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Elixir de Silício

Renato M.E. Sabbatini

“Silicone Snake Oil”, é o título de um livro que está causando muita polêmica nos EUA, a respeito da revolução social causada pela Informática. “Snake Oil”, na sabedoria popular americana, são aqueles vidrinhos de elixir milagroso, vendido por camelôs, que prometem cura para dezenas de doenças diferentes. Uma panacéia, enfim.

O autor é Clifford Stoll, um astrônomo da Universidade de Berkeley, que se transformou em um herói do mundo das redes de computadores, por ter conseguido detectar e encontrar, depois de um trabalho paciente que tomou vários meses, um “hacker” (pirata de redes de computadores) alemão, pago pela KGB, que estava penetrando nos centros de computação mais secretos dos EUA. Como resultado de sua bem-sucedida investigação, Stoll escreveu um livro chamado “The Cuckoo’s Egg” (O Ovo do Cuco), que descreve a epopéia. O livro foi premiadissimo e virou best-seller. O seu título faz referência à uma das técnicas de penetração utilizadas pelos hackers, que consiste em deixar um software oculto dentro do computador que querem invadir, que é ativado automaticamente depois de um certo tempo, e abre o acesso para entrada do intruso em uma conta que não é a sua. Funciona, portanto, como o proverbial ovo do pássaro-cuco, que os deposita em ninhos alheios para serem chocados. O cuco filhote depois expulsa ou mata os legítimos ocupantes e toma conta do ninho.

Neste livro, entretanto, Stoll, que sempre foi um fanático por computadores, e principalmente pela Internet, faz uma meia-volta total, e ataca as benesses ambíguas trazidas pelos computadores. Embora se confesse ainda um usuário de “várias horas por dia” da Internet, e dos computadores e programas que são essenciais para seu trabalho, ele ataca as ilusões trazidas pela invasão maciça de computadores em nossas vidas. Stoll se pergunta, por exemplo, porque muitas pessoas se viciam no uso do correio eletrônico e da WWW, se eles “prometem tanto, e cumprem tão pouco” (palavras dele, não minhas).

Repetidamente, ao longo do livro, Stoll lamenta lacrimosamente o tempo perdido pelas pessoas (inclusive ele) na frente de um computador, quando poderiam estar fazendo outra coisa, como plantando uma árvore, dando um passeio, brincando com os filhos, ou lendo um livro. Ataca os ganhos de produtividade trazidos por softwares de processamento de textos e elaboração de gráficos, como o PowerPoint, dizendo que entre outras coisas, eles somente servem para desperdiçar tempo em preciosismos cada vez mais elaborados (segundo ele, uma simples transparência rabiscada com uma caneta transmite exatamente o mesmo conteúdo, em uma palestra, de que um slide super-colorido e cheio de “frescuras”, elaborado em PowerPoint, e que, ainda segundo o autor, demoram um tempão para serem feitos).

São 239 páginas de um livro, ao meu ver, insuportável. A choradeira e a ambivalência são tamanhas (a toda hora o autor se desculpa dizendo que não pretende ser obscurantista nem desejar o fim da Informática) que o leitor se supreende pulando páginas e mais páginas de um livro desnecessariamente longo e cansativo. Sem falar nos argumentos, que na maior parte das vezes são irracionais, e lembram a busca antigos hippies pelo “retorno à natureza”. Sucedem-se afirmações hiperbólicas e sem sentido, como “a Internet é um mundo badalado em excesso, vazio, destituido de calor e de humanidade [...] Ele preenche poucas necessidades sociais ou econômicas. Ao mesmo tempo, ameaça diretamente partes preciosas de nossa sociedade, como as escolas, bibliotecas e instituições sociais. [Na Internet], nenhum passarinho canta.... (sic).”

Tirando o fato de que passarinhos podem perfeitamente cantar e serem ouvidos em todo o mundo, pela Internet, o luddismo do autor é ridículo. A Internet e os computadores são apenas ferramentas para melhor acesso à comunicação, e o fato de que existem pessoas que abusam, ficando viciadas, usando durante muito tempo, esquecendo de ter uma vida mais socializada, etc., não serve de justificativa para ataques mirabolantes como esse. O mesmo poderia ser dito de qualquer ocupação absorvente (como ler), ou do trabalho (pois existem os workaholics !!), TV, etc. Luddismo é o termo usado para identificar pessoas que se colocam contra novas tecnologias, por as considerarem “ameaçadoras para a humanidade”. Surgiu no século XVIII, quando os primeiros teares automáticos começaram a substituir os tecelões. Os ludditas ainda tentaram invadir e incendiar várias fábricas têxteis, mas isso não impediu o progresso nem acabou com os seres humanos. Simplesmente a humanidade se adaptou e incorporou a nova tecnologia, criando novas profissões e ocupações em função dela. Na realidade, as novas tecnologias digitais, como a Informática, estão facilitando o trabalho e liberando o nosso tempo para mais lazer. O livro de Stoll não contribui muito para esse discurso, a não ser para causar reflexões profundas em quem se está sentindo culpado por passar tempo demais na frente de um computador. Eu não estou !


Publicado em: Jornal Correio Popular, Campinas, 2/7/96
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