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Professores cibernéticos

Renato Sabbatini

O ministro da Educação, Prof. Paulo Renato, anunciou recentemente que o governo vai gastar milhões de reais colocando microcomputadores nas escolas secundárias de todo o país. A idéia é que os professores e alunos comecem a utilizar o fantástico mundo da informática para aumentar a qualidade do acesso à informação e para capacitar melhor os jovens a trabalhar em um mundo cada vez mais informatizado, onde até mesmo um balconista de farmácia ou um açougueiro têm que aprender a utilizar um terminal de computador no seu dia a dia.

A iniciativa é altamente louvável, evidentemente. Eu sempre fui a favor dela, mesmo quando a idéia de colocar crianças e jovens em contato com computadores nas escolas era considerada "perigosa" pela maioria dos profissionais da computação (eu me lembro que, em 1982, participei de um simpósio da Sociedade Brasileira de Computação, em Ouro Preto, em que fui duramente atacado por uma grande parcela dos augustos "medalhões" da Informática brasileira ali presentes, depois de dar uma palestra sobre os beneficios do computador na educação. Argumentavam que o computador "desumanizaria" o ensino, como se isso fosse possível !).

No entanto, sou também o primeiro a reconhecer que a iniciativa do Ministério está cercada de perigos. O maior deles é o desperdício de recursos públicos, sem resultados palpáveis na melhoria da educação.

Em primeiro lugar, foi amplamente demonstrado, em todos os países que tentaram experiências semelhantes, que o mais fácil é colocar computadores nas salas de aulas. Mas isso não tem resultados efetivos, se não for acompanhado de uma série de outras coisas, entre as quais uma preparação prévia dos professores, através da conscientização e do treinamento. Prevejo que a iniciativa de Paulo Renato vai encontrar enorme resistência por parte dos professores da rede pública. Um estudo recente mostrou que, por causa dos baixos salários, excesso de trabalho e má formação educacional, a maioria dos professores não se interessa em aprender ou ler mais sobre as matérias que lecionam, e rejeita qualquer novidade que os obrigue a trabalhar mais, sem recompensa financeira correspondente.

Em segundo lugar, existe o problema de se colocar software aplicativo e educacional útil e de boa qualidade junto com os computadores. Sozinhas, as máquinas não servem para nada, e as escolas públicas não têm dinheiro nem para comprar uma pequena biblioteca, quanto mais os caros "pacotes" de software atuais. Finalmente, há o problema de manutenção técnica e de segurança desses equipamentos. Ninguém desconhece o problema que é a vandalização contínua de nossas escolas. Imagine só o que vai acontecer com esses computadores...

O próprio Ministério sabe disso. O ano passado, um projeto semelhante colocou milhares de antenas parabólicas, videocassetes e televisores nas escolas secundárias, para incrementar o uso da TV educativa nas salas de aula. Embora tenha tido muitos resultados positivos, um estudo posterior constatou que apenas 25 % das escolas estavam utilizando efetivamente os recursos doados. A maior parte dos equipamentos estava parada por falta de conhecimento dos professores em como operá-los, ou por falta de espaço adequado, ou porque estavam quebrados ou tinham sido roubados, ou simplesmente por falta de interesse.

No uso da Informática, a situação é muito mais complexa do que no uso de projetores de slides ou videocassetes. Estudos controlados, como o que foi realizado com várias escolas municipais pelo Núcleo de Informática em Educação da UNICAMP, dirigido pelo Prof. José Armando Valente, mostraram que é necessário um enorme esforço e investimento por parte das autoridades educacionais, para fazer o computador realmente "pegar" dentro de uma escola. Somente municípios relativamente ricos e bem assessorados por especialistas no assunto é que conseguem fazer isso.

Espero ardentemente que os colaboradores do Prof. Paulo Renato tenham pensado soluções para todos esses problemas. Ao que tudo indica, não será fácil...


 

Publicado em: Jornal Correio Popular, Campinas, 22/04/97.

Autor: Email: sabbatin@nib.unicamp.br
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