base de uma medicina de bom nível (dá para imaginar um médico ou enfermeira não saber usar os botões de um aparelho de monitoração de uma UTI ? A própria vida do paciente é colocada em risco, tanto é que nos EUA, o Escritório de Avaliação Tecnológica do Senado americano, detectou mais de 7 mil mortes naquele país, causadas por uso inadequado ou errôneo de equipamentos biomédicos !

De outro lado, o profissional de saúde não é educado, nem tem base tecnológica para ser um usuário poderoso dessas novas tecnologias ("power user" em inglês, o que significa uma pessoa que as domina em nível técnico adequado). Toda sua formação é voltada para os conhecimentos biológicos e sociais, e a verdade é que muitos estudantes de medicina escolhem o curso porque não gostam de ciências exatas, abominam matemática, física, etc. A maioria das 78 faculdades de medicina e das 102 faculdades de enfermagem no país não tem uma hora sequer de aula de treinamento em informática para seus estudantes, ou de explicação de como funciona, por exemplo, um tomógrafo ou em eletrocardiógrafo. Pasmem, quase em pleno século 21 !

Por isso, apoiamos a realização da FISA. É um evento muito importante, pois facilita muito o acesso do profissional de saúde aos conhecimentos atualizados na área das aplicações da informática, de uma forma descontraída, quase de "bazar", mas que é muito efetiva para instruir, informar e divertir, ao mesmo tempo. Esta é a razão do enorme sucesso da FISA do ano passado, contrariando o descrédito de muitos, que achavam uma aventura arriscada fazer uma feira tão especializada. Mas foram 11 mil visitantes e cerca de 1.200 inscritos nas palestras noturnas, que desmentiram prontamente os pessimistas.

Esperamos que o sucesso volte a se repetir neste ano de 1997. Afinal, foi sensível o aumento da "alfabetização computacional" dos médicos e outros profissionais de saúde entre a Feira do ano passado e a deste ano, principalmente quanto ao acesso à Internet e à informatização dos consultórios e às clínicas.


 

Publicado em: Jornal Correio Popular, Campinas, 24/6/97.

Autor: Email: sabbatin@nib.unicamp.br
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