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A Internet e a democratização do conhecimento

Renato Sabbatini


A Internet definitivamente está começando a ser usada por uma parte do povo brasileiro que nunca teve oportunidade de usar esse meio tão elitista (afinal, são apenas 8 milhões de brasileiros que usam ativamente a Internet, entre 180 milhões). Vejam só a mensagem de e-mail que recebemos de alguém que, evidentemente, não tem nenhuma intimidade com o idioma:

"Tenho uma vaca,que primeiro mostrou sintoma de entoxicamento,mas parese que sarou,mais ela esta soltano um liquedo mucoso pela venta,mem quase come e mem quase bebe agua,acho que ela esta com lequistopirose,tem cura.Por favor me responda rapido,grato"

Ou seja, parece ser alguém do meio rural, em apuros por causa de uma vaca doente, que ele acha que está com leptospirose. Conseguiu acesso à Internet (sabe-se lá como…), localizou o Hospital Veterinário Virtual Brasileiro, um site de informações sobre veterinária e zootecnia mantido pelo Núcleo de Informática Biomédica da UNICAMP (também é necessário uma relativa sofisticação no uso dos mecanismos de busca on-line para conseguir isso), e foi capaz de enviar uma mensagem de correio eletrônico para o serviço de perguntas e respostas do site (coisa não muito trivial, pois está meio escondido, é preciso saber navegar em um site feito para profissionais veterinários).

Existem várias coisas impressionantes nesse simples email. Primeiro, é a enorme facilidade de acesso proporcionado pela Internet ao conhecimento especializado, que seria dificílimo de achar por um simples "capiau" da roça há apenas alguns anos atrás. Se alguém já usou o termo "democratização do acesso à informação" em outro contexto, então não sabe do que está falando. Em segundo lugar, o número de erros de português mostra que pessoas de baixa renda e pouca formação estão entrando na Internet para valer.  Terceiro, a fé que pessoas que acessam a Internet têm em sua capacidade de resolução de seus problemas do dia-a-dia, através da interação com especialistas aos quais eles normalmente não teriam acesso.

A Internet, que começou como uma rede acadêmica, com apoio de verbas militares, para possibilitar o intercâmbio de sofisticadas informações científicas e tecnológicas, atualmente é o terceiro ou quarto maior meio de comunicação de massa, abrangendo uma população enorme, em termos absolutos (à ultima contagem, mais de 500 milhões de usuários, se não contarmos as pessoas que têm telefone celular com serviços WAP). Em alguns países desenvolvidos, como nos EUA, 60% da população adulta já acessa a Internet. No Canadá, 98% dos estudantes utilizam a Internet. Na Finlândia, o país mais "internetizado" do mundo (também, com o frio que faz lá…), 78% das famílias têm acesso.

O serviço mais utilizado da Internet é, de longe, o correio eletrônico, ou "e-mail", como é chamado. São bilhões de mensagens trocadas diariamente, e atualmente não ter um endereço de e-mail em seu cartão de visitas é quase a mesma coisa que não ter um telefone. Aliás, em certos grupos o número de pessoas que têm e-mail é, em alguns casos, maior do que aqueles que não têm telefone e fax, paradoxamente (entre os estudantes de graduaçào da Unicamp, por exemplo). Por este ponto de vista, podemos dizer até que o e-mail é mais democrático e acessível do que o telefone, pois na maioria das vezes ele não envolve nenhum custo para ser conseguido. Existem serviços na Internet que dão e-mails gratuitos para quem quiser, como o HotMail, YahooMail, ZipMail, IG, vários bancos, associações de classe, escolas, ONGs, etc. Basta ter acesso a um terminal ligado à Internet, e pronto, você já pode também enviar e receber mensagens de qualquer lugar do mundo.

Os Correios e também alguns governos municipais estão fazendo projetos de quiosques públicos de acesso à Internet, pagos ou gratuitos. Os shopping centers, aeroportos, hipermercados, livrarias, hospitais, e outros pontos de grande concentração ou passagem de público, estão, gradativamente disponibilizando computadores e quiosques multimídia conectados à Internet. No Aeroporto de Viracopos, por exemplo, a Varig e empresas associadas oferecem dois computadores ligados à Internet na sala de espera VIP. Muitas indústrias também estão montando quiosques de Internet nas áreas de lazer de seus funcionários. Assim, operários de chão de fábrica, motoristas e auxiliares de escritório, e até clientes, poderão usar sempre que quiserem.

Com tudo isso, começaremos a ver um enorme afluxo de usuários da Internet que não têm computadores próprios, ou que estão em um local onde normalmente usam seus computadores pessoais. O grande salto de utilização da Internet, no entanto, deverá ocorrer quando os aparelhos de TV tiverem essa função embutida em seus circuitos internos e controles remotos. Empresas de TV a cabo e TV satélite, como a DirectTV, já estão oferecendo aos seus assinantes diversos serviços interativos através do console de recepção utilizado normalmente, tais como videogames, acesso a contas bancárias, uso de e-mail, etc. Provavelmente no futuro será possível até fazer telefonemas ou videoconferências usando a TV.

Como no Brasil a TV é o eletrodoméstico mais difundido de todos (mais que rádio, geladeira e ventilador!), é inevitável que a fusão desta mídia com a Internet provoque um enorme impacto, uma grande mudança no paradigma do uso do aparelho de TV. Ele será interativo, personalizável, cheio de serviços adicionais. Aos poucos, os novos aparelhos incorporarão essas novidades, e o mundo nunca mais será o mesmo!
 



Renato M.E. Sabbatini é professor e diretor associado do Núcleo de Informática Biomédica da Universidade Estadual de Campinas, colunista de ciência do Correio Popular, e colunista de informática do Caderno Cosmo. Email: sabbatin@nib.unicamp.br

Veja também: Índice de todos os artigos anteriores de Informática do Dr. Sabbatini no Correio Popular.



Publicado em: Jornal Correio Popular, Campinas, 11/01/02.
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