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Uma cesta de imagens

Renato M.E. Sabbatini

Corbis significa "cesta" em latim, e é o nome da mais nova aventura empresarial de Bill Gates, o dono da Microsoft. O objetivo da Corbis (endereço na WWW: http://www.corbis.com) é, ao mesmo, simples e atemorizante: Bill Gates quer ser o dono da maior parte das imagens digitalizadas do mundo. À razão de 40 mil novas imagens escaneadas por mês, usando dezenas de scanners custando 150 mil dólares cada, a Corbis tem como negócio a venda de imagens. Seu catálogo, disponível on-line, já tem mais de 700 mil imagens, categorizadas e indexadas, que podem ser examinadas pela Internet, e depois compradas pelos interessados (elas estão disponíveis gratuitamente para uso estritamente pessoal).

A venda de imagens não é uma coisa nova no mundo da arte e das publicações. Existem grandes empresas especializadas nisso, como a Gamma, a ImageBank, e outras,. Todas as grandes editoras de revistas têm contratos com essas empresas e recebem catálogos impressos, fartamente ilustrados, que podem ser usados para encomendar imagens. Tipicamente, um cromo (foto colorida) sai por algo como 20 a 30 dólares, dependendo do fotógrafo. Nem mesmo a venda de imagens através da Internet é uma coisa nova. Um concorrente da Corbis, chamada Electronic Library (http://www.elibrary.com) vem fazendo isso há pelo menos um ano. Ela tem um catálogo com cerca de 40 mil imagens.

A novidade é o tamanho da coisa. A Corbis já tem 18 milhões de imagens em seus arquivos (!!), e pretende digitalizá-las uma por uma. Será o maior arquivo digital do mundo, uma "nova Alexandria" (a mítica biblioteca da antiguidade, que foi inteiramente destruída por um potentado árabe que invadiu a cidade). A ambição de Bill Gates, aliada a sua capacidade financeira, está levando o medo aos curadores de museus de todo o mundo. Gates comprou recentemente um dos maiores arquivos fotográficos do mundo, o Bettman Archives, e detém direitos exclusivos ao mesmo. Comprou também direitos não exclusivos de reprodução de arte do Museu Vaticano e de vários outros, e seus representantes estão visitando praticamente todos os museus de arte do mundo. Ninguém sabe onde isso vai dar.

Recentemente, causou admiração a noticia de que Gates comprou os originais de um caderno de anotações de Leonardo da Vinci, o gênio renascentista, chamado Codex Leicester (do nome da cidade da Inglaterra onde morava o colecionador que o vendeu), por alguns milhões de dólares. Com esse material, já inteiramente digitalizado, a Corbis montou um CD-ROM absolutamente sensacional sobre Leonardo. Um software especial, que acompanha a multimídia, chamado de Codescope, o usuário pode reverter a imagem especular do Codex (Leonardo escrevia ao contrário, supostamente para esconder de seus concorrentes as informações anotadas, mas provavelmente porque era ambidestro). Em uma janela ao lado do original invertido, aparece a tradução para o inglês ! O CD-ROM também tem a biografia de Leonardo, uma galeria de arte, com todas as pinturas conhecidas do grande mestre, e um laboratório de "experimentos virtuais" animados, de suas principais invenções. Outros excelentes CD-ROMs produzidos pela Corbis contêm textos e imagens sobre Cézanne, vulcões, a história da bomba atômica ("Critical Mass"), a história do presidente Franklin D. Roosevelt durante a II Guerra Mundial, e outros.

Os donos e dirigentes da Corbis sabem, no entanto, que embora exista um potencial ilimitado para a publicação de CD-ROMs a partir de sua base de imagens, o mercado está ficando francamente favorável à distribuição on-line, através da Internet. Não há a menor dúvida de que todos os catálogos impressos de empresas como a Gamma, vão desaparecer. É ai que vai estar a grande fonte de renda, o toque de Midas que Gates parece conferir a tudo o que realiza. Cobrando uns poucos centavos por cad uma de suas imagens, o conteúdo da WWW será dominado pela Corbis, em pouco tempo ! Serão milhões e milhões de dólares de faturamento...

O problema principal, em uma arquitetura aberta como a Internet, é como proteger a propriedade intelectual, o investimento feito pela Corbis. Eles estão investindo muito dinheiro para solucionar esse problema. Por enquanto, a solução que adotaram é marcar todas as imagens com uma "marca d’agua" digital, indelével, que permite identificar a origem da imagem como sendo da Corbis. Um novo padrão de imagem foi criado por ela para isso, com a extensão .COR. Um software especial, chamado ImageViewer, disponível gratuitamente na Internet, permite visualizar a imagem sem a marca d’água, e torná-la invisível se você pagou à Corbis pela imagem. Teoricamente, eles poderão processar quem usar uma imagem comercialmente, pela qual não pagou.

Acho que não vai funcionar, pois a inventividade do povo da Internet é muito grande. Não é muito difícil fazer um software que remova a marca d’água sem deixar traços. Mas a Microsoft é especialista em fazer muito dinheiro, mesmo em um mundo dominado pela pirataria de software (estima- se que ela perca algo em torno de 8 bilhões de dólares por ano). O modelo adotado pela Corbis tem grande chances de funcionar, a medida em que seu arquivo for tão grande, que a concorrência for destruída, à la Bill Gates...


 

Publicado em: Jornal Correio Popular, Campinas, 31/12/96

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